O Milagre do Rentenmark
Uma experiência bem sucedida com moeda indexada1
1. Introdução
O agravamento da inflação brasileira nos últimos anos deu origem a um bom número de propostas criativas de estabilização, algumas das quais envolvendo a introdução de uma moeda indexada. Dentre estas destaca-se a chamada proposta Larida2, na qual se tratava de recriar os mecanismos observados durante as hiperinflações clássicas, vale dizer, a maciça migração dos portadores de riqueza para um título indexado que poderia funcionar como meio de pagamentos, seguida do desaparecimento da moeda "velha". Os mecanismos subjacentes a este planos tem sido extensamente discutidos, sendo que nada pode ser mais ilustrativo nesse sentido do que o exame das poucas experiências conhecidas com moeda indexada. A experiência da Hungria em 1946 tem sido freqüentemente examinada com este espírito, mas a experiência alemã, muito mais importante e muito mais bem sucedida, tem sido pouco aludida no contexto dessa discussão específica. Este ensaio procura justamente
1 Capítulo 4 de “O Plano Real e Outros Ensaios” Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1995. Originalmente publicado em inglês, sob o título "The rentenmark 'miracle' " em Rivista di Storia Economica, Second Series, Volume 4 (international edition) 1987 e depois reproduzido na coletânea "Monetary Regime Transformations" editada por Barry Eichengreen para a Edward Elgar Reference Library, Londres, 1992. A versão aqui reproduzida, que é a original, apenas ligeiramente adaptada, tal como foi publicada em português na Revista Brasileira de Economia 43 (3) setembro de 1989. Em versões anteriores o ensaio se beneficiou de comentários de Barry Eichengreen, Jeffrey Sachs, Lance Taylor, Susan Vitka, Francisco L. Lopes, Marcelo de Paiva Abreu e dos membros do Economic History Worshop em Harvard.
2 Veja-se A. Lara Resende & P. Arida (1985).
discutir a experiência alemã com moeda indexada - o rentenmark - esclarecendo as várias facetas do experimento.
Lionel Robbins referiu-se certa vez à inflação alemã como "o fenômeno mais extraordinário de seu gênero na história"3, e a julgar pela extraordinária quantidade de estudos sobre o assunto, o mesmo pode ser dito sobre o fim da hiperinflação alemã. A estabilização em novembro de 1923 é freqüentemente referida como um "milagre"4, o que denota basicamente que o episódio não foi devidamente compreendido, especialmente no que se refere à natureza e o funcionamento da experiência monetária representada pelo rentenmark, ou seja, no tocante ao funcionamento de uma moeda indexada. De fato, nunca se apresentou uma justificativa suficientemente adequada que explicasse a ampla aceitação do rentenmark como uma moeda de "valor-constante" pelo povo alemão em novembro de 1923. Tradicionalmente supõe-se que esse "milagre" ocorreu em função de um limite imposto sobre a emissão desses rentenmarks , que obrigaria o governo a "viver dentro de seus próprios meios", com isso caracterizando o que tem sido chamado de uma "mudança de regime"5. Contudo, deve-se atentar para o fato que este limite não era efetivo uma vez que o rentenmark mantinha uma taxa de câmbio fixa em relação ao marco "antigo" que não foi nem desmonetizado nem sujeito a qualquer limite pela reforma econômica. Assim sendo, parece claro que o velho enigma permanece sem solução.
Esse artigo procura examinar o experimento a partir de um exame do extraordinário impulso dado à indexação, sua posterior degeneração
3 No prefácio a C. Bresciani -Turroni (1937, p. 5).
4 Essa expressão tem sido usado por diversos autores, por exemplo: G. Stolper (1940, p. 164) e C. Bresciani-Turroni (1937, p.336).
5 Especialmente T. Sargent, (1982, p. 83 e K. L. Holtfrerich (1985, p.134).
num processo de "dolarização", e nas inovações monetárias geradas pela explosão inflacionária. Esses eventos são recapitulados nas próximas seções, nos quais também apresentamos uma análise da experiência com as moedas de "valor-constante" e do mecanismo que tornou o rentenmark uma moeda de "valor-constante", assim como do processo pelo qual sua emissão permitiu a estabilização da taxa de câmbio. A última seção aborda de maneira mais abrangente o papel desempenhado pelo rentenmark na estabilização economia alemã e a controvérsia existente sobre o término da hiperinflação.
2. Indexação e "Dolarização"
As hiperinflações da década de vinte ocorreram em países que nunca haviam experimentado sequer taxas moderadas de inflação. As inflações relativamente pequenas ocorridas durante a guerra foram consideradas tão excepcionais e transitórias quanto a própria guerra. Por isso mesmo as instituições econômicas nesses países tiveram de se modificar de forma muito rápida e drástica, de modo a permitir aos agentes econômicos desenvolverem mecanismos de defesa contra a inflação. Entre estes, foram especialmente significativas a redução dos prazos e o virtual desaparecimento de contratos e obrigações não indexados, e a difusão de mecanismos de indexação, cada vez mais vinculados a moedas estrangeiras, em praticamente todo tipo de transação. A disseminação da indexação salarial na Alemanha ocorreu dentro de um bem estruturado e amplamente aceito sistema de negociação coletiva que alcançava cerca de 14 milhões de trabalhadores, representando 84% da força de trabalho na agricultura, indústria e
comércio6. Os contratos coletivos se adaptariam ao ambiente inflacionário de duas maneiras básicas: primeiro, as cláusulas salariais começaram a ser definidas independentemente do resto do contrato, acelerando consideravelmente o processo de negociação coletiva; e segundo, o período coberto pelas cláusulas salariais seria progressivamente reduzido. Antes da guerra, os contratos e suas respectivas cláusulas salariais duravam, de uma maneira geral, cerca de um ano. No ínicio de 1921 esses prazos foram reduzidos para uma média de um a três meses; posteriormente, em 1922, os contratos raramente eram firmados para mais do que uma semana ou uma quinzena7. Nos últimos estágios do processo, há relatos sobre salários sendo renegociados diariamente; a negociação coletiva era então descrita como "contínua"8.
A generalização da indexação foi, de inicio, dificultada pelo fato de não existir um índice confiável de custo de vida, o que se revelou um problema de caráter institucional de certa complexidade. Apenas em fevereiro de 1920 um índice oficial de custo de vida seria introduzido. Antes disso, as negociações trabalhistas eram conduzidas com base numa multiplicidade de índices privados calculados por federações, indústrias e sindicatos específicos e autoridades locais. Muito freqüentemente a discussão sobre a metodologia a ser utilizada na elaboração do índice terminava confundindo-se com as próprias questões trabalhistas em discussão. Os índices oficiais foram revistos e aperfeiçoados de diversas
6 International Labor Office (1925, pp. 44-45) e C. Bresciani-Turroni (1929, p. 375). Os acordos coletivos juntamente com um acelerado processo de sindicalização ocorreram durante e imediatamente após a guerra. Em 1914 cerca de 2,5 milhões de trabalhadores eram sindicalizados, enquanto em 1920 esse total foi aumentado para 9.1 milhões. Os contratos coletivos cobriam apenas 1.4 milhões de trabalhadores em 1914, mas cobririam 6 milhões em 1920 e mais de 13.1 milhões em 1924. Cf. G. Bry (1960, pp. 32 e 42).
7 International Labor Office (1925, p. 46), F. Sitzler (1924, p. 646). e G. Bry (1960, p. 224).
8 G. Bry (1960, p. 225).
formas na medida que se tornaram necessários para a implementação de grandes acordos coletivos envolvendo cláusulas de escala-móvel. Além disso, freqüentemente os trabalhadores eram compensados pelos atrasos salariais através de medidas complementares tais como: controle de aluguel, subsídios diretos à alimentação, abonos em espécie e auxílio família9.
A disseminação da indexação salarial na agricultura revelou-se mais fácil do que na indústria. Escalas salariais móveis na agricultura foram facilmente adotadas nos casos em que prevaleciam salários em espécie. A escolha do índice ou da cesta de produtos nas quais seria baseada a indexação era também mais simples para os trabalhadores rurais. Por exemplo, na Pomerânia e outros distritos agrícolas o preço do centeio, com freqüência associado com o da batata, era geralmente utilizado para indexar pagamentos salariais. Deve-se observar, no entanto, que a maioria dos salários eram ainda pagos em espécie nesses lugares10.
De qualquer modo a flexibilidade então revelada pelo mecanismo de livre negociação tornou desnecessária a ação do governo no sentido de patrocinar mecanismos compulsórios de indexação tal como em circunstâncias análogas na Áustria e Polônia11. O Ministério do Trabalho alemão empenhou-se ao máximo para aperfeiçoar e acelerar os processos de livre negociação coletiva, mas muitas vezes expressava seu descontentamento com reajustes, segundo julgava, "puramente mecânicos" dos salários. As justificativas do Ministério do Trabalho para sua aversão ao sistema de escala móvel - além do fato desse sistema não dar margens para ajustes baseados nas condições peculiares de cada
9 International Labor Office (1925, pp 48-53, 95-96 e 121).
10 F. Sitzler (1924, p. 650).
11 Ver J. Sztrurm de Sztrem (1924).
ramo industrial e da situação econômica em geral, e de ser "inflacionário" - tomavam como base o interessante argumento de que os salários em um dado instante de tempo não podem a priori serem considerados como corretos, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos, e não deveriam ser perpetuados por um sistema automático de ajuste12.
Em meados de 1923, todavia, a taxa de inflação alcançou níveis tão altos que se tornou praticamente impossível estabelecer contratos nominais a não ser para períodos muito breves. O Ministério do Trabalho sugeriu então a adoção do sistema de salários-ouro, e logo em seguida um amplo acordo entre trabalhadores e empregadores estabeleceu uma versão aperfeiçoada da proposta governamental: um sistema de contratos totalmente indexados pela taxa de câmbio referentes a um período 4 a 8 semanas13. Conforme relatado por um observador "os salários-ouro foram adotados de uma maneira tão rápida e generalizada à medida que o marco se estabilizava. A mudança se iniciou nas grandes cidades que foram as primeiras a ter uma oferta razoável de moedas estrangeiras e nacionais de "valor-constante", a partir de dezembro de 1923 a medida se estendeu por todo os país"14.
Em essência, a adoção oficial do sistema de salário-ouro representou o reconhecimento oficial da prática já amplamente disseminada de se cotar valores reais com base em um indexador. Esta medida contribuia para acentuar a tendência já bastante avançada de a
12 Conforme reproduzido em F. Sitzler (1924, p. 619).
13 A proposta governamental e a proposta Consensual que se seguiu estão reproduzidas em F. Sitzler (1925) e em International Labor Office (1925, apêndice).
14 F. Stitzler (1925, p. 659). Deve-se também destacar que a aceleração do processo inflacionário fez com que surgissem vários mecanismos complementares à indexação salarial tais como: pagamentos adiantados das prestações, pagamento parcial do salário em espécie e concessão de privilégios como auxílio de alimentação, vestuário e carvão. Cf. G. Bry (1960, pp. 224-25).
moeda nacional perder sua função de unidade de conta, apesar de que os pagamentos continuassem a ser feitos em marcos depreciados. De acordo com um relatório da época sobre indexação salarial, isso caracterizou "a dissociação das duas funções da moeda, como unidade de conta e como de meio de pagamento"15. É interessante considerar, além disso, que diversos indexadores foram empregados, mas a taxa de câmbio era a escolha mais freqüente uma vez que se encontrava disponível em bases diárias, e também em função de sua correspondência com padrões de medida monetária anteriores a guerra (o marco-ouro), além de seu importante papel numa economia com intensas relações com o exterior16. "Dolarização" foi o termo adotado para caracterizar esse processo, e sua evolução na Alemanha, descrita minuciosamente por Gerald Merkin (1982), muito se assemelha àquelas observadas em outras hiperinflações17. É importante observar nesse sentido que em uma economia inteiramente dolarizada a taxa de inflação em marcos perde significado dado que todas as transações econômicas são indexadas ou designadas em moedas estrangeiras. Na verdade a "dolarização pode ser vista como "um meio de reduzir a da taxa de inflação economicamente relevante"18. Mais especificamente, observou-se que "a taxa de inflação em
15 International Labor Office (1925, p. 74).
16 Veja-se H. Schacht (1927, p. 66). C. Bresciani-Turroni (1937, p. 342) assinalou que "no verão de 1922 ... as mais importantes indústrias, uma atrás da outra, adotaram a prática de expressar preços em moedas estrangeiras (dólar, franco suiço, florins holandeses, etc) ou marco-ouro". De acordo com J. Angell (1932, p. 22), em 1923 "a depreciação tornou-se tão rápida que os preços em muitas lojas foram ajustados de acordo com as taxas de câmbio a cada uma ou duas horas, e eventualmente eram definitivamente cotados em moedas estrangeiras". Por fim, "o dólar ... tornou-se o padrão de valor e o fator determinante na fixação dos preços". Cf. F. Ringer (1969, p. 80). Muitos outros relatos desse tipo podem ser encontrados em W. Guttman & P. Meehan (1975).
