Mas este
triunfo dura pouco. Em Paris, Londres e Amsterdã, neste mesmo glorioso ano de
1989, são realizadas as primeiras conferências sobre o estado global do planeta,
o que simboliza, para alguns observadores, o fim do capitalismo e de suas vãs
esperanças de conquista ilimitada e de dominação total sobre a natureza. Ao
tentar desviar a exploração do homem pelo homem para uma exploração da natureza
pelo homem, o capitalismo multiplicou indefinidamente as duas. O recalcado
retorna e retorna em dobro: as multidões que deveriam ser salvas da morte caem
aos milhões na miséria; as naturezas que deveriam ser dominadas de forma
absoluta nos dominam de forma igualmente global, ameaçando a todos. Estranha
dialética esta que faz do escravo dominado o mestre e dono do homem, e que
subitamente nos informa que inventamos os ecocídios e ao mesmo tempo as fomes
em larga escala.
A simetria perfeita entre a queda do muro da vergonha e o desaparecimento da natureza ilimitada só não é vista pelas ricas democracias ocidentais. De fato, os socialismos destruíram ao mesmo tempo seus povos e seus ecossistemas, enquanto que os do Ocidente setentrional puderam salvar seus povos e algumas de suas paisagens destruindo o resto do mundo e jogando os outros povos na miséria. Dupla tragédia: os antigos socialismos pensam poder remediar seus dois problemas imitando o Oeste; este acredita ter escapado aos dois e poder, na verdade, ensinar lições enquanto deixa morrer a Terra e os homens. Acredita ser o único a conhecer o truque que permite ganhar sempre, justamente quando talvez tenha perdido tudo.
A simetria perfeita entre a queda do muro da vergonha e o desaparecimento da natureza ilimitada só não é vista pelas ricas democracias ocidentais. De fato, os socialismos destruíram ao mesmo tempo seus povos e seus ecossistemas, enquanto que os do Ocidente setentrional puderam salvar seus povos e algumas de suas paisagens destruindo o resto do mundo e jogando os outros povos na miséria. Dupla tragédia: os antigos socialismos pensam poder remediar seus dois problemas imitando o Oeste; este acredita ter escapado aos dois e poder, na verdade, ensinar lições enquanto deixa morrer a Terra e os homens. Acredita ser o único a conhecer o truque que permite ganhar sempre, justamente quando talvez tenha perdido tudo.
Após esta dupla digressão
cheia de boas intenções, nós, modernos, aparentemente
perdemos um pouco de confiança em nós mesmos. Teria sido melhor não
tentar acabar com a exploração do homem pelo
homem? Teria sido melhor não tentar tornar-se mestre e dono da natureza? Nossas
mais altas virtudes foram colocadas a serviço
desta
tarefa dupla, uma, do lado da política, outra do lado das ciências e
tecnologias. E no entanto nos voltaríamos tranquilamente para nossa juventude
entusiasta e comportada, da mesma forma como os jovens alemães se voltam para
seus pais grisalhos: "A que ordens criminosas estávamos obedecendo?"
"Poderemos dizer que não sabíamos?"
Esta dúvida sobre o
bom fundamento das boas intenções faz com que alguns de nós tenham se tornado reacionários
de duas formas diferentes: é preciso não mais querer acabar com a dominação do
homem pelo homem, dizem alguns; é preciso não mais tentar dominar a natureza,
dizem os outros. Sejamos definitivamente anti-modernos, dizem todos.
Por outro lado, a expressão
vaga de pós-modernismo resume bem o ceticismo mal resolvido daqueles que
recusam estas duas reações. Incapazes de acreditar nas
promessas duplas do socialismo e do "naturalismo", os pós-modernos também
evitam duvidar totalmente delas. Ficam suspensos entre a dúvida e a crença, enquanto
esperam o fim do milênio.
Enfim, aqueles que
rejeitam o obscurantismo ecológico ou o obscurantismo antissocialista, e que não
ficam satisfeitos com o ceticismo dos pós-modernos, decidem continuar como se
nada ocorresse e permanecem decididamente modernos. Continuam acreditando nas
promessas das ciências, ou nas da emancipação,
ou
nas duas. Contudo, sua crença na modernização
hoje não
soa muito bem nem na arte, nem na economia, nem na política, nem na ciência,
nem na técnica. Nas galerias de arte, assim como nas salas de concertos, ao
longo das fachadas dos imóveis assim como nos institutos de desenvolvimento, é possível
sentir que o espírito da coisa não está mais presente. A vontade de ser moderno
parece hesitante, algumas vezes até mesmo fora de moda.
Quer sejamos
anti-modernos, modernos ou pós-modernos, somos todos mais uma vez questionados
pela dupla falência do miraculoso ano de 1989. Mas iremos retomar nossa linha
de pensamento se considerarmos este ano justamente como uma dupla falência,
como duas lições cuja admirável simetria nos permite
compreender de outra forma todo nosso passado.
E se jamais
tivermos sido modernos?
(Bruno Latour - "Jamais fomos modernos")
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