quarta-feira, 14 de abril de 2010

A day in the life

Às vezes me pergunto se não estou sendo muito pessimista, se não estou adotando uma atitude muito negativa, se não é por isso que vejo tantos problemas na escola e na educação. Pensava nisso ontem, a caminho do trabalho. O HTPC que tivemos antes das aulas reforçou esta impressão: coordenadores, diretores e colegas falavam de uma escola idílica. Fiquei confuso, porque essa não é a realidade que vejo no cotidiano de trabalho. Isso aprofundou em mim aquele medo de que seria eu o problema, dono de um olhar focado nas coisas ruins.
Mas a realidade do cotidiano resolveu esse dilema. Reproduzo abaixo as anotações que fiz em meu Diário de Classe, meu confidente e tábua de salvação, um instrumento do desespero, onde registro as crônicas da vida entre os muros da escola.

“Trabalhamos hoje o texto ‘Floresta abrigou primeiro milharal, diz estudo’. Não foi possível executar adequadamente a exposição oral que orientaria os trabalhos em função da recusa dos alunos em fazer silêncio. O nível de ruído oriundo da Avenida XXXXX também prejudicou o andamento da aula. Muitas janelas estão quebradas, e o pequeno alívio proporcionado pela refração do som pelos vidros não está presente hoje. A maçaneta da porta foi arrancada, o que obriga que se use uma tesoura para abri-la. Grupos numerosos de estudantes circulam o tempo todo pelos corredores, sendo necessário manter a porta fechada. A cada pequeno intervalo de tempo, alguém bate na porta. Ficar perto dela é perigoso: alguns a chutam com violência, arremessando-a contra quem estiver atrás.
O aluno XXXXXXX chegou com um atraso de 25 minutos, sendo impedido de assistir a primeira aula. Após ser admitido no segundo período, iniciou uma série de provocações e insultos a minha pessoa (citando textualmente: “está bravo? Então por que essa cara de bobo?”, “se está incomodado vai embora, cuzão”, entre outros). Procurei relevar inicialmente, e perguntei ao rapaz se havia algum problema, se havia motivo para essa atitude de enfentamento. No final da aula, após mais um insulto, perguntei a ele se havia esquecido de tomar seu medicamento, ao que me respondeu perguntando se eu já havia “chupado” hoje. Decidi que o limite tinha sido extrapolado: levei o aluno para a diretoria. No caminho, quase chorando, ele me pediu desculpas e quis se livrar da situação, alegando que a diretora ligaria para seu pai. Mantive a determinação e o levei para a diretoria”
Isto tudo aconteceu nas duas primeiras aulas. Mas havia mais coisa ainda por vir. Abaixo, o registro no Diário de Classe de uma outra aula:

“Conclusão da atividade com texto sobre o milho ancestral. No início da aula, quando tentava organizar a sala para começar os trabalhos, fui atingido no rosto por um fragmento de barra de chocolate [mais tarde vim a saber que se tratava de alimento fornecido pelo governo a título de ‘merenda escolar’]. Como não pude identificar o autor do arremesso, solicitei aos três alunos envolvidos na atividade de atirar o objeto fossem para a direção. Diante da recusa, fui obrigado a chamar a diretora para retirar os alunos da sala”.
Na volta pra casa, com um gosto de derrota na boca e um nó na garganta, tive o duvidoso prazer de perceber que minhas preocupações eram infundadas...
O pior é que querem que acreditemos que a culpa por esse caos na sala de aula é nossa, porque estamos adotando os métodos errados, porque somos antiquados e desinteressantes...

2 comentários:

  1. Acho que não é questão de culpa, mas de luta. Não pense em culpa, mas como a luta por uma melhor educação pode mudar isso tudo Inclusive a atitude deste aluno.

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  2. Você pode ser qq coisa, menos desinteressante!em relação ao post lá de cima, um abraço meu serve?? bjoo

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