segunda-feira, 12 de abril de 2010

A qualidade do processo educacional pode ser medida em números?


Reportagem da Folha de São Paulo de hoje desmonta um esquema estelionatário que mostra bem como funciona o sistema educacional deste comecinho de século XXI no Brasil. Um "instituto" de Guarulhos envia para escolas do país todo uma carta parabenizando-as pela boa colocação nas avaliações de qualidade. Dizendo-se autorizados e mesmo apoiados pelo MEC e pelo Ministério da Educação, convidam a escola vitoriosa a participar de uma solenidade de entrega de certificado, e aí entra o golpe: para participar, basta pagar uma taxa de R$ 2.000,00, que pode ser parcelada em até 8 vezes.

Muitos donos de colégios e universidades caíram nesse golpe, e mais, obtiveram ganhos com isso. Uma diretora afirmou que sua escola, depois de premiada, recebeu 150 pedidos de matrícula a mais. E o pior é que muitas, quase todas, dessas escolas premiadas pelo instituto fajuto, eram na verdade mal colocadas nas avaliações e provas governamentais. Eram institutos de educação medíocres e fracassados. Mas a simples concessão de um prêmio, a simples comunicação de que uma avaliação externa indicou que ela superou os índices, serve de indicativo de sua qualidade, mesmo que o cotidiano não mostre isso, mesmo que os alunos que ali se formam sejam incapazes de realizar as tarefas mais básicas como ler, escrever e raciocinar corretamente.

É esse, afinal, o retrato das escolas de hoje. Todos os anos ficamos torcendo para que os índices apontem que melhoramos, e comemoramos quando isso acontece. Mas na prática, no dia a dia, é patente o fracasso, a decadência. Mesmo as escolas melhor avaliadas em qualquer desses certames questionáveis, sejam oficiais ou fajutos como o da reportagem, apresentam problemas sérios, profundos e que demorarão gerações para serem superados.

Essa política idiotizante das avaliações de qualidade só pode gerar isso que aí está: miragens que alimentam bobos e enriquecem raposas...


foto: http://www.jornalvicentino.com.br/home/wp-content/uploads/2008/10/SARESP1.jpg


Eis a reportagem sobre o golpe mencionado acima:

Golpe usa nome do MEC para premiar escola

Instituto de Guarulhos cobra R$ 2.000 para emitir certificado de qualidade que afirma ser baseado em índices oficiais

Anualmente, 150 escolas, supletivos e faculdades compram o direito de ser premiadas; ministro da Educação se disse perplexo

RICARDO GALLO DA REPORTAGEM LOCAL

Um instituto da Grande São Paulo vende, por R$ 2.000, um prêmio educacional baseado em um ranking inexistente do Ministério da Educação. Anualmente, 150 escolas, supletivos e faculdades compram desse instituto o direito de ser premiadas como as "melhores instituições de ensino do Brasil", à revelia do ministério.
Entre as premiadas, estão ao menos seis instituições de ensino superior reprovadas pelo MEC, além de colégios sem expressão e/ou mal colocados no Enem -exame que avalia o ensino médio. Elas propagandeiam o prêmio como se fosse oficial e disseram não saber que não era do MEC.
Não há ranking nacional que junte escolas e universidades -elas são avaliadas por exames diferentes.O ministério pedirá que a Polícia Federal investigue o caso e tomará as "providências judiciais cabíveis". Por meio da assessoria de imprensa, o ministro Fernando Haddad se disse perplexo. O MEC afirmou que fará campanha para divulgar em todo o Brasil índices oficiais, de modo a evitar o uso indevido de dados federais.
O Prêmio Nacional de Excelência em Qualidade no Ensino existe desde 2005, promovido pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa de Qualidade Gomes Pimentel, de Guarulhos.
Receberam o título de melhores do país escolas como o Qui-Mimo, de Guanambi (BA), o Jardim Escola Vovô Lima, de São Pedro da Aldeia (RJ), e o supletivo Supla, de Timbó (SC), além dos centros universitários Unieuro (DF) e Unibahia (BA).
A premiação foi em novembro, em um bufê no Tatuapé (zona leste de SP). Quem paga pelo prêmio tem direito a jantar, DVD, troféu e um certificado com brasão da República e o logotipo do governo federal ("Brasil, um país de todos").
Além de usar indevidamente o nome do ministro, o instituto colocou em seu site uma foto de Haddad como se ele estivesse presente em uma das edições do prêmio. Trata-se, na realidade, de imagem retirada do Google, de uma entrevista do ministro dada à TV UFMG.
Abordagem
É o Gomes Pimentel que procura as instituições para oferecer o prêmio, segundo relato de quatro "vencedores" à Folha. Primeiro, envia uma carta em que aponta o destinatário como potencial homenageado. São cinco critérios, quatro deles vagos: filosofia educacional, prática operacional, respeito ao aluno, responsabilidade social e qualidade de ensino.
Apenas o último item é medido pelo MEC, embora o instituto assegure se basear em dados oficiais. Em seguida, vem a cobrança dos R$ 2.000, que podem ser parcelados em até oito vezes. O instituto chama o pagamento de "adesão" e diz aos 150 premiados que o dinheiro corresponde aos custos do evento. O informativo, a que a Folha teve acesso, é claro: só recebe o troféu e o certificado de qualidade quem estiver na "solenidade".
A negociação pode, em alguns casos, resultar em desconto. A Folha falou com uma instituição que disse ter pago R$ 1.700. Nos últimos dois anos, a relação de instituições "vencedoras" aumentou -em 2007, eram 120. A edição de 2010, marcada para 29 de novembro, já tem 18 instituições homenageadas, informa o site do instituto.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, dia 12 de abril de 2010, caderno Cotidiano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário