Esta resenha apresentei como trabalho de conclusão de curso da disciplina "Tendências da Historiografia Contemporânea", ministrada no primeiro semestre de 2009 pela professora Lilia, no Latu Senso da PUC-SP.
Paul Thompson - A Voz do Passado - História Oral
Introdução
Trata-se de uma obra multifacetada e de importância vital para todos os que se utilizam de reminiscências, memórias e relatos orais em suas atividades de pesquisa e escrita da história. A História Oral emergiu muito recentemente como possibilidade historiográfica. O primeiro projeto nominalmente ligado a esta corrente surgiu em 1948, nos EUA, liderado pelo professor Allan Nevis, criador do “Oral History Project”. Como toda novidade, causa certo desconforto entre os guardiões das tradições acadêmicas, e precisa provar sua validade para ser aceita plenamente. Ainda há um senso comum que descarta sumariamente a História Oral por considerá-la demasiadamente subjetiva e imprecisa.
Thompson parte justamente deste ponto, porque sabe que é a frente que exige os maiores esforços defensivos. E começa atacando: ao invés de perder tempo tentando provar que as fontes coligidas pelos métodos da história oral são objetivas, afirma e procura provar que a subjetividade é um dado real em todas as fontes históricas. O fato de ser escrito e oficial não torna o documento mais fiel à realidade. O único remédio para lidar com esses desvios é submeter as fontes a um rígido sistema crítico.
O autor demonstra, ao longo da obra, que a História Oral é um método que tem os mesmos problemas e limites de quaiquer outros, mas que apresenta vantagens muito grandes do ponto de vista da abrangência. A história oral permite uma escrita mais democrática, muito ligada ao movimento novo conhecido como “história vista de baixo”. Dá voz aos que, nos documentos tradicionais, não seriam considerados.
Thompson é um guerrilheiro da nova história, é um entusiasta das possibilidades que ela traz ao campo da história. Em muitos pontos, seu trabalho é quase panfletário, e o tom se aproxima, por vezes, daquele empregado nas campanhas publicitárias.
Ao mesmo tempo, ele é um apaixonado defensor da revolução social. Defende que a função de um historiador é contribuir para que se alcance esse ideal. Thompson vê a história como instrumento para agir na sociedade e provocar mudanças. Em suas palavras, “o que se requer é uma história que leve à ação, não para confirmar, mas para mudar o mundo”. Ainda que o leitor mais tradicionalista considere esse arroubos um tanto exagerados, a obra mantém seu valor porque não se resume a isso. Thompson faz uma profunda reflexão sobre o uso de fontes orais, memórias e relatos, apontando suas limitações e possibilidades.
Thompson parte justamente deste ponto, porque sabe que é a frente que exige os maiores esforços defensivos. E começa atacando: ao invés de perder tempo tentando provar que as fontes coligidas pelos métodos da história oral são objetivas, afirma e procura provar que a subjetividade é um dado real em todas as fontes históricas. O fato de ser escrito e oficial não torna o documento mais fiel à realidade. O único remédio para lidar com esses desvios é submeter as fontes a um rígido sistema crítico.
O autor demonstra, ao longo da obra, que a História Oral é um método que tem os mesmos problemas e limites de quaiquer outros, mas que apresenta vantagens muito grandes do ponto de vista da abrangência. A história oral permite uma escrita mais democrática, muito ligada ao movimento novo conhecido como “história vista de baixo”. Dá voz aos que, nos documentos tradicionais, não seriam considerados.
Thompson é um guerrilheiro da nova história, é um entusiasta das possibilidades que ela traz ao campo da história. Em muitos pontos, seu trabalho é quase panfletário, e o tom se aproxima, por vezes, daquele empregado nas campanhas publicitárias.
Ao mesmo tempo, ele é um apaixonado defensor da revolução social. Defende que a função de um historiador é contribuir para que se alcance esse ideal. Thompson vê a história como instrumento para agir na sociedade e provocar mudanças. Em suas palavras, “o que se requer é uma história que leve à ação, não para confirmar, mas para mudar o mundo”. Ainda que o leitor mais tradicionalista considere esse arroubos um tanto exagerados, a obra mantém seu valor porque não se resume a isso. Thompson faz uma profunda reflexão sobre o uso de fontes orais, memórias e relatos, apontando suas limitações e possibilidades.
História e Comunidade
Thompson faz uma discussão acerca dos métodos e fontes tradicionalmente empregados na escrita da história, buscando compará-los com aqueles obtidos através da história oral. Nesse processo, ele reafirma sua filiação às diretrizes da Nova História.
A afirmação inicial é um libelo em defesa da importância da história. A necessidade de conhecer e explicar o passado, e através dele compreender melhor o presente e se situar no mundo é descrita como universal e inerente à condição humana. Sempre houve história, em qualquer sociedade, a qualquer tempo.
Infelizmente, por muito tempo ela foi escrita por pessoas ligadas aos grupo dominantes das sociedades, fato que levou a uma seleção muito restrita do que deveria ser registrado e preservado. Era uma história etnocêntrica, elitista e que fechava os olhos para as mulheres e para os menos favorecidos. É a velha crítica que os historiadores da Nova História fazem à historiografia tradicional.
