“A voz do professor adquiria um ar estranhamente inspirado sempre que falava a respeito de seus índios, a antes rebelde raça aimará, famosa por deter os exércitos incas durante séculos, e mudava para um desânimo profundo quando falava da condição atual dos índios, brutalizados pela civilização moderna. Ou quando falava dos mestiços impuros, seus terríveis inimigos, que se vingam dos aimarás por sua própria posição ambígua, nem peixe nem ave.
Ele nos falou da necessidade de montar escolas para ajudar as pessoas a valorizar seu próprio mundo e capacitá-las a desempenhar um papel digno dentro dele; da importância de se reformar completamente o atual sistema de educação, que, nas raras ocasiões em que oferece aos índios alguma educação (educação, claro está, de acordo com os critérios dos brancos), os preenche apenas com vergonha e ressentimento, deixando-os incapazes de ajudar seus irmãos índios e em uma tremenda desvantagem na sociedade branca, que lhes é hostil e não os quer aceitar.
O destino dessa gente infeliz é vegetar em algum serviço burocrático obscuro e morrer esperando que, graças ao poder milagroso de uma gota de sangue espanhol em suas veias, um ou outro de seus filhos possa, de alguma maneira, chegar ao objetivo aspirado por eles até o fim de seus dias. Enquanto falava, seu punho compulsivamente apertado denunciava o espírito de um homem atormentado por seu próprio infortúnio e por aquele mesmo desejo que ele atribuía a seu exemplo hipotético.
Não era ele, na verdade, o típico produto de uma educação que prejudica a pessoa que a recebe, apenas para demonstrar o poder mágico daquela preciosa ‘gota de sangue’, mesmo que esta tenha vindo de alguma pobre mulher mestiça vendida a um cacique local ou tenha sido resultado do estupro de uma serviçal índia pelo senhor espanhol bêbado?”
"De moto pela América do Sul - Diário de Viagem" Ernesto Guevara de la Sierna
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