17 Indicações quanto à dolarização em outras hiperinflações podem ser encontrados em J. Van Walrés de Bordes (1924, pp. 176-78); P. Robin ( 1932, p. 17); M. H. Heilperin (1931, p. 94); W. Landau (1983, p. 515); M. Mitzakis (1925, pp 164-77).
18 S. Fischer (1982, p. 296).
dólar declinou bem antes de estabilização das taxas em termos de moeda nacional. Nas fases finais de hiperinflação a moeda nacional praticamente desapareceu e todas as transações eram realizadas em moedas estrangeiras. Nesse ponto, provavelmente a melhor medida efetiva de taxa de inflação era a taxa de desvalorização cambial"19.
3. As moedas de "valor-constante"
A "dissociação" anteriormente mencionada, entre as funções de meio de pagamento a unidade de conta foi a chave das inovações monetárias introduzidas durante a hiperinflação alemã. Uma "moeda" como o marco-ouro, por exemplo, funcionava apenas como moeda "contábil" dado que podia ser chamada de "moeda" somente na medida em que desempenhava a função de unidade de conta. É claro que notas poderiam ser emitidas correspondendo a marcos-ouro, e nessas circunstâncias o problema se tornaria o de assegurar a estabilidade do preço desse "ativo", ou seja, o de assegurar que esse "ativo" desempenhasse também funções de reserva de valor. Essas notas seriam essencialmente promessas de pagamento que poderiam ser lastreadas, ou conversíveis, em ouro, na base de 100 por cento ou em outra proporção aceitável. Porém, nada implica que essas promessas ou débitos sejam conversíveis em ouro. Essa é a essência do conceito de moeda fiduciária, o principal aspecto desses débitos é que eles podem ser transformados em poder de compra sobre bens e serviços independentemente de sua conversibilidade em alguma outra mercadoria ou ativo (com o qual, em última instância, a promessa seria saldada). Isso significa fundamentalmente que uma dívida indexada seria tão boa quanto uma dívida saldada na mercadoria cujo preço fosse tomado como
19 F. L. Lopes (1986).
indexador. O que implica, por exemplo, que se a taxa real de câmbio é contante, os títulos indexados ao índice de preços por atacado deveriam ter preços em ouro (dólar) constantes. Esse é o princípio fundamental sobre o qual se baseavam os empréstimos alemães lastreados em termos de "valores físicos", como será mostrado a seguir.
Diversos tipos de moedas privadas e semioficiais existiram durante a hiperinflação alemã. Em 1922, por exemplo, foi fundado o Roggenentebank que emitiu sua primeira letra de câmbio denominada em centeio em dezembro de 192220. No inicio de 1923 diversas entidades - municipais, estaduais e de utilidade pública - começaram a emitir empréstimos denominados em commodities como o centeio, carvão e outros como apresentados na Tabela 4.1, mas cotados em marcos de acordo com a cotação diária dessas commodities.
Esses "títulos de dívida" eram emitidos em pequenas denominações de forma a circular como meio de pagamento, o que era efetivamente seu principal propósito. Por exemplo, a emissão de Oldenburg, mostrada na tabela 4.1, constituía-se de títulos cotados em marcos mas equivalentes a 125 kg de centeio e que seriam resgatados em quatro anos em marcos equivalentes a 150 kg de centeio, o que representa uma taxas de juros simples de 5 por cento ao ano pagável no resgate. Da mesma forma a companhia responsável pelo fornecimento de energia elétrica da província de Baden emitiu seus empréstimos em "valores-carboríferos" em títulos equivalentes 1/2, 1, 2, 5 e 10 toneladas de carvão cotados e resgatados em marcos de acordo com a média de preços do carvão no semestre que
20 H. Schacht (1927, p. 78). Veja Tabela 4.1. Em julho de 1922, o governo estabeleceu uma legislação autorizando e regulamentando a emissão de moedas privadas conhecidas por "moedas de emergência" ou notgeld, Republic of Germany (1924, p. 67).
antecede o pagamento21. Seguiram-se muitas emissões similares: muitos outros empréstimos baseados nas mais diversas commodities (trigo, potássio, linhita, açúcar, cevada e até mesmo quilowatts) foram emitidos22.
21 K. Helfferich (1927, pp. 509-510).
22 H. Schacht (1927, p. 78), P. M. Robert (1926, p. 101) e R. R. Kucznysky (1923, p. 764).
Tabela 1
Alemanha : empréstimos em valores materiais , 1922-1923
(conforme cotações da Frankfurt Gazzette de 12 de Agosto de 1923)
Número agente emissor mercadoria valor (dólares) data da subscriçãoc
1 Roggenrentenbank centeio
série I 400.000 Dez.30,1922
série II 400.000 Fev.5
série IIIa 400.000 Abril 25
série IIIb 130.000 Maio 5
série IV 114.000 Jun 7
2 Oldenburg State Bank centeio 220.000 Jun 1
3 Estado de Macklemburg centeio
série I 50.000 Dez 31,1922
série II 70.000 Maio 24
4 Estado da Prússia centeio
série I 230.000 Maio 18
série II 244.000 Maio 25
5 Estado de Anhalt centeio 40.000 Abril 23
6 Cidade deBerlin centeio 53.000 Jun 16
7 Cidade deDresden centeio 32.000 Jul 18
8 Cidade deGottingen centeio 10.000 Jul 1
9 Cidade deBernburg centeio 4.900 Mar 23
10 Estado da Saxônia centeio 500.000 Jun 28
11 Distrito de Sandershaausen centeio 70.000 Mar.31
12 Igreja Evangélica da Turúngia centeio 30.000 Mar.31
13 Igreja Evangélica de Anhalt centeio 18.000 Mar.26
14 Cidade deHannover trigo 30.000 June 18
15 Cidade deAschorsleben trigo 12.000 April 23
16 Badenwerk carvão
série I 650.000 Feb.10
série II 650.000 Mar.10
17 Grosskrafwerk Mannhein carvão 420.000 Feb.13
18 Estado de Westphal carvão
série I 490.000 May 12
série II 490.000 June 23
19 Cidade de Breslau carvão 240.000 April 20
20 Cidade de Zwickau carvão 100.000 Mar 5
21 Estado da Saxônia linhito
série I 500.000 Fev.10
série II 500.000 Mar.10
22 Estado de Hessen linhito 65.000 Abril 15
23 Badenbürgishe Kreis Elektric. linhito 120.000 Mar.17
24 Mittel-D-land-Cassel Elektric. linhito 350.000 Fev.
25 Stadtischenlicht Wasserwerke coque
série I n.d. Fev.15
série II n.d. Fev.28
26 Cidade deGoppingeen coque n.d. n.d.
27 Estado da Prússia potassa
série I 230.000 Maio 14
série II 520.000 Maio 25
série III 520.000 Jun 12
28 Rheniland-Main-Donau ouro 500.000 Abril 18
29 Neckar ouro 250.000 Maio
30 Suddeútsche Fesvertband ouro 365.000 Jul 7
31 Schleswig-Holsteinische Elektrizit. ouro 66.500 n.d.
32 Bayer Grosskraftwerke ouro n.a. Jun 20 (cont.)
33 Estado de Hamburg libras 4.326.500a Agosto
34 Cidade deLübek coroas suecas 530.312b. Outubro
TOTAL 14.741.212
Fontes e observações: (a) Convertidos em dólares pela taxa de 4.3265 para a libra esterlina. (b) Convertido pela taxa de 3.7744 coroas suecas para o dólar. (c) 1923, exceto quando especificado. Compilado de dados de J. M. Robert (1926) pp. 94-104.
Os valores desses títulos permaneciam mais ou menos constantes ao longo do processo inflacionário alemão dado que sua posse eqüivalia a manter mercadorias que geralmente tinham seus preços cotados em dólar no mercado internacional. Deve-se observar que esses títulos não eram conversíveis nessas mercadorias, que, por sua vez, serviam apenas para proporcionar um índice de preços pelo qual os títulos eram indexados, os pagamentos eram feitos em marcos com base na cotação diária da mercadoria de referência. Na verdade, esses empréstimos representavam uma forma muito interessante de título indexado, e sendo reserva de valor e meio de pagamento circulavam sem restrições como moeda, mas com uma característica extremamente importante que era a estabilidade do seu valor. De acordo com Schacht essa experiência "expandiu-se espontaneamente pelo curso natural dos acontecimentos, os empréstimos obtiveram grande popularidade, pois não eram afetados pelas flutuações de preços das referidas commodities , e a prática de expressar os valores em termos de commodities obteve uma grande aceitação"23.
O governo estava atento a este processo e percebeu aí a oportunidade de obter recursos para apoiar a sustentação da taxa de câmbio iniciada em março em função da chamada resistência passiva no Ruhr24. Assim sendo, o governo alemão decidiu emitir um empréstimo de
23 H. Schacht (1927, p. 78).
24 Paralelamente à estratégia da resistência passiva, o governo alemão decidiu empregar as reservas do Reichsbank até aqui intocadas para estabilizar o câmbio. O movimento surgiu como uma última tentativa de vencer pela persistência a França e para ganhar a adesão dos Britânicos para a causa alemã , que aliás insistiram que o Reichbank usasse
"valor-constante", denominado em dólar, com propósito de obter divisas estrangeiras para o esforço de sustentação do marco25. Este empréstimo-ouro representou um avanço sobre os empréstimos em "valores físicos", pois seria diretamente indexado ao dólar e por certo funcionaria como reserva de valor e meio de pagamento, assim como unidade de conta. Assim sendo, esses títulos apresentavam todas as características de uma moeda, além de serem estáveis. Todavia, o governo emitiu esses empréstimos com valores de face muito elevados, o que os tornou inadequados para exercer funções de meio de pagamento. Esse empréstimo foi considerado um fracasso também porque não se obteve com ele um acréscimo muito significativo das reservas internacionais: somente metade do total de 50 milhões de dólares emitidos foram subscritos imediatamente e as reservas internacionais encontravam-se nesse período em torno de 240 milhões de dólares26. Entretanto, um decreto (a Lei das "Moedas de Emergência") autorizou aos bancos emitirem suas próprias moedas de "valor-constante" ou wertbestandiges lastreados por esses empréstimos-ouro. Assim caberia aos bancos reduzir as denominações do empréstimos-ouro oficial através da emissão de seus próprios wertbestandiges.
Em agosto o governo decidiu repetir a experiência, mas desta vez o propósito não era obter divisas estrangeiras para apoiar o esforço de sustentação do marco: a verdadeira intenção já se aproximava da idéia de uma reforma monetária27. Este novo "empréstimo" tinha valores tão baixos
suas reservas para evitar a desvalorização do marco por algum tempo. Cf. C. Maier, (1975, p. 366).
25 Republic of Germany (1924, p. 72).
26 Segundo Havenstein citado por C. Maier (1975, p.367).
27 O empréstimo foi emitido em 14 de agosto: e nesse período o plano de reforma monetária de Helfferich, que seria posteriormente implementado, já tinha chamado a atenção de Cuno, J. G. Williamson (1971, pp. 386-87) e K. Helfferich (1924).
como 1/10, 1/4, 1/2, 1, 2, e 5 dólares, além de outros valores maiores. O total emitido foi de aproximadamente 120 milhões de dólares, um volume aproximadamente tão grande quanto o valor em ouro moeda em circulação no período28. Cerca de 72 milhões do total emitido correspondiam a subscrições de títulos de pequena denominação. Note-se também que pouco tempo depois o sistema ferroviário emitiu um empréstimo "valor-constante" em torno de 40 milhões de dólares lastreados em empréstimos-ouro ou Títulos-Ouro do Tesouro especialmente criados para servir de garantia para estas novos wertbestandiges 29.
28 Em julho o valor total emitido de notas do Reichsbank era de 131 milhões de dólares. Cf. J. P. Young (1925, vol. 1, pp 537-38).
29 Ver Republic of Germany (1924, pp. 57, 68 e 72).
Tabela 2
Alemanha: Composição aproximada da oferta de moeda
novembro & dezembro de 1923
(milhões de dólares)
Novembro 15 Dezembro 15
Wertbeständiges privados 14.7 30.0
Notas do empréstimo ouro3 65.6 113.0
Notas do sistema ferroviário 2.4 33.8
Moedas estrangeiras2 440.0 440.0
Rentenmarks2 - 199.4
_______ _______
Total de notas "de valor estável" 522.7 816.6
Moeda comum3,4 41.2 125.8
_______ _______
TOTAL 563.9 942.4 .
Fontes e observações: (1) Da Tabela 1. (2) Estimativas, ver texto. (3) De Republic of Germany-Krieglastenkommission (1924) p. 20. (4) Inclui notas do Reichsbank notgeld sem cláusulas de "valor estável".
É interessante observar a composição da oferta monetária, entendida como o conjunto de todos os ativos monetários que desempenham a função de meio de pagamento, apresentada na Tabela 2. Os wertbestandiges privados experimentaram um enorme boom logo após o governo ter autorizado as emissão privadas, porém existe pouca informação sobre o seu volume em circulação ao final de 1923. Consideramos na Tabela 2 o valor total dos 14.7 milhões de dólares mencionados na Tabela 1 e uma estimativa ad hoc de 30 milhões de dólares para dezembro. O volume de empréstimos-ouro e do sistema ferroviário registrou um intenso crescimento dado que uma parte substancial das subscrições foram feitas nesse período. As moedas estrangeiras apontadas nessa tabela são uma estimativa assentada na seguinte análise: o historiador alemão C. L. Holtfrerich reporta uma estimativa entre 476.4 milhões e 714.6 milhões de dólares e Bresciani-Turroni apresentou algo em torno de dois valores muito distantes, ou seja, 120 milhões e 950 milhões30. De acordo com os dados do balanço de
30 K. L. Holtfrerich (1985, p. 125); Bresciani-Turroni(1937, p. 345). Ver também H. Schacht (1927, p. 106) e W. Baumgartner (1925, p. 95).
pagamentos recolhidos pela Liga das Nações um volume de aproximadamente 286 milhões de dólares de divisas foi "exportado" entre 1924 e 1925. Isso correspondia a uma parte substancial do estoque de divisas estrangeiras sob a forma de reservas internacionais ou em circulação no final de 1923 na Alemanha. A maior parte dessas reservas apareceram nas estatísticas do balanço de pagamentos para os anos posteriores como saídas não explicadas, as quais totalizaram 176 milhões de dólares em 192531. A Tabela 2 apresenta uma estimativa conservadora de 450 milhões de dólares. Por último, essa tabela inclui o rentenmark que era uma moeda de "valor-constante", como será explicado mais adiante.
Um fato interessante a destacar na Tabela 2 é o insignificante valor do estoque de marcos em circulação no início do período de estabilização. Embora, em 1922, os diversos substitutos de moeda nacional estivessem longe de permitir o seu abandono, em outubro de 1923, após o empréstimo-ouro de agosto, seria observado que "o Reich pode declarar oficialmente o abandono do marco"32. A disseminação de moedas estáveis, e o notável crescimento da circulação de moedas estrangeiras marcaram a destruição total da moeda nacional, que já havia perdido suas propriedades monetárias de reserva de valor e unidade de conta, e nesse momento perdia até mesmo sua função como meio de pagamentos33. As conseqüências dessa "fragmentação do universo monetário"34 no tocante à evolução da inflação alemã podem ser vistas na Tabela 3.
31 League of Nations (1927, pp. 81-90).
32 R. R. Kuczynski (1923, pp. 766-69).
33 Ver J. Robinson (1938, p. 512) e J. M. Keynes (1923, p. 50).
34 A. Orléan (1979, p. 534).
Tabela 3
Taxas mensais de inflação e depreciação cambial, 1923 (%)
meses Consumidor Atacado Taxa de câmbio
janeiro-março* 69 59 49
abril-junho* 44 67 81
junho 100 132 137
julho 395 221 285
agosto 1.459 1.208 1.162
setembro 2.460 2.035 2.432
outubro 24.280 24.432 29.607
novembro 17.865 8.600 10.121
* média mensal para o trimestre. Fonte: C. L. Holtfrerich (1986, p. 24-33)
A tabela mostra que a inflação alemã parece entrar em uma trajetória explosiva a partir de junho, que é justamente o momento quando as moedas indexadas privadas e oficiais começam a se disseminar em grande escala. Com efeito, a dinâmica do processo parece se modificar neste momento, a partir do qual, ao que tudo indica, o marco papel se torna uma "batata quente" ou um "mico preto" que os agentes apenas aceitariam em troca de bens e serviços com ágios verdadeiramente explosivos.
4. O rentenmark
Em junho de 1923 a extraordinária dimensão que alcançou a inflação e perspectiva de completo colapso econômico do Reich obrigou o governo a considerar o que até então se afigurava impossível, ou seja, um plano de estabilização sem uma renegociação das reparações de guerra35. As propostas discutidas no final do verão e início do outono de 1923 não
35 Com respeito a isso Helfferich argumentava em fevereiro de 1924 que "temos que tentar esse esquema sem esperar uma melhora nas condições econômicas e políticas ou uma solução no problema das reparações ... mesmo sabendo que a reorganização e a solução das reparações formam uma condição sine qua non para a salvação permanente de nosso sistema monetário." Comentou ainda que "a experiência que tem sido realizada com o rentenmark é um empreendimento de alto risco: é um salto sobre um precipício, estando a margem oposta completamente encoberta pela névoa". Cf. C. Helfferich (1924b, p. 261).
tiveram relação com as negociações iniciadas mais tarde e que levariam ao Plano Dawes no segundo semestre de 1924; ou seja este não envolveu nenhuma forma de condicionalidade relacionada com a estabilização. Havia um grande número de propostas, muitas das quais giravam em torno do estabelecimento de uma nova moeda que fosse lastreada em ouro, tais como as defendidas pelo teórico socialista Rudolf Hilferding, o banqueiro Hjalmar Schacht, pela Federação das Indústrias e pelo secretário do Estado Julius Hirsch, entre outros36. Uma óbvia e decisiva desvantagem dessas propostas era o reduzido estoque de reservas do Reichsbank, e o fato que uma subscrição externa, ou mesmo doméstica, ainda que compulsória, de um novo banco emissor era considerada inexequível.
Deve-se destacar que as reservas internacionais alemães nunca foram exauridas durante o período da hiperinflação. Em alguns períodos o valor real do estoque de moeda reduzia-se a níveis tão baixos que a taxa de cobertura alcançava inclusive valores maiores que 100 por cento. Em abril de 1922, por exemplo, as reservas do Reichsbank atingiam 220 milhões de dólares o que era aproximadamente o mesmo valor da oferta real da moeda. Analogamente, em julho de 1923 as reservas internacionais giravam em torno de 120 milhões de dólares enquanto a oferta real de moeda era estimada em 130 milhões de dólares37. Em ambas ocasiões, no entanto, o valor real de oferta monetária encontrava-se muito abaixo da demanda de moeda a preços constantes; considerando, por exemplo, o estoque de moeda observado em 1925-26, as proporções lastreadas pelas
36 Ver K. L. Holtfrerich (1985, p. 129); H. Schacht (1927, p. 82 ff) e W. Baumgartner (1925, pp. 16-19).
37 J. P. Young (1925, vol. I, pp. 537-538) e Republic of Germany (1924, p. 65).
reservas existentes seriam de 17.5% e 9.5%, respectivamente38. Esses valores seriam insuficientes sob condições normais para assegurar a conversibilidade; mas como foi assinalado por muitos autores, incluindo Keynes e Bresciani-Turroni, o governo poderia declarar a conversibilidade a uma taxa de câmbio fixa, e mantendo-a apenas por um curto período de tempo39. A experiência mostraria, todavia, que esse período de tempo era realmente muito curto. Em poucas semanas os níveis das reservas já tinham despencado a níveis insustentáveis40. Além disso, o fracasso da tentativa de estabilização da taxa de câmbio, durante a resistência passiva no Ruhr convenceu as autoridades de que as reservas em ouro não eram suficientes para sustentar uma intervenção contínua do câmbio, sem fontes adicionais de divisas. Esses argumentos, e em particular a noção de que a emissão de uma nova moeda lastreada 100 por cento em ouro permitiria uma emissão total considerada insignificante frente as necessidades da economia alemã41, foram essenciais para derrotar a surpreendentemente ortodoxa proposta de Hilferding de criação de um departamento de ouro no Reichsbank42.
38 Considerando aí um valor médio para a oferta monetária, observado em 1924 e 1925, de 1.260 milhões de dólares.
39 J. M Keynes (1923, pp. 46-47) e C. Bresciani-Turroni (1937, p. 346).
40 É interessante observar que se considerarmos somente as notas regulares do Reichsbank e a emissão de rentenmark em dezembro, o lastro em ouro, que era de quase 100 por cento em novembro, fora reduzido para 28 por cento (ignorando a provável perda de reservas em dezembro que não consta dos relatórios do Reichsbank, apesar de admitidos por H. Schacht (1927, p. 129) em dezembro.
41 A legendária relutância das autoridades alemães, Havenstein em particular, em comprometer as reservas do Reichsbank na tentativa de estabilização torna-se então compreensível. Além disso, uma sólida posição de reservas representava um importante instrumento de barganha no contexto do imbroglio referente às reparações de tal forma que Havenstein certa vez referiu-se ao uso das reservas em um último e definitivo esforço da estabilização como "o mesmo que cortar o cabelo de Sansão", como mencionado por C. Maier (1975, p. 127).
42 J. G. Williamson (1971, p. 399).
A alternativa disponível aos planos ortodoxos nada tinha de convencional. A proposta de Helfferich de uma moeda indexada, mas não conversível, ao preço do centeio, o que era basicamente uma extensão da experiência com empréstimos de "valores-físicos" e empréstimos-ouro descritos anteriormente. Propunha-se a criação de um novo banco emissor, cuja subscrição em marcos papel43 seria compulsória, e imposta a elementos importantes e representativos da sociedade alemã, incluindo grandes grupos econômicos da agricultura, comércio, setor financeiro e indústria. A participação de cada grupo na subscrição foi anunciada como proporcional ao patrimônio de cada um e um título hipotecário tendo por base esse patrimônio serviria como "garantia" para a nova instituição. Na verdade, como o novo banco seria uma companhia de responsabilidade ilimitada, seu patrimônio seria, de qualquer modo, garantido pelo patrimônio dos seus acionistas. Como estes eram exatamente os elementos mais importantes e representativos da economia alemã, em termos da visão popular isto significava que esse novo banco como que encarnava a riqueza nacional. Tratava-se basicamente de um engenhoso exercício de relações públicas, pois o novo banco em nada diferia de uma sociedade por ações como qualquer outra.
O principal objetivo dessa instituição seria emitir títulos hipotecários indexados ao preço do centeio (rentenbriefe), da mesma forma que foram emitidos outros empréstimos de "valores-físicos" e empréstimos-ouro. Haveria, contudo, uma diferença significativa pois esses títulos não seriam denominados em pequenos valores de modo a circular como meio de pagamento, mas seriam emitidas notas em pequenas denominações,
43 Um contraste significativo com a experiência austríaca, polonesa e húngara, onde a subscrição do novo banco emissor era uma tentativa de amealhar reservas em ouro.
chamadas de roggenmarks que seriam 100 por cento conversíveis nos rentenbriefe. O roggenmark seria portanto uma moeda de "valor-constante", tal qual as que correspondiam aos outros empréstimos sobre "valores-físicos" e de "valor-constante", anteriormente analisados44.
Era um esquema simples, porém nada convencional, mas extremamente atrativo pois fundamentava-se no sucesso dos wertbestandiges e na inexequibilidade das outras alternativas. Nos primeiros dias de agosto, o primeiro-ministro Cuno, e mais especificamente seu ministro das finanças Hans Luther, estavam firmemente decididos a implantar o plano45. No entanto, o gabinete caiu, sendo a posição de primeiro-ministro assumida por Stresemann, cujo ministro das finanças, Rudolf Hilferding era totalmente hostil a essa proposta46. Todavia, Luther, agora ministro do abastecimento, trouxe o plano à atenção de Stresemann, e assim o mesmo plano foi lentamente ganhando terreno, de tal maneira que já tinha sido aceito mesmo antes de Luther assumir novamente o ministério das finanças no lugar de Hilferding. A única emenda significativa no projeto foi a de ao invés de se usar centeio como indexador optou-se pelo ouro, ou seja, pelo dólar. Dado que a nova moeda não seria mais conversível em centeio, mas apenas atrelada ou indexada aos preços do centeio, não haveria razão para deixar
44 Ver W. Baumgartner (1925, pp. 24-36); H. Schacht (1927, p. 80 e A. Fourgeaud (1926, pp. 199-102 ff).
45 K. Helfferich (1924a e b).
46 Hilferding considerou o plano "uma monstruosidade teórica", J. G. Williamson (1971, p. 390). Hilferding tinha para si que a moeda obtinha seu valor do trabalho requerido para produzí-la, de tal forma que para ter valor toda moeda tinha que ser convertida em algum material que tivesse "valor intrínseco" como o ouro. Isto o fazia um "metalista fora de moda" conforme observado por H. Ellis (1934, pp. 93-100). Isso foi também percebido por Schumpeter e mesmo por Lenin, segundo W. A. Darity Jr. e B. L. Horn (1985, p. 365). É um tanto paradoxal que nesse debate os socialistas endossaram a visão reacionária de Hilferding sobre a política monetária e a visão inovadora foi elaborada por um reconhecido político de direita. Sobre esse aspecto da visão conservadora de política monetária da esquerda ver C. P. Kindleberger ( 1984, p. 327).
de indexá-la ao ouro, ou ao dólar, que era um indexador superior ao centeio47. A partir dessa mudança as notas lastreadas por títulos indexados tiveram seu nome trocado para rentenmark e em 15 de novembro o governo recém empossado decretou a reforma monetária.
Logo de início, a demanda pela nova moeda foi muito alta. Schacht assinalou que o público estava ansioso em trocar seus marcos por rentenmarks e que nos primeiros dias da emissão da nova moeda foram formadas longas filas nos locais onde as notas estavam sendo emitidas48. O público parecia estar consciente que o rentenmark tinha uma paridade fixa com o dólar, a exemplo de outras moedas de "valor-constante" em circulação, e entusiasticamente aceitou-o como tal. A emissão de rentenmarks podia certamente ser interpretada pelo público como apenas um outro tipo de empréstimo-ouro. Convém notar a esse respeito que após a decretação da nova lei ainda existiu um atraso de um mês até que os rentenmarks estivessem prontos para distribuição, de modo que durante esse período o governo emitiu um outro empréstimo-ouro para preencher essa lacuna. Assim como nos casos de outros empréstimos-ouro, a reação do público foi muito positiva49.
A emissão de rentenmarks não era como a emissão, embora grande, de um novo empréstimo-ouro. Durante o período de coexistência do marco e das moedas indexadas estas manteriam uma relação fixa com o dólar, pois ao mesmo tempo que essas moedas se valorizavam em relação ao
47 Schacht observou que a indexação relacionada ao centeio"foi calculada de maneira magistral de forma a apelar à psicologia da comunidade rural" de cujo suporte político o governo dependia, H. Schacht (1927, pp. 85-87). Contudo, era mais do que isso. O uso do centeio como indexador assegurava que a contribuição do setor rural para o Rentenmark seria indexada aos preços relevantes na determinação da renda agrícola, portanto prevenindo-se contra movimentos inesperados nas cotações.
48 H. Schacht (1927, p. 99).
49 Republic of Germany (1924, p.72).
marco, o marco se desvalorizava frente ao dólar, o que as tornava estáveis por construção. Parecia implícito, no entanto, que o marco seria desmonetizado em um ponto qualquer do futuro, e quando isso ocorresse esse mecanismo acabaria e as moedas indexadas tornar-se-iam simples moedas fiduciárias. Assim, a sua relação com o dólar dependeria em primeira instância da existência de conversibilidade, mas poderia também ser sustentada por expectativas favoráveis com relação à evolução das reservas internacionais. Em suma, enquanto o marco existiu, as moedas indexadas ou wertbestandiges mantinham uma relação fixa com o dólar, mas isso provavelmente deixaria de existir se o marco fosse retirado de circulação.
A introdução do rentenmark teve, no entanto um papel importante para a fixação da taxa de câmbio, sendo que foi esta que garantiu o fim súbito da hiperinflação alemã. Na medida em que a taxa de câmbio entre o marco e o rentenmark foi fixada (em um trilhão de marcos por rentenmarks), isto na verdade significava que a taxa de câmbio entre o marco e o dólar era fixada através do rentenmark: , tal como ilustrado no diagrama50.
50 Esse mecanismo é explicado por Schacht de maneira análoga, H. Schacht (1927, pp. 114-15).
Quando os rentenmarks começaram a ser emitidos em 15 de novembro o governo atuou em duas frentes: dado que o mecanismo através do qual a nova moeda tinha "valor estável" permitia que um rentenmark fosse trocado por 10/42 dólares, como mostrado pela linha cheia no diagrama, o governo simultaneamente trocava marcos por rentenmarks a uma taxa de um trilhão por um, e ao mesmo tempo empregava suas reservas internacionais para intervir no mercado de câmbio e sustentar a taxa de 4.2 trilhões de marcos por dólar51. Como resultado desse duplo ataque a taxa de câmbio ficou estabilizada, e como a dolarização transmitiu a estabilidade do câmbio para os preços domésticos, o processo inflacionário terminou em um só golpe.
A estabilização foi alcançada basicamente por intermédio da fixação da taxa de câmbio no contexto de uma economia dolarizada. O elemento decisivo e peculiar do caso alemão foi inquestionavelmente a experiência do rentenmark 52. Partiu-se do simples princípio que títulos indexados têm "valor estável" no sentido que para uma taxa de câmbio real dada, títulos indexados na moeda estrangeira teriam preços em dólar constantes ou ao menos estáveis independentemente do nível de inflação53. Este princípio já era bem conhecido pelo público alemão antes do rentenmark em função da disseminanação anterior de moedas de "valor-constante" ou wertbestandiges. Assim sendo, o governo pode facilmente dar um pequeno passo a frente emitindo notas de "valor-constante" e em seguida
51 Ibid. p. 112.
52 Esse ponto fundamental tem escapado da atenção de muitos analistas do assunto, sendo exceções, no entanto, G. Merkin (1982, p. 46) e F. L. Lopes (1986, p. 133).
53 A efetiva determinação do preço de um título indexado em condições inflacionárias é um pouco mais complexa. Para nossos propósitos o aspecto relevante era que o título indexado era um bom substituto das moedas estrangeiras e algumas vezes melhor que essas para desempenhar as funções monetárias.
usando-as como substitutos de moedas estrangeiras nas carteiras do público assim conseguindo estabilizar o câmbio.
5. O rentenmark e a estabilização
O rentenmark era uma moeda de "valor-constante" e sua emissão equivalia a uma venda de títulos indexados contendo as propriedades de meio de pagamento ou, mais simplesmente, a um empréstimo externo. Mas, mesmo um empréstimo externo poderia ser insuficiente para garantir a estabilização da taxa de câmbio. O "tamanho" mínimo de um empréstimo externo dependeria basicamente da percentagem da demanda por moeda a preços estáveis que seria "coberta", ou tornada conversível. Da mesma forma se a emissão de rentenmarks fosse muito grande tornar-se-ia um problema. Provavelmente os títulos indexados seriam negociados com deságio e a inflação terminaria contaminando a nova moeda, que seria assim imperfeitamente indexada.
A emissão total autorizada de rentenmarks foi limitada a 762 milhões de dólares. Este volume, se adicionado ao estoque de reservas internacionais em novembro de 1923 somaria 870 milhões de dólares, que proporcionaria "cobertura" para aproximadamente 70 por cento da demanda por moeda a preços constantes, cujo valor, estimado com base nos totais observados em 1926-27, era de 1260 milhões de dólares. O "empréstimo" representado pelo rentenmark era portanto bastante significativo, especialmente se comparado a outros "empréstimos de estabilização" emitidos para outros países. Apesar de não atingir o mesmo vulto, por exemplo, do empréstimo emitido com o apoio da Liga das Nações para a estabilização da Áustria, que proporcionava cobertura metálica para uma proporção maior do que 100 por cento da demanda por moeda a
preços constantes, era maior que o da Liga para a Hungria que permitia uma cobertura inferior a 50 por cento do valor da demanda por moeda a preços constantes.
É preciso destacar que qualquer tentativa de estabilização através da contratação de empréstimos externos seria apenas temporária se os desequilíbrios fundamentais por detrás da existência da inflação não fossem resolvidos. Estes desequilíbrios não compõem o tema deste trabalho, mas deve-se mencionar que existe uma enorme controvérsia sobre a sua verdadeira natureza. Frequentemente aponta-se o déficit fiscal como a raiz do problema, de modo que o equilíbrio orçamentário deveria ser implementado simultaneamente à estabilização. Vários autores argumentam que foi exatamente a execução de profundas reformas fiscais que efetivamente permitiu a estabilização da economia54. Outros atribuem a explosão inflacionária ao desequilíbrio externo, e mais recentemente à perversa combinação deste com as pressões do movimento sindical para recompor os níveis de salário real nos patamares do pré-guerra55. Não nos deteremos sobre este assunto, pois nosso propósito é meramente ressaltar a importância do rentenmark, e a abordagem ortodoxa (antiga e recente) não atribuiu qualquer papel à nova moeda no processo de estabilização na Alemanha. Por exemplo, Bresciani-Turroni argumenta que não havia razão para os empréstimos de "valor-constante" terem esta propriedade pois suas garantias eram "simplesmente fictícias... eram meramente papel sem lastro algum". A respeito dos empréstimos-ouro argumentava que "o público ficou hipnotizado pela palavra wertbestandiges escrita na nova
54 Mais recentemente por T. Sargent (1982), K. L. Holtfrerich (1985), R. Dornbush (1985); S. B. Webb (1985).
55 Notadamente K. Laursen e J. Pedersen (1964) e também G. H. B. Franco (1986). Para uma discussão mais específica das "reformas" fiscais simultâneas às estabilizações veja-se o Capítulo 7.
moeda". Acrescentava ainda que o rentenmark era uma moeda fiduciária inconversível tanto quanto o marco papel, apenas com um outro nome56, um ponto que é endossado por Thomas Sargent. De acordo com ele "embora tenha se atribuído um extraordinário efeito psicológico a essa mudança de unidade, é difícil atribuir qualquer efeito substancial ao que nada mais era que uma medida cosmética"57. Outros autores, mesmo os não-monetaristas, tem apresentado análises similares: Angell referiu-se ao rentenmark como um "truque de expectativas"58. Para Stolper era um "artifício psicológico"59 e para Graham "nada mais que um novo tipo de papel inconversível"60. Mais recentemente Karl Hardach ressaltou novamente que a cobertura para as notas de rentenmark era fictícia, ainda que tivesse produzido "os efeitos psicológicos desejados"61. Steven Webb qualificou o experimento de "fábula"62. Em um recente artigo, Rudiger Dornbush não oferece qualquer explicação para a aceitação do público dos empréstimos-ouro como uma moeda estável, dado que não tinham lastro algum, mas salienta que o rentenmark era uma moeda de "valor-constante" porque era conversível em empréstimos-ouro63. Mesmo Gerald Merkin, que percebeu que a inflação terminou com a fixação da taxa de câmbio através do mecanismo da dolarização; argumentou que o rentenmark apresentava uma "vantagem psicológica", mas que "a
56 C. Bresciani-Turroni (1937, pp. 344, 348).
57 T. Sargent (1982, pp. 82-83). Esse diagnóstico é completamente endossado pelo historiador alemão K. L. Holtfrerich (1985, p. 134).
58 J. Angell (1932, p. 24).
59 Apud F. Ringer (1969, p. 86).
60 F. Graham (1930, p. 12).
61 K. Hardach (1980, p. 29).
62 S. Webb (1985, p. 18).
63 R. Dornbusch (1985, pp. 9-10).
intervenção do Reichsbank no mercado de câmbio acabou sendo o principal fator do processo de estabilização"64.
Muitos analistas do fenômeno tem enfatizado o aspecto patológico do rentenmark que não era nem conversível nem lastreado em ouro, e que sua única garantia era efetivamente a "hipoteca" sobre o patrimônio dos subscritores do Rentenbank caso este fosse liquidado. Para esses autores as experiências desastrosas com os Assignats e com o Banque Royale de John Law demonstravam com clareza que este tipo de "hipoteca" não assegurava qualquer espécie de lastro para a nova moeda65. Mas argumentou-se que mesmo uma moeda sem lastro, isto é, fiduciária, poderia manter uma relação fixa com o ouro e outras moedas se a emissão fosse suficientemente limitada. Esse típico argumento "bulionista" é apresentado por muitos autores para explicar o milagre do rentenmark : o público confiava na sua relação fixa com o dólar, pois a emissão era limitada. Duas observações devem ser feitas sobre essa análise. Primeiro, o argumento "bulionista" clássico seria aplicado somente se o rentenmark fosse uma moeda fiduciária comum como era o marco, o que não era o caso. O público aceitava o rentenmark a uma paridade fixa com o dólar em função de sua conversibilidade com títulos indexados ao ouro, o que não seria mudado mesmo se não houvesse limites pré-determinados sobre a emissão66. Conforme anteriormente assinalado a taxa de câmbio foi fixada
64 G. Merkin (1982, p. 46).
65 Ver, por exemplo, C. P. Kindleberger (1984, p. 326); H. Schacht (1927, p. 85). J. P. Young (1925, vol. I, p. 426); e F. Graham (1930, pp. 12 ff e 16).
66 Isso obviamente não significa que um excesso de emissões de rentenmarks não pudesse ocorrer. A oferta de rentenbriefes poderia se expandir, assim como a emissão de rentenmarks , de modo que o excesso de oferta faria com que o público apenas aceitasse rentenmarks com um desconto. Nessa caso, o resultado seria que os rentenmarks seriam subindexados, e por conseguinte, se depreciariam com respeito ao dólar. Nesse sentido, existiria um ponto crítico além do qual emissões adicionais de títulos indexados caracterizariam um excesso de emissão e resultariam na "contaminação" da nova moeda pela inflação.
na medida em que o governo oferecia duas alternativas para o desejo do público de livrar-se do marco: oferecia rentenmarks e moedas estrangeiras a taxas fixas em relação ao marco. Se a emissão autorizada de rentenmarks fosse limitada, uma dessas alternativas ficaria comprometida, e o desejo de fugir do marco desaguaria nas limitadas reservas do Reichsbank . Dado que o estoque de reservas internacionais era muito pequeno para se garantir a a fixação da taxa de câmbio por mais do que um período de tempo muito pequeno, como já mencionado em referência à proposta de Hilferding, segue-se que deveria haver uma emissão mínima de rentenmarks que tornaria exequível o plano de estabilização do governo67.
Uma segunda crítica à idéia de que os rentenmarks foram aceitos porque sua emissão era rigorosamente limitada baseia-se no simples fato de que, na medida que foi fixada a taxa de câmbio entre o rentenmark e o marco-papel, qualquer limite sobre a emissão de rentenmark não faz sentido sem o correspondente limite sobre a emissão de marcos-papel. Ora, não havia qualquer limite sobre emissão de notas do Reichsbank, que se faria na base de desconto de "legítimos" títulos comerciais privados, e cuja emissão seria triplicada durante 1924. Nenhum "metalista", ou qualquer de seus sucessores monetaristas, jamais admitiria que uma expansão monetária excessiva pudesse ser evitada nessas condições. Um século antes Ricardo já havia argumentado que a única forma de evitar o
67 Considerando a demanda de moeda a preços-constantes como 1.260 milhões de dólares, tomando aí o valor observado para 1925, e uma taxa de conversibilidade aceitável de 40 por cento, um mínimo de 500 milhões de dólares de reservas seria necessário para estabelecer o padrão-ouro. Dado que o estoque de reservas internacionais em novembro de 1923 era de cerca de 111 milhões de dólares, ou seja o mínimo de rentenmark emitido seria de aproximadamente 389 milhões de dólares ou 1.633 milhões de rentenmarks, vale dizer, em torno da metade do total da emissão efetivamente autorizada.
excesso de emissões fiduciárias inconversíveis seria a "prudência" do banco emissor. Certamente esse tipo de preocupação esteve presente na gestão de Schacht na presidência do Reichsbank, mas o ponto importante a destacar era que o excesso de emissões não foi evitado em função de qualquer limite quantitativo sobre a criação de moeda, mas por algo mais subjetivo e indefinível, a saber, o compromisso pessoal de Schacht com a estabilidade monetária. Embora possa se dizer que esse compromisso era claramente percebido pelo público em outubro de 1923, é preciso notar que a credibilidade da política monetária não dependia simplesmente das convicções de Schacht: se um acordo em torno das reparações de guerra não fosse encontrado, o gerenciamento da política monetária pouco poderia fazer para evitar o colapso do plano de estabilização.
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Uma experiência bem sucedida com moeda indexada1
1. Introdução
O agravamento da inflação brasileira nos últimos anos deu origem a um bom número de propostas criativas de estabilização, algumas das quais envolvendo a introdução de uma moeda indexada. Dentre estas destaca-se a chamada proposta Larida2, na qual se tratava de recriar os mecanismos observados durante as hiperinflações clássicas, vale dizer, a maciça migração dos portadores de riqueza para um título indexado que poderia funcionar como meio de pagamentos, seguida do desaparecimento da moeda "velha". Os mecanismos subjacentes a este planos tem sido extensamente discutidos, sendo que nada pode ser mais ilustrativo nesse sentido do que o exame das poucas experiências conhecidas com moeda indexada. A experiência da Hungria em 1946 tem sido freqüentemente examinada com este espírito, mas a experiência alemã, muito mais importante e muito mais bem sucedida, tem sido pouco aludida no contexto dessa discussão específica. Este ensaio procura justamente
1 Capítulo 4 de “O Plano Real e Outros Ensaios” Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1995. Originalmente publicado em inglês, sob o título "The rentenmark 'miracle' " em Rivista di Storia Economica, Second Series, Volume 4 (international edition) 1987 e depois reproduzido na coletânea "Monetary Regime Transformations" editada por Barry Eichengreen para a Edward Elgar Reference Library, Londres, 1992. A versão aqui reproduzida, que é a original, apenas ligeiramente adaptada, tal como foi publicada em português na Revista Brasileira de Economia 43 (3) setembro de 1989. Em versões anteriores o ensaio se beneficiou de comentários de Barry Eichengreen, Jeffrey Sachs, Lance Taylor, Susan Vitka, Francisco L. Lopes, Marcelo de Paiva Abreu e dos membros do Economic History Worshop em Harvard.
2 Veja-se A. Lara Resende & P. Arida (1985).
discutir a experiência alemã com moeda indexada - o rentenmark - esclarecendo as várias facetas do experimento.
Lionel Robbins referiu-se certa vez à inflação alemã como "o fenômeno mais extraordinário de seu gênero na história"3, e a julgar pela extraordinária quantidade de estudos sobre o assunto, o mesmo pode ser dito sobre o fim da hiperinflação alemã. A estabilização em novembro de 1923 é freqüentemente referida como um "milagre"4, o que denota basicamente que o episódio não foi devidamente compreendido, especialmente no que se refere à natureza e o funcionamento da experiência monetária representada pelo rentenmark, ou seja, no tocante ao funcionamento de uma moeda indexada. De fato, nunca se apresentou uma justificativa suficientemente adequada que explicasse a ampla aceitação do rentenmark como uma moeda de "valor-constante" pelo povo alemão em novembro de 1923. Tradicionalmente supõe-se que esse "milagre" ocorreu em função de um limite imposto sobre a emissão desses rentenmarks , que obrigaria o governo a "viver dentro de seus próprios meios", com isso caracterizando o que tem sido chamado de uma "mudança de regime"5. Contudo, deve-se atentar para o fato que este limite não era efetivo uma vez que o rentenmark mantinha uma taxa de câmbio fixa em relação ao marco "antigo" que não foi nem desmonetizado nem sujeito a qualquer limite pela reforma econômica. Assim sendo, parece claro que o velho enigma permanece sem solução.
Esse artigo procura examinar o experimento a partir de um exame do extraordinário impulso dado à indexação, sua posterior degeneração
3 No prefácio a C. Bresciani -Turroni (1937, p. 5).
4 Essa expressão tem sido usado por diversos autores, por exemplo: G. Stolper (1940, p. 164) e C. Bresciani-Turroni (1937, p.336).
5 Especialmente T. Sargent, (1982, p. 83 e K. L. Holtfrerich (1985, p.134).
num processo de "dolarização", e nas inovações monetárias geradas pela explosão inflacionária. Esses eventos são recapitulados nas próximas seções, nos quais também apresentamos uma análise da experiência com as moedas de "valor-constante" e do mecanismo que tornou o rentenmark uma moeda de "valor-constante", assim como do processo pelo qual sua emissão permitiu a estabilização da taxa de câmbio. A última seção aborda de maneira mais abrangente o papel desempenhado pelo rentenmark na estabilização economia alemã e a controvérsia existente sobre o término da hiperinflação.
2. Indexação e "Dolarização"
As hiperinflações da década de vinte ocorreram em países que nunca haviam experimentado sequer taxas moderadas de inflação. As inflações relativamente pequenas ocorridas durante a guerra foram consideradas tão excepcionais e transitórias quanto a própria guerra. Por isso mesmo as instituições econômicas nesses países tiveram de se modificar de forma muito rápida e drástica, de modo a permitir aos agentes econômicos desenvolverem mecanismos de defesa contra a inflação. Entre estes, foram especialmente significativas a redução dos prazos e o virtual desaparecimento de contratos e obrigações não indexados, e a difusão de mecanismos de indexação, cada vez mais vinculados a moedas estrangeiras, em praticamente todo tipo de transação. A disseminação da indexação salarial na Alemanha ocorreu dentro de um bem estruturado e amplamente aceito sistema de negociação coletiva que alcançava cerca de 14 milhões de trabalhadores, representando 84% da força de trabalho na agricultura, indústria e
comércio6. Os contratos coletivos se adaptariam ao ambiente inflacionário de duas maneiras básicas: primeiro, as cláusulas salariais começaram a ser definidas independentemente do resto do contrato, acelerando consideravelmente o processo de negociação coletiva; e segundo, o período coberto pelas cláusulas salariais seria progressivamente reduzido. Antes da guerra, os contratos e suas respectivas cláusulas salariais duravam, de uma maneira geral, cerca de um ano. No ínicio de 1921 esses prazos foram reduzidos para uma média de um a três meses; posteriormente, em 1922, os contratos raramente eram firmados para mais do que uma semana ou uma quinzena7. Nos últimos estágios do processo, há relatos sobre salários sendo renegociados diariamente; a negociação coletiva era então descrita como "contínua"8.