Thompson parte dessa constatação já aceita e estabelecida para reforçar sua defesa da história oral. Segundo ele, mesmo após a ampliação do campo de interesse da história, permaneceram problemas graves, uma vez que as fontes tradicionais refletem a distorção promovida pela historiografia tradicional. Apenas os documentos que interessavam aos propóstitos daquele tipo de história foram preservados. Mesmo que a abordagem seja nova, as fontes permanecem conservadoras. Para o autor, recorrendo-se à história oral pode-se resolver esse problema. Os relatos orais podem preencher essas lacunas deixadas pelas fontes tradicionais.
Thompson vai além, e aponta outras vantagens decorrentes do emprego da história oral. As constatações dele transcendem os campo historiográfico tradicional: a história oral é algo tão revolucionário que suas implicações transbordam da história para outras áreas de atuação humana. Ela promove a remoção das barreiras entre historiadores e público leigo, apaga as fronteiras entre instituições de ensino e comunidade, rompe o distanciamento entre professores e alunos. Uma de suas vertentes tem funções curativas: é a terapia da reminiscência, que ajuda pessoas idosas desalentadas diante da modernidade, recuperando pela memória sua identidade.
Essa expansão impressionante do campo de atuação da história oral, apontada triunfalmente por Thompson, merece uma discussão mais aprofundada, uma vez que esse processo provoca, inveitavelmente, um distanciamento das razões originais do método: alimentar as pesquisas históricas.
A afirmação inicial é um libelo em defesa da importância da história. A necessidade de conhecer e explicar o passado, e através dele compreender melhor o presente e se situar no mundo é descrita como universal e inerente à condição humana. Sempre houve história, em qualquer sociedade, a qualquer tempo.
Infelizmente, por muito tempo ela foi escrita por pessoas ligadas aos grupo dominantes das sociedades, fato que levou a uma seleção muito restrita do que deveria ser registrado e preservado. Era uma história etnocêntrica, elitista e que fechava os olhos para as mulheres e para os menos favorecidos. É a velha crítica que os historiadores da Nova História fazem à historiografia tradicional.
Thompson parte dessa constatação já aceita e estabelecida para reforçar sua defesa da história oral. Segundo ele, mesmo após a ampliação do campo de interesse da história, permaneceram problemas graves, uma vez que as fontes tradicionais refletem a distorção promovida pela historiografia tradicional. Apenas os documentos que interessavam aos propóstitos daquele tipo de história foram preservados. Mesmo que a abordagem seja nova, as fontes permanecem conservadoras. Para o autor, recorrendo-se à história oral pode-se resolver esse problema. Os relatos orais podem preencher essas lacunas deixadas pelas fontes tradicionais.
Thompson vai além, e aponta outras vantagens decorrentes do emprego da história oral. As constatações dele transcendem os campo historiográfico tradicional: a história oral é algo tão revolucionário que suas implicações transbordam da história para outras áreas de atuação humana. Ela promove a remoção das barreiras entre historiadores e público leigo, apaga as fronteiras entre instituições de ensino e comunidade, rompe o distanciamento entre professores e alunos. Uma de suas vertentes tem funções curativas: é a terapia da reminiscência, que ajuda pessoas idosas desalentadas diante da modernidade, recuperando pela memória sua identidade.
Essa expansão impressionante do campo de atuação da história oral, apontada triunfalmente por Thompson, merece uma discussão mais aprofundada, uma vez que esse processo provoca, inveitavelmente, um distanciamento das razões originais do método: alimentar as pesquisas históricas.
Historiadores e história oral
O autor faz um grande passeio pela historiografia, apontando o uso de relatos orais, memórias e reminiscências como fontes de informação histórica. É um importante e minucioso levantamento, uma compilação de todos os que fizeram uso desse tipo de fonte ao longo da história.
Thompson constata que a tradição oral foi a primeira espécie de história, que somente no século XIX deixou de ser considerada pelos historiadores. Diversas sociedades reservavam espaço para a existência de indivíduos que se dedicavam especificamente a memorizar e transmitir os conhecimentos históricos, como os skald na escandinávia, os rajput na Índia e os griot na África ocidental.
Grandes nomes da historiografia antiga e medieval, como Heródoto e Bede, recorreram preferencialmente às fontes orais. No século XVIII, os iluministas fizeram largo uso dos relatos. Voltaire não via diferenças entre as fontes orais e documentais.
Thompson demonstra que, em muitos casos, os testemunhos orais são vistos como mais confiáveis que os documentos escritos. É o que ocorre nos tribunais, onde as testemunhas devem ser ouvidas; essa exigência vem da convicção de que os documentos são mais fáceis de forjar. Os registros contábeis devem ser auditados anualmente, ou seja, lidos em voz alta.
