quinta-feira, 14 de maio de 2009

Kurt Vonnegut e a História: um jeito diferente de encarar as coisas...


Muitas vezes um literato ou escritor consegue relatar um acontecimento histórico com mais clareza e verdade que os próprios historiadores. Um exemplo é a irônica descrição que Kurt Vonnegut fez do processo de “colonização” da América pelos europeus, transcrito abaixo:
“Professores de crianças escreviam a seguinte data nos quadros-negros ano após ano, dizendo que os alunos a memorizassem com orgulho e alegria: 1492.

Os professores diziam que naquele ano o continente em que vivam havia sido descoberto pelos seres humanos. Na verdade, milhões de seres humanos já estavam vivendo vidas plenas e inventivas no continente em 1492. Esse foi simplesmente o ano em que piratas dos mares começaram a enganá-los, roubá-los e matá-los.

E havia outra tolice ruim que se ensinava às crianças: que os piratas dos mares acabaram criando um governo que se tornou um farol de liberdade a seres humanos de todos os lugares. Havia retratos e estátuas desse suposto farol imaginário para que as crianças vissem. Era como uma casquinha de sorvete pegando fogo. Na verdade, os piratas do mar que tinham mais a ver com a criação do novo governo possuíam escravos humanos. Eles usavam seres humanos como maquinário e, mesmo depois que a escravatura foi abolida, por ser tão constrangedora, eles e seus descendentes seguiram vendo os seres humanos comuns como máquinas. Os piratas do mar eram brancos. As pessoas que já viviam no continente quando os piratas chegaram eram cor de cobre. Quando a escravidão foi introduzida no continente, os escravos eram negros.

Cor era tudo.

Eis como os piratas conseguiram tomar tudo o que quiseram de todas as pessoas: eles tinham os melhores barcos do mundo, eram mais malvados do que qualquer um e tinham a pólvora, que era uma mistura de potássio, carvão e enxofre. Encostavam fogo nesse pó aparentemente inofensivo e ele violentamente se transformava em gás. Esse gás soprava projéteis de dentro de tubos de metal em velocidades incríveis. Os projéteis atravessavam a carne e os ossos com muita facilidade; assim, os piratas podiam destruir os fios, as tripas e os canos de um ser humano teimoso, mesmo quando ele estivesse muito, muito longe.

A principal arma dos piratas do mar, no entanto, era a capacidade de surpreender. Ninguém era capaz de acreditar, até que fosse tarde demais, o quanto eles eram cruéis e gananciosos.”


CAFÉ-DA-MANHÃ DOS CAMPEÕES - Kurt Vonnegut

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