quinta-feira, 14 de maio de 2009

Charles Mingus


“Watts tinha sua própria hierarquia social, como qualquer comunidade americana média de negros que trabalhavam[...]. Alguns dos rapazes, três, quatro ou cinco anos mais velhos escolhiam Charles como o excluído dos excluídos porque era uma espécie de mestiço, mais claro que alguns, mas não claro o suficiente para pertencer ao grupo dos negros bonitos e elegantes.[...] Não havia realmente cor de pele como a dele. Então deixou de queimar os cabelos com o pente-quente de alisar da sua mãe e passou a molhá-los para que ficassem enroscados com o ar autêntico, natural e digno, crespo e lanoso. Ninguém o aceitou, cabelos crespos ou não.

O ódio negro que pairava no ar contra o branco era canalizado para ele, um mestiço de merda, falso e amarelado. Outros podiam dar uma de bamba e se chamar de crioulo filho-da-mãe ou negro cabeça de palha de aço, mas não engoliam nenhuma conversa tipo “meu irmão” da parte dele, coisa que descobriu de maneira cruel numa festa quando entrou e cumprimentou Snookum Young com um “Olá, negão!”, e se viu com uma navalha tentando retalhar o seu rosto. Podia ter sido o dia de sua morte. Ficou tão cauteloso que depois disso chamava o quadro-negro de quadro-de-giz.

Sempre que olhava para o espelho e perguntava “O que sou?”, achava que podia ver um número de traços: índio, africano, mexicano, asiático, e uma certa quantidade de branco de uma fonte sobre a qual seu pai se vangloriara. Queria ser uma coisa ou outra, mas era um pouco de tudo, inteiramente nada, de raça alguma, de nenhum, país, bandeira ou amizade.

Então Charles passou a usar cabelos alisados e a circular com outros mestiços, os poucos japoneses, mexicanos, judeus e gregos que havia no Jordan.[...] Eu entendi o que ele estava tentando fazer. Conheci outras poucas pessoas que viviam naquela ilha sem cor.”


“O jazz não foi feito para dar milhões a ninguém, mas é aí que mora o problema. Aqueles que escolheram praticá-lo da maneira mais pura estão na rua da amargura comigo e com Bird, e estamos na chuva para nos encharcar. Eu me dava muito melhor quando ninguém conhecia o meu nome, só os músicos. Pode apostar que deixa de ser jazz quando o submundo entra na jogada e o administra exclusivamente para fazer grana e até tira da jogada os agentes de cor. Calam a tua boca, enganam você na contabilidade das vendas de discos e, se você não chiar, dizem ao mundo que é um verdadeiro gênio. Mas se não se dobrar a eles, vão espalhar que você é um encrenqueiro, como fizeram comigo. E então, se um dono de clube honesto quiser contratá-lo para fazer umas apresentações, vão dizer que você não está disponível, ou que não atrai platéia, ou que vai arrasar o clube como se fosse um gorila. E você não vai ficar sabendo de nada disso, a não ser por acaso.”


SAINDO DA SARJETA - AUTOBIOGRAFIA DE CHARLES MINGUS

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