Por que, então, os historiadores relegaram os relatos ao esquecimento? A profissionalização do historiador, no século XIX, contribuiu para isso. Leopold von Ranke foi um grande ator nesse processo. Ele procurou sistematizar a disciplina ao longo de seus 60 anos de atuação acadêmica. Buscava criar um método próprio à história, e passou a desprezar radicalmente tudo o que considerava subjetivo. A ele interessava descobrir as coisas “como realmente foram” (wie es eigentlich gewesen ist). Seu método se espalhou e fez adeptos, como os franceses C.V. Langlois e Charles Seignobos, que afirmavam sem reservas que “se não há documentos, não há história”. De fato, o objetivo foi alcançado: a abordagem documental deu aos historiadores seu método próprio, peculiar, diferenciando-os como especialistas num determinado campo. Como afirma Thompson, essa noção de propriedade profissional era muito importante no século XIX.
Outro motivo para o abandono das fontes orais foi a mudança de atitude dos próprios historiadores em relação a sua realidade social. Restringindo-se aos documentos os historiadores podiam isolar-se socialmente, arrogando uma “neutralidade objetiva” em função da ausência de contato com o mundo.
No começo do século XX essas convicções foram caindo por terra, num processo que acompanhou uma mudança de paradigmas geral e universal. As velhas chaves de compreensão não conseguiam mais explicar o moderno mundo multifacetado, aberto ao relativismo. Os historiadores passaram a aceitar que a diversidade de fontes contribuía para uma aproximação de seus trabalhos com a complexidade do mundo real.
Thompson constata que a tradição oral foi a primeira espécie de história, que somente no século XIX deixou de ser considerada pelos historiadores. Diversas sociedades reservavam espaço para a existência de indivíduos que se dedicavam especificamente a memorizar e transmitir os conhecimentos históricos, como os skald na escandinávia, os rajput na Índia e os griot na África ocidental.
Grandes nomes da historiografia antiga e medieval, como Heródoto e Bede, recorreram preferencialmente às fontes orais. No século XVIII, os iluministas fizeram largo uso dos relatos. Voltaire não via diferenças entre as fontes orais e documentais.
Thompson demonstra que, em muitos casos, os testemunhos orais são vistos como mais confiáveis que os documentos escritos. É o que ocorre nos tribunais, onde as testemunhas devem ser ouvidas; essa exigência vem da convicção de que os documentos são mais fáceis de forjar. Os registros contábeis devem ser auditados anualmente, ou seja, lidos em voz alta.
Por que, então, os historiadores relegaram os relatos ao esquecimento? A profissionalização do historiador, no século XIX, contribuiu para isso. Leopold von Ranke foi um grande ator nesse processo. Ele procurou sistematizar a disciplina ao longo de seus 60 anos de atuação acadêmica. Buscava criar um método próprio à história, e passou a desprezar radicalmente tudo o que considerava subjetivo. A ele interessava descobrir as coisas “como realmente foram” (wie es eigentlich gewesen ist). Seu método se espalhou e fez adeptos, como os franceses C.V. Langlois e Charles Seignobos, que afirmavam sem reservas que “se não há documentos, não há história”. De fato, o objetivo foi alcançado: a abordagem documental deu aos historiadores seu método próprio, peculiar, diferenciando-os como especialistas num determinado campo. Como afirma Thompson, essa noção de propriedade profissional era muito importante no século XIX.
Outro motivo para o abandono das fontes orais foi a mudança de atitude dos próprios historiadores em relação a sua realidade social. Restringindo-se aos documentos os historiadores podiam isolar-se socialmente, arrogando uma “neutralidade objetiva” em função da ausência de contato com o mundo.
No começo do século XX essas convicções foram caindo por terra, num processo que acompanhou uma mudança de paradigmas geral e universal. As velhas chaves de compreensão não conseguiam mais explicar o moderno mundo multifacetado, aberto ao relativismo. Os historiadores passaram a aceitar que a diversidade de fontes contribuía para uma aproximação de seus trabalhos com a complexidade do mundo real.
Considerações Finais
Não vivemos em tempos fáceis para historiadores. A trajetória humana sofreu uma radical transformação no decorrer do século XX, num processo tão profundo que tornou obrigatória uma revisão geral na mentalidade e na estrutura do pensamento. Os velhos modelos de explicação histórica, que se pretendiam absolutos e aos quais nada escapava, tornaram-se obsoletos, incapazes de compreender a realidade. Tornaram-se objetos de culto de obstinados militantes, que agarram-se a eles de maneira desesperada, procurando extrair algum sentido de suas desgastadas engrenagens.
Frente a esse mundo complexo e multifacetado, uma abordagem histórica que considere, com método e critério, as informações adquiridas diretamente das testemunhas dos fatos tende a ser mais fiel à realidade.
A obra de Paul Thompson oferece bons argumentos de reflexão para o historiador que se utiliza de tais fontes em seu trabalho.
Frente a esse mundo complexo e multifacetado, uma abordagem histórica que considere, com método e critério, as informações adquiridas diretamente das testemunhas dos fatos tende a ser mais fiel à realidade.
A obra de Paul Thompson oferece bons argumentos de reflexão para o historiador que se utiliza de tais fontes em seu trabalho.