A generalização da indexação foi, de inicio, dificultada pelo fato de não existir um índice confiável de custo de vida, o que se revelou um problema de caráter institucional de certa complexidade. Apenas em fevereiro de 1920 um índice oficial de custo de vida seria introduzido. Antes disso, as negociações trabalhistas eram conduzidas com base numa multiplicidade de índices privados calculados por federações, indústrias e sindicatos específicos e autoridades locais. Muito freqüentemente a discussão sobre a metodologia a ser utilizada na elaboração do índice terminava confundindo-se com as próprias questões trabalhistas em discussão. Os índices oficiais foram revistos e aperfeiçoados de diversas
6 International Labor Office (1925, pp. 44-45) e C. Bresciani-Turroni (1929, p. 375). Os acordos coletivos juntamente com um acelerado processo de sindicalização ocorreram durante e imediatamente após a guerra. Em 1914 cerca de 2,5 milhões de trabalhadores eram sindicalizados, enquanto em 1920 esse total foi aumentado para 9.1 milhões. Os contratos coletivos cobriam apenas 1.4 milhões de trabalhadores em 1914, mas cobririam 6 milhões em 1920 e mais de 13.1 milhões em 1924. Cf. G. Bry (1960, pp. 32 e 42).
7 International Labor Office (1925, p. 46), F. Sitzler (1924, p. 646). e G. Bry (1960, p. 224).
8 G. Bry (1960, p. 225).
formas na medida que se tornaram necessários para a implementação de grandes acordos coletivos envolvendo cláusulas de escala-móvel. Além disso, freqüentemente os trabalhadores eram compensados pelos atrasos salariais através de medidas complementares tais como: controle de aluguel, subsídios diretos à alimentação, abonos em espécie e auxílio família9.
A disseminação da indexação salarial na agricultura revelou-se mais fácil do que na indústria. Escalas salariais móveis na agricultura foram facilmente adotadas nos casos em que prevaleciam salários em espécie. A escolha do índice ou da cesta de produtos nas quais seria baseada a indexação era também mais simples para os trabalhadores rurais. Por exemplo, na Pomerânia e outros distritos agrícolas o preço do centeio, com freqüência associado com o da batata, era geralmente utilizado para indexar pagamentos salariais. Deve-se observar, no entanto, que a maioria dos salários eram ainda pagos em espécie nesses lugares10.
De qualquer modo a flexibilidade então revelada pelo mecanismo de livre negociação tornou desnecessária a ação do governo no sentido de patrocinar mecanismos compulsórios de indexação tal como em circunstâncias análogas na Áustria e Polônia11. O Ministério do Trabalho alemão empenhou-se ao máximo para aperfeiçoar e acelerar os processos de livre negociação coletiva, mas muitas vezes expressava seu descontentamento com reajustes, segundo julgava, "puramente mecânicos" dos salários. As justificativas do Ministério do Trabalho para sua aversão ao sistema de escala móvel - além do fato desse sistema não dar margens para ajustes baseados nas condições peculiares de cada
9 International Labor Office (1925, pp 48-53, 95-96 e 121).
10 F. Sitzler (1924, p. 650).
11 Ver J. Sztrurm de Sztrem (1924).
ramo industrial e da situação econômica em geral, e de ser "inflacionário" - tomavam como base o interessante argumento de que os salários em um dado instante de tempo não podem a priori serem considerados como corretos, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos, e não deveriam ser perpetuados por um sistema automático de ajuste12.
Em meados de 1923, todavia, a taxa de inflação alcançou níveis tão altos que se tornou praticamente impossível estabelecer contratos nominais a não ser para períodos muito breves. O Ministério do Trabalho sugeriu então a adoção do sistema de salários-ouro, e logo em seguida um amplo acordo entre trabalhadores e empregadores estabeleceu uma versão aperfeiçoada da proposta governamental: um sistema de contratos totalmente indexados pela taxa de câmbio referentes a um período 4 a 8 semanas13. Conforme relatado por um observador "os salários-ouro foram adotados de uma maneira tão rápida e generalizada à medida que o marco se estabilizava. A mudança se iniciou nas grandes cidades que foram as primeiras a ter uma oferta razoável de moedas estrangeiras e nacionais de "valor-constante", a partir de dezembro de 1923 a medida se estendeu por todo os país"14.
Em essência, a adoção oficial do sistema de salário-ouro representou o reconhecimento oficial da prática já amplamente disseminada de se cotar valores reais com base em um indexador. Esta medida contribuia para acentuar a tendência já bastante avançada de a
12 Conforme reproduzido em F. Sitzler (1924, p. 619).
13 A proposta governamental e a proposta Consensual que se seguiu estão reproduzidas em F. Sitzler (1925) e em International Labor Office (1925, apêndice).
14 F. Stitzler (1925, p. 659). Deve-se também destacar que a aceleração do processo inflacionário fez com que surgissem vários mecanismos complementares à indexação salarial tais como: pagamentos adiantados das prestações, pagamento parcial do salário em espécie e concessão de privilégios como auxílio de alimentação, vestuário e carvão. Cf. G. Bry (1960, pp. 224-25).
moeda nacional perder sua função de unidade de conta, apesar de que os pagamentos continuassem a ser feitos em marcos depreciados. De acordo com um relatório da época sobre indexação salarial, isso caracterizou "a dissociação das duas funções da moeda, como unidade de conta e como de meio de pagamento"15. É interessante considerar, além disso, que diversos indexadores foram empregados, mas a taxa de câmbio era a escolha mais freqüente uma vez que se encontrava disponível em bases diárias, e também em função de sua correspondência com padrões de medida monetária anteriores a guerra (o marco-ouro), além de seu importante papel numa economia com intensas relações com o exterior16. "Dolarização" foi o termo adotado para caracterizar esse processo, e sua evolução na Alemanha, descrita minuciosamente por Gerald Merkin (1982), muito se assemelha àquelas observadas em outras hiperinflações17. É importante observar nesse sentido que em uma economia inteiramente dolarizada a taxa de inflação em marcos perde significado dado que todas as transações econômicas são indexadas ou designadas em moedas estrangeiras. Na verdade a "dolarização pode ser vista como "um meio de reduzir a da taxa de inflação economicamente relevante"18. Mais especificamente, observou-se que "a taxa de inflação em
15 International Labor Office (1925, p. 74).
16 Veja-se H. Schacht (1927, p. 66). C. Bresciani-Turroni (1937, p. 342) assinalou que "no verão de 1922 ... as mais importantes indústrias, uma atrás da outra, adotaram a prática de expressar preços em moedas estrangeiras (dólar, franco suiço, florins holandeses, etc) ou marco-ouro". De acordo com J. Angell (1932, p. 22), em 1923 "a depreciação tornou-se tão rápida que os preços em muitas lojas foram ajustados de acordo com as taxas de câmbio a cada uma ou duas horas, e eventualmente eram definitivamente cotados em moedas estrangeiras". Por fim, "o dólar ... tornou-se o padrão de valor e o fator determinante na fixação dos preços". Cf. F. Ringer (1969, p. 80). Muitos outros relatos desse tipo podem ser encontrados em W. Guttman & P. Meehan (1975).
17 Indicações quanto à dolarização em outras hiperinflações podem ser encontrados em J. Van Walrés de Bordes (1924, pp. 176-78); P. Robin ( 1932, p. 17); M. H. Heilperin (1931, p. 94); W. Landau (1983, p. 515); M. Mitzakis (1925, pp 164-77).
18 S. Fischer (1982, p. 296).
dólar declinou bem antes de estabilização das taxas em termos de moeda nacional. Nas fases finais de hiperinflação a moeda nacional praticamente desapareceu e todas as transações eram realizadas em moedas estrangeiras. Nesse ponto, provavelmente a melhor medida efetiva de taxa de inflação era a taxa de desvalorização cambial"19.
3. As moedas de "valor-constante"
A "dissociação" anteriormente mencionada, entre as funções de meio de pagamento a unidade de conta foi a chave das inovações monetárias introduzidas durante a hiperinflação alemã. Uma "moeda" como o marco-ouro, por exemplo, funcionava apenas como moeda "contábil" dado que podia ser chamada de "moeda" somente na medida em que desempenhava a função de unidade de conta. É claro que notas poderiam ser emitidas correspondendo a marcos-ouro, e nessas circunstâncias o problema se tornaria o de assegurar a estabilidade do preço desse "ativo", ou seja, o de assegurar que esse "ativo" desempenhasse também funções de reserva de valor. Essas notas seriam essencialmente promessas de pagamento que poderiam ser lastreadas, ou conversíveis, em ouro, na base de 100 por cento ou em outra proporção aceitável. Porém, nada implica que essas promessas ou débitos sejam conversíveis em ouro. Essa é a essência do conceito de moeda fiduciária, o principal aspecto desses débitos é que eles podem ser transformados em poder de compra sobre bens e serviços independentemente de sua conversibilidade em alguma outra mercadoria ou ativo (com o qual, em última instância, a promessa seria saldada). Isso significa fundamentalmente que uma dívida indexada seria tão boa quanto uma dívida saldada na mercadoria cujo preço fosse tomado como
19 F. L. Lopes (1986).
indexador. O que implica, por exemplo, que se a taxa real de câmbio é contante, os títulos indexados ao índice de preços por atacado deveriam ter preços em ouro (dólar) constantes. Esse é o princípio fundamental sobre o qual se baseavam os empréstimos alemães lastreados em termos de "valores físicos", como será mostrado a seguir.
Diversos tipos de moedas privadas e semioficiais existiram durante a hiperinflação alemã. Em 1922, por exemplo, foi fundado o Roggenentebank que emitiu sua primeira letra de câmbio denominada em centeio em dezembro de 192220. No inicio de 1923 diversas entidades - municipais, estaduais e de utilidade pública - começaram a emitir empréstimos denominados em commodities como o centeio, carvão e outros como apresentados na Tabela 4.1, mas cotados em marcos de acordo com a cotação diária dessas commodities.
Esses "títulos de dívida" eram emitidos em pequenas denominações de forma a circular como meio de pagamento, o que era efetivamente seu principal propósito. Por exemplo, a emissão de Oldenburg, mostrada na tabela 4.1, constituía-se de títulos cotados em marcos mas equivalentes a 125 kg de centeio e que seriam resgatados em quatro anos em marcos equivalentes a 150 kg de centeio, o que representa uma taxas de juros simples de 5 por cento ao ano pagável no resgate. Da mesma forma a companhia responsável pelo fornecimento de energia elétrica da província de Baden emitiu seus empréstimos em "valores-carboríferos" em títulos equivalentes 1/2, 1, 2, 5 e 10 toneladas de carvão cotados e resgatados em marcos de acordo com a média de preços do carvão no semestre que
20 H. Schacht (1927, p. 78). Veja Tabela 4.1. Em julho de 1922, o governo estabeleceu uma legislação autorizando e regulamentando a emissão de moedas privadas conhecidas por "moedas de emergência" ou notgeld, Republic of Germany (1924, p. 67).
antecede o pagamento21. Seguiram-se muitas emissões similares: muitos outros empréstimos baseados nas mais diversas commodities (trigo, potássio, linhita, açúcar, cevada e até mesmo quilowatts) foram emitidos22.
21 K. Helfferich (1927, pp. 509-510).
22 H. Schacht (1927, p. 78), P. M. Robert (1926, p. 101) e R. R. Kucznysky (1923, p. 764).
Tabela 1
Alemanha : empréstimos em valores materiais , 1922-1923
(conforme cotações da Frankfurt Gazzette de 12 de Agosto de 1923)
Número agente emissor mercadoria valor (dólares) data da subscriçãoc
1 Roggenrentenbank centeio
série I 400.000 Dez.30,1922
série II 400.000 Fev.5
série IIIa 400.000 Abril 25
série IIIb 130.000 Maio 5
série IV 114.000 Jun 7
2 Oldenburg State Bank centeio 220.000 Jun 1
3 Estado de Macklemburg centeio
série I 50.000 Dez 31,1922
série II 70.000 Maio 24
4 Estado da Prússia centeio
série I 230.000 Maio 18
série II 244.000 Maio 25
5 Estado de Anhalt centeio 40.000 Abril 23
6 Cidade deBerlin centeio 53.000 Jun 16
7 Cidade deDresden centeio 32.000 Jul 18
8 Cidade deGottingen centeio 10.000 Jul 1
9 Cidade deBernburg centeio 4.900 Mar 23
10 Estado da Saxônia centeio 500.000 Jun 28
11 Distrito de Sandershaausen centeio 70.000 Mar.31
12 Igreja Evangélica da Turúngia centeio 30.000 Mar.31
13 Igreja Evangélica de Anhalt centeio 18.000 Mar.26
14 Cidade deHannover trigo 30.000 June 18
15 Cidade deAschorsleben trigo 12.000 April 23
16 Badenwerk carvão
série I 650.000 Feb.10
série II 650.000 Mar.10
17 Grosskrafwerk Mannhein carvão 420.000 Feb.13
18 Estado de Westphal carvão
série I 490.000 May 12
série II 490.000 June 23
19 Cidade de Breslau carvão 240.000 April 20
20 Cidade de Zwickau carvão 100.000 Mar 5
21 Estado da Saxônia linhito
série I 500.000 Fev.10
série II 500.000 Mar.10
22 Estado de Hessen linhito 65.000 Abril 15
23 Badenbürgishe Kreis Elektric. linhito 120.000 Mar.17
24 Mittel-D-land-Cassel Elektric. linhito 350.000 Fev.
25 Stadtischenlicht Wasserwerke coque
série I n.d. Fev.15
série II n.d. Fev.28
26 Cidade deGoppingeen coque n.d. n.d.
27 Estado da Prússia potassa
série I 230.000 Maio 14
série II 520.000 Maio 25
série III 520.000 Jun 12
28 Rheniland-Main-Donau ouro 500.000 Abril 18
29 Neckar ouro 250.000 Maio
30 Suddeútsche Fesvertband ouro 365.000 Jul 7
31 Schleswig-Holsteinische Elektrizit. ouro 66.500 n.d.
32 Bayer Grosskraftwerke ouro n.a. Jun 20 (cont.)
33 Estado de Hamburg libras 4.326.500a Agosto
34 Cidade deLübek coroas suecas 530.312b. Outubro
TOTAL 14.741.212
Fontes e observações: (a) Convertidos em dólares pela taxa de 4.3265 para a libra esterlina. (b) Convertido pela taxa de 3.7744 coroas suecas para o dólar. (c) 1923, exceto quando especificado. Compilado de dados de J. M. Robert (1926) pp. 94-104.
Os valores desses títulos permaneciam mais ou menos constantes ao longo do processo inflacionário alemão dado que sua posse eqüivalia a manter mercadorias que geralmente tinham seus preços cotados em dólar no mercado internacional. Deve-se observar que esses títulos não eram conversíveis nessas mercadorias, que, por sua vez, serviam apenas para proporcionar um índice de preços pelo qual os títulos eram indexados, os pagamentos eram feitos em marcos com base na cotação diária da mercadoria de referência. Na verdade, esses empréstimos representavam uma forma muito interessante de título indexado, e sendo reserva de valor e meio de pagamento circulavam sem restrições como moeda, mas com uma característica extremamente importante que era a estabilidade do seu valor. De acordo com Schacht essa experiência "expandiu-se espontaneamente pelo curso natural dos acontecimentos, os empréstimos obtiveram grande popularidade, pois não eram afetados pelas flutuações de preços das referidas commodities , e a prática de expressar os valores em termos de commodities obteve uma grande aceitação"23.
O governo estava atento a este processo e percebeu aí a oportunidade de obter recursos para apoiar a sustentação da taxa de câmbio iniciada em março em função da chamada resistência passiva no Ruhr24. Assim sendo, o governo alemão decidiu emitir um empréstimo de
23 H. Schacht (1927, p. 78).
24 Paralelamente à estratégia da resistência passiva, o governo alemão decidiu empregar as reservas do Reichsbank até aqui intocadas para estabilizar o câmbio. O movimento surgiu como uma última tentativa de vencer pela persistência a França e para ganhar a adesão dos Britânicos para a causa alemã , que aliás insistiram que o Reichbank usasse
"valor-constante", denominado em dólar, com propósito de obter divisas estrangeiras para o esforço de sustentação do marco25. Este empréstimo-ouro representou um avanço sobre os empréstimos em "valores físicos", pois seria diretamente indexado ao dólar e por certo funcionaria como reserva de valor e meio de pagamento, assim como unidade de conta. Assim sendo, esses títulos apresentavam todas as características de uma moeda, além de serem estáveis. Todavia, o governo emitiu esses empréstimos com valores de face muito elevados, o que os tornou inadequados para exercer funções de meio de pagamento. Esse empréstimo foi considerado um fracasso também porque não se obteve com ele um acréscimo muito significativo das reservas internacionais: somente metade do total de 50 milhões de dólares emitidos foram subscritos imediatamente e as reservas internacionais encontravam-se nesse período em torno de 240 milhões de dólares26. Entretanto, um decreto (a Lei das "Moedas de Emergência") autorizou aos bancos emitirem suas próprias moedas de "valor-constante" ou wertbestandiges lastreados por esses empréstimos-ouro. Assim caberia aos bancos reduzir as denominações do empréstimos-ouro oficial através da emissão de seus próprios wertbestandiges.
Em agosto o governo decidiu repetir a experiência, mas desta vez o propósito não era obter divisas estrangeiras para apoiar o esforço de sustentação do marco: a verdadeira intenção já se aproximava da idéia de uma reforma monetária27. Este novo "empréstimo" tinha valores tão baixos
suas reservas para evitar a desvalorização do marco por algum tempo. Cf. C. Maier, (1975, p. 366).
25 Republic of Germany (1924, p. 72).
26 Segundo Havenstein citado por C. Maier (1975, p.367).
27 O empréstimo foi emitido em 14 de agosto: e nesse período o plano de reforma monetária de Helfferich, que seria posteriormente implementado, já tinha chamado a atenção de Cuno, J. G. Williamson (1971, pp. 386-87) e K. Helfferich (1924).
como 1/10, 1/4, 1/2, 1, 2, e 5 dólares, além de outros valores maiores. O total emitido foi de aproximadamente 120 milhões de dólares, um volume aproximadamente tão grande quanto o valor em ouro moeda em circulação no período28. Cerca de 72 milhões do total emitido correspondiam a subscrições de títulos de pequena denominação. Note-se também que pouco tempo depois o sistema ferroviário emitiu um empréstimo "valor-constante" em torno de 40 milhões de dólares lastreados em empréstimos-ouro ou Títulos-Ouro do Tesouro especialmente criados para servir de garantia para estas novos wertbestandiges 29.
28 Em julho o valor total emitido de notas do Reichsbank era de 131 milhões de dólares. Cf. J. P. Young (1925, vol. 1, pp 537-38).
29 Ver Republic of Germany (1924, pp. 57, 68 e 72).
Tabela 2
Alemanha: Composição aproximada da oferta de moeda
novembro & dezembro de 1923
(milhões de dólares)
Novembro 15 Dezembro 15
Wertbeständiges privados 14.7 30.0
Notas do empréstimo ouro3 65.6 113.0
Notas do sistema ferroviário 2.4 33.8
Moedas estrangeiras2 440.0 440.0
Rentenmarks2 - 199.4
_______ _______
Total de notas "de valor estável" 522.7 816.6
Moeda comum3,4 41.2 125.8
_______ _______
TOTAL 563.9 942.4 .
Fontes e observações: (1) Da Tabela 1. (2) Estimativas, ver texto. (3) De Republic of Germany-Krieglastenkommission (1924) p. 20. (4) Inclui notas do Reichsbank notgeld sem cláusulas de "valor estável".
É interessante observar a composição da oferta monetária, entendida como o conjunto de todos os ativos monetários que desempenham a função de meio de pagamento, apresentada na Tabela 2. Os wertbestandiges privados experimentaram um enorme boom logo após o governo ter autorizado as emissão privadas, porém existe pouca informação sobre o seu volume em circulação ao final de 1923. Consideramos na Tabela 2 o valor total dos 14.7 milhões de dólares mencionados na Tabela 1 e uma estimativa ad hoc de 30 milhões de dólares para dezembro. O volume de empréstimos-ouro e do sistema ferroviário registrou um intenso crescimento dado que uma parte substancial das subscrições foram feitas nesse período. As moedas estrangeiras apontadas nessa tabela são uma estimativa assentada na seguinte análise: o historiador alemão C. L. Holtfrerich reporta uma estimativa entre 476.4 milhões e 714.6 milhões de dólares e Bresciani-Turroni apresentou algo em torno de dois valores muito distantes, ou seja, 120 milhões e 950 milhões30. De acordo com os dados do balanço de
30 K. L. Holtfrerich (1985, p. 125); Bresciani-Turroni(1937, p. 345). Ver também H. Schacht (1927, p. 106) e W. Baumgartner (1925, p. 95).
pagamentos recolhidos pela Liga das Nações um volume de aproximadamente 286 milhões de dólares de divisas foi "exportado" entre 1924 e 1925. Isso correspondia a uma parte substancial do estoque de divisas estrangeiras sob a forma de reservas internacionais ou em circulação no final de 1923 na Alemanha. A maior parte dessas reservas apareceram nas estatísticas do balanço de pagamentos para os anos posteriores como saídas não explicadas, as quais totalizaram 176 milhões de dólares em 192531. A Tabela 2 apresenta uma estimativa conservadora de 450 milhões de dólares. Por último, essa tabela inclui o rentenmark que era uma moeda de "valor-constante", como será explicado mais adiante.
Um fato interessante a destacar na Tabela 2 é o insignificante valor do estoque de marcos em circulação no início do período de estabilização. Embora, em 1922, os diversos substitutos de moeda nacional estivessem longe de permitir o seu abandono, em outubro de 1923, após o empréstimo-ouro de agosto, seria observado que "o Reich pode declarar oficialmente o abandono do marco"32. A disseminação de moedas estáveis, e o notável crescimento da circulação de moedas estrangeiras marcaram a destruição total da moeda nacional, que já havia perdido suas propriedades monetárias de reserva de valor e unidade de conta, e nesse momento perdia até mesmo sua função como meio de pagamentos33. As conseqüências dessa "fragmentação do universo monetário"34 no tocante à evolução da inflação alemã podem ser vistas na Tabela 3.
31 League of Nations (1927, pp. 81-90).
32 R. R. Kuczynski (1923, pp. 766-69).
33 Ver J. Robinson (1938, p. 512) e J. M. Keynes (1923, p. 50).
34 A. Orléan (1979, p. 534).
Tabela 3
Taxas mensais de inflação e depreciação cambial, 1923 (%)
meses Consumidor Atacado Taxa de câmbio
janeiro-março* 69 59 49
abril-junho* 44 67 81
junho 100 132 137
julho 395 221 285
agosto 1.459 1.208 1.162
setembro 2.460 2.035 2.432
outubro 24.280 24.432 29.607
novembro 17.865 8.600 10.121
* média mensal para o trimestre. Fonte: C. L. Holtfrerich (1986, p. 24-33)
A tabela mostra que a inflação alemã parece entrar em uma trajetória explosiva a partir de junho, que é justamente o momento quando as moedas indexadas privadas e oficiais começam a se disseminar em grande escala. Com efeito, a dinâmica do processo parece se modificar neste momento, a partir do qual, ao que tudo indica, o marco papel se torna uma "batata quente" ou um "mico preto" que os agentes apenas aceitariam em troca de bens e serviços com ágios verdadeiramente explosivos.
4. O rentenmark
Em junho de 1923 a extraordinária dimensão que alcançou a inflação e perspectiva de completo colapso econômico do Reich obrigou o governo a considerar o que até então se afigurava impossível, ou seja, um plano de estabilização sem uma renegociação das reparações de guerra35. As propostas discutidas no final do verão e início do outono de 1923 não
35 Com respeito a isso Helfferich argumentava em fevereiro de 1924 que "temos que tentar esse esquema sem esperar uma melhora nas condições econômicas e políticas ou uma solução no problema das reparações ... mesmo sabendo que a reorganização e a solução das reparações formam uma condição sine qua non para a salvação permanente de nosso sistema monetário." Comentou ainda que "a experiência que tem sido realizada com o rentenmark é um empreendimento de alto risco: é um salto sobre um precipício, estando a margem oposta completamente encoberta pela névoa". Cf. C. Helfferich (1924b, p. 261).
tiveram relação com as negociações iniciadas mais tarde e que levariam ao Plano Dawes no segundo semestre de 1924; ou seja este não envolveu nenhuma forma de condicionalidade relacionada com a estabilização. Havia um grande número de propostas, muitas das quais giravam em torno do estabelecimento de uma nova moeda que fosse lastreada em ouro, tais como as defendidas pelo teórico socialista Rudolf Hilferding, o banqueiro Hjalmar Schacht, pela Federação das Indústrias e pelo secretário do Estado Julius Hirsch, entre outros36. Uma óbvia e decisiva desvantagem dessas propostas era o reduzido estoque de reservas do Reichsbank, e o fato que uma subscrição externa, ou mesmo doméstica, ainda que compulsória, de um novo banco emissor era considerada inexequível.
Deve-se destacar que as reservas internacionais alemães nunca foram exauridas durante o período da hiperinflação. Em alguns períodos o valor real do estoque de moeda reduzia-se a níveis tão baixos que a taxa de cobertura alcançava inclusive valores maiores que 100 por cento. Em abril de 1922, por exemplo, as reservas do Reichsbank atingiam 220 milhões de dólares o que era aproximadamente o mesmo valor da oferta real da moeda. Analogamente, em julho de 1923 as reservas internacionais giravam em torno de 120 milhões de dólares enquanto a oferta real de moeda era estimada em 130 milhões de dólares37. Em ambas ocasiões, no entanto, o valor real de oferta monetária encontrava-se muito abaixo da demanda de moeda a preços constantes; considerando, por exemplo, o estoque de moeda observado em 1925-26, as proporções lastreadas pelas
36 Ver K. L. Holtfrerich (1985, p. 129); H. Schacht (1927, p. 82 ff) e W. Baumgartner (1925, pp. 16-19).
37 J. P. Young (1925, vol. I, pp. 537-538) e Republic of Germany (1924, p. 65).
reservas existentes seriam de 17.5% e 9.5%, respectivamente38. Esses valores seriam insuficientes sob condições normais para assegurar a conversibilidade; mas como foi assinalado por muitos autores, incluindo Keynes e Bresciani-Turroni, o governo poderia declarar a conversibilidade a uma taxa de câmbio fixa, e mantendo-a apenas por um curto período de tempo39. A experiência mostraria, todavia, que esse período de tempo era realmente muito curto. Em poucas semanas os níveis das reservas já tinham despencado a níveis insustentáveis40. Além disso, o fracasso da tentativa de estabilização da taxa de câmbio, durante a resistência passiva no Ruhr convenceu as autoridades de que as reservas em ouro não eram suficientes para sustentar uma intervenção contínua do câmbio, sem fontes adicionais de divisas. Esses argumentos, e em particular a noção de que a emissão de uma nova moeda lastreada 100 por cento em ouro permitiria uma emissão total considerada insignificante frente as necessidades da economia alemã41, foram essenciais para derrotar a surpreendentemente ortodoxa proposta de Hilferding de criação de um departamento de ouro no Reichsbank42.
38 Considerando aí um valor médio para a oferta monetária, observado em 1924 e 1925, de 1.260 milhões de dólares.
39 J. M Keynes (1923, pp. 46-47) e C. Bresciani-Turroni (1937, p. 346).
40 É interessante observar que se considerarmos somente as notas regulares do Reichsbank e a emissão de rentenmark em dezembro, o lastro em ouro, que era de quase 100 por cento em novembro, fora reduzido para 28 por cento (ignorando a provável perda de reservas em dezembro que não consta dos relatórios do Reichsbank, apesar de admitidos por H. Schacht (1927, p. 129) em dezembro.
41 A legendária relutância das autoridades alemães, Havenstein em particular, em comprometer as reservas do Reichsbank na tentativa de estabilização torna-se então compreensível. Além disso, uma sólida posição de reservas representava um importante instrumento de barganha no contexto do imbroglio referente às reparações de tal forma que Havenstein certa vez referiu-se ao uso das reservas em um último e definitivo esforço da estabilização como "o mesmo que cortar o cabelo de Sansão", como mencionado por C. Maier (1975, p. 127).
42 J. G. Williamson (1971, p. 399).
A alternativa disponível aos planos ortodoxos nada tinha de convencional. A proposta de Helfferich de uma moeda indexada, mas não conversível, ao preço do centeio, o que era basicamente uma extensão da experiência com empréstimos de "valores-físicos" e empréstimos-ouro descritos anteriormente. Propunha-se a criação de um novo banco emissor, cuja subscrição em marcos papel43 seria compulsória, e imposta a elementos importantes e representativos da sociedade alemã, incluindo grandes grupos econômicos da agricultura, comércio, setor financeiro e indústria. A participação de cada grupo na subscrição foi anunciada como proporcional ao patrimônio de cada um e um título hipotecário tendo por base esse patrimônio serviria como "garantia" para a nova instituição. Na verdade, como o novo banco seria uma companhia de responsabilidade ilimitada, seu patrimônio seria, de qualquer modo, garantido pelo patrimônio dos seus acionistas. Como estes eram exatamente os elementos mais importantes e representativos da economia alemã, em termos da visão popular isto significava que esse novo banco como que encarnava a riqueza nacional. Tratava-se basicamente de um engenhoso exercício de relações públicas, pois o novo banco em nada diferia de uma sociedade por ações como qualquer outra.
O principal objetivo dessa instituição seria emitir títulos hipotecários indexados ao preço do centeio (rentenbriefe), da mesma forma que foram emitidos outros empréstimos de "valores-físicos" e empréstimos-ouro. Haveria, contudo, uma diferença significativa pois esses títulos não seriam denominados em pequenos valores de modo a circular como meio de pagamento, mas seriam emitidas notas em pequenas denominações,
43 Um contraste significativo com a experiência austríaca, polonesa e húngara, onde a subscrição do novo banco emissor era uma tentativa de amealhar reservas em ouro.
chamadas de roggenmarks que seriam 100 por cento conversíveis nos rentenbriefe. O roggenmark seria portanto uma moeda de "valor-constante", tal qual as que correspondiam aos outros empréstimos sobre "valores-físicos" e de "valor-constante", anteriormente analisados44.
Era um esquema simples, porém nada convencional, mas extremamente atrativo pois fundamentava-se no sucesso dos wertbestandiges e na inexequibilidade das outras alternativas. Nos primeiros dias de agosto, o primeiro-ministro Cuno, e mais especificamente seu ministro das finanças Hans Luther, estavam firmemente decididos a implantar o plano45. No entanto, o gabinete caiu, sendo a posição de primeiro-ministro assumida por Stresemann, cujo ministro das finanças, Rudolf Hilferding era totalmente hostil a essa proposta46. Todavia, Luther, agora ministro do abastecimento, trouxe o plano à atenção de Stresemann, e assim o mesmo plano foi lentamente ganhando terreno, de tal maneira que já tinha sido aceito mesmo antes de Luther assumir novamente o ministério das finanças no lugar de Hilferding. A única emenda significativa no projeto foi a de ao invés de se usar centeio como indexador optou-se pelo ouro, ou seja, pelo dólar. Dado que a nova moeda não seria mais conversível em centeio, mas apenas atrelada ou indexada aos preços do centeio, não haveria razão para deixar
44 Ver W. Baumgartner (1925, pp. 24-36); H. Schacht (1927, p. 80 e A. Fourgeaud (1926, pp. 199-102 ff).
45 K. Helfferich (1924a e b).
46 Hilferding considerou o plano "uma monstruosidade teórica", J. G. Williamson (1971, p. 390). Hilferding tinha para si que a moeda obtinha seu valor do trabalho requerido para produzí-la, de tal forma que para ter valor toda moeda tinha que ser convertida em algum material que tivesse "valor intrínseco" como o ouro. Isto o fazia um "metalista fora de moda" conforme observado por H. Ellis (1934, pp. 93-100). Isso foi também percebido por Schumpeter e mesmo por Lenin, segundo W. A. Darity Jr. e B. L. Horn (1985, p. 365). É um tanto paradoxal que nesse debate os socialistas endossaram a visão reacionária de Hilferding sobre a política monetária e a visão inovadora foi elaborada por um reconhecido político de direita. Sobre esse aspecto da visão conservadora de política monetária da esquerda ver C. P. Kindleberger ( 1984, p. 327).
de indexá-la ao ouro, ou ao dólar, que era um indexador superior ao centeio47. A partir dessa mudança as notas lastreadas por títulos indexados tiveram seu nome trocado para rentenmark e em 15 de novembro o governo recém empossado decretou a reforma monetária.
Logo de início, a demanda pela nova moeda foi muito alta. Schacht assinalou que o público estava ansioso em trocar seus marcos por rentenmarks e que nos primeiros dias da emissão da nova moeda foram formadas longas filas nos locais onde as notas estavam sendo emitidas48. O público parecia estar consciente que o rentenmark tinha uma paridade fixa com o dólar, a exemplo de outras moedas de "valor-constante" em circulação, e entusiasticamente aceitou-o como tal. A emissão de rentenmarks podia certamente ser interpretada pelo público como apenas um outro tipo de empréstimo-ouro. Convém notar a esse respeito que após a decretação da nova lei ainda existiu um atraso de um mês até que os rentenmarks estivessem prontos para distribuição, de modo que durante esse período o governo emitiu um outro empréstimo-ouro para preencher essa lacuna. Assim como nos casos de outros empréstimos-ouro, a reação do público foi muito positiva49.
A emissão de rentenmarks não era como a emissão, embora grande, de um novo empréstimo-ouro. Durante o período de coexistência do marco e das moedas indexadas estas manteriam uma relação fixa com o dólar, pois ao mesmo tempo que essas moedas se valorizavam em relação ao
47 Schacht observou que a indexação relacionada ao centeio"foi calculada de maneira magistral de forma a apelar à psicologia da comunidade rural" de cujo suporte político o governo dependia, H. Schacht (1927, pp. 85-87). Contudo, era mais do que isso. O uso do centeio como indexador assegurava que a contribuição do setor rural para o Rentenmark seria indexada aos preços relevantes na determinação da renda agrícola, portanto prevenindo-se contra movimentos inesperados nas cotações.
48 H. Schacht (1927, p. 99).
49 Republic of Germany (1924, p.72).
marco, o marco se desvalorizava frente ao dólar, o que as tornava estáveis por construção. Parecia implícito, no entanto, que o marco seria desmonetizado em um ponto qualquer do futuro, e quando isso ocorresse esse mecanismo acabaria e as moedas indexadas tornar-se-iam simples moedas fiduciárias. Assim, a sua relação com o dólar dependeria em primeira instância da existência de conversibilidade, mas poderia também ser sustentada por expectativas favoráveis com relação à evolução das reservas internacionais. Em suma, enquanto o marco existiu, as moedas indexadas ou wertbestandiges mantinham uma relação fixa com o dólar, mas isso provavelmente deixaria de existir se o marco fosse retirado de circulação.
A introdução do rentenmark teve, no entanto um papel importante para a fixação da taxa de câmbio, sendo que foi esta que garantiu o fim