segunda-feira, 24 de maio de 2010

Análise de notícias veiculadas no jornal "Folha de São Paulo" sobre a educação


Algumas notícias, veiculadas semana passada, no Jornal Folha de São Paulo: dia 19 de maio divulgou-se o caso de uma professora do RS que receberá uma indenização de R$2.000,00 da família de um aluno que a havia agredido. A professora tentava impedir que o rapaz, que tinha 13 anos na época, atirasse frutos numa colega. Ele então segurou a professora por um braço e deu-lhe repetidos tapas. Abalada, ela teve que se afastar e fazer acompanhamento psicológico.
A especialista em educação Ângela Soligo, da UNICAMP, não concorda com o desfecho da questão. Segundo suas declarações para o jornal, “é complicado quando se criminaliza um conflito no ambiente escolar. Quando se recorre à Justiça, estão dizendo que o problema está fora da escola". Em sua opinião, os pais deveriam ter sido chamados para um “diálogo”.
Dia seguinte, 20 de maio, novo caso noticiado: uma família de Belo Horizonte deverá pagar uma indenização de R$ 8.000,00 a uma colega de escola de seu filho. O rapaz, de idade não revelada, foi condenado por bullying. Segundo o jornal,


o adolescente xingou e ofendeu sua colega, chamando-a de ‘g.e.’, que viria a ser ‘grupo das excluídas’, pelo fato de se relacionar com outras colegas que eram classificadas pelo estudante como ‘lésbicas’. A vítima foi classificada ainda de ‘interesseira’ e ‘prostituta’ por ter começado a namorar um colega mais rico do colégio. Os apelidos e insinuações não cessaram mesmo após os pais da aluna se queixarem à escola.


A escola, acionada judicialmente pela família, foi isentada pela justiça, mas terá que pagar parte das custas judiciais.
Consideradas em conjunto, essas notícias são um bom indicador das condições das escolas atualmente, deixando claro as situações enfrentadas diariamente pelos professores.
Mas o jornal não parou por aí. No dia 23, publicou uma reportagem especial que tinha como chamada “A cada dia, um professor se licencia por dois anos”. O texto discutia a questão dos professores readaptados. No estado de São Paulo, readaptados são professores que, por motivos de saúde, solicitam o afastamento, por dois anos, das salas de aula, passando a desempenhar outras funções na escola. A reportagem se baseou em dados de uma pesquisa feita por Maria de Lourdes de Moraes Pezzuol, ela própria uma professora readaptada que decidiu transformar sua experiência e suas descobertas em dissertação de mestrado. O tom da reportagem, no entanto, é bastante incômodo. Inicia-se o texto da seguinte forma

“O professor de história Carlos, 42, fala sozinho às vezes. Seu coração, conta, dispara sem motivo aparente. "Não conseguia controlar os alunos. Queria passar o conteúdo, poucos me ouviam. Foi me dando uma angústia. Fiquei nervoso." Não era assim. "Eu era bem calmo", afirma, referindo-se ao período anterior a 2004, quando entrou como docente temporário na rede de ensino paulista. Aprovado um ano depois em concurso, foi considerado apto a dar aulas, na zona sul da capital. Passados três anos, obteve uma licença médica, que se renova até hoje, sob o diagnóstico de disforia - ansiedade, depressão e inquietude. Carlos espera nova perícia. Quer se tornar readaptado -situação de servidores com graves problemas de saúde, que ficam ao menos dois anos afastados da sala de aula. Fazem atividades administrativas na secretaria e na biblioteca, por exemplo.”

Mais adiante nessa reportagem o jornal desfia sua opinião através de uma frase do doutor em educação Rudá Ricci, que transcrevo textualmente: “esta geração é muito ativa. O professor se vê frustrado dia a dia por não conseguir a atenção deles". Segundo ele, os professores erram por esperar encontrar alunos “quietos e enfileirados”.

Para finalizar uma sequência de “análises” sobre a educação, a Folha publicou hoje uma matéria que descreve o que seria a solução para o problema. Com o título “Escolas de Nova York têm autonomia para gerenciar verbas e contratar professores”, o jornal descreve o caminho de salvação das escolas do Bronx, em NY: a adoção de um “modelo de negócios para a realidade de um sistema educacional”. Trata-se de dar aos diretores das escolas total liberdade para escolher, demitir, punir e premiar seus professores. Relata-se o caso de uma escola onde o teste de escolha dos profissionais é uma sabatina de 5 horas, onde o diretor avalia não os conhecimentos ou a capacidade do professor, mas sua disposição para aceitar críticas e reorientar seu trabalho, ou seja, obedecer ordens. As escolas que conseguem “melhorar seus índices” recebem bônus, e as que fracassam, são extintas (qualquer semelhança com o sistema em implantação no estado de São Paulo não é mera coincidência). Ressalte-se que esse sistema foi implantado em NY na gestão de Michael Bloomberg, bilionário das telecomunicações. Ou seja, um indivíduo dotado de uma visão antes mercantilista que social dos processos humanos. Concepções que agradam tanto ao jornal quanto aos setores políticos ligados ao neoliberalismo que tentam a todo custo impor sua agenda ao Brasil.
O que se conclui, após a análise destas notas jornalísticas, é que existe uma parcela importante de pessoas que insistem em reputar aos professores toda a responsabilidade pelo caos e pelo fracasso do sistema escolar. É o que faz, por exemplo, o especialista Rudá Ricci, ao indicar uma inadequação dos docentes ao que chama de “geração muito ativa”. As duas primeiras notícias às quais me referi neste texto mostram a natureza dessa “atividade”: violência, desrespeito, descaso, indiferença. Não concordo com o especialista, porque o que vejo no meu dia a dia como professor não é uma resistência juvenil sadia a um sistema obsoleto, mas sim um cenário inimaginável de inadequação total das novas gerações a toda e qualquer norma social de conduta e convivência.
O fracasso da educação é um problema mundial, e é reflexo de uma crise muito maior, que extrapola seus limites. O que se manifesta nas escolas hoje é o sintoma de uma crise social sem precedentes, com desfecho imprevisível.


Fonte da ilustração: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u738445.shtml (trata-se da ilustração que venceu o concurso da Folha de São Paulo. Seu autor é Fernando Real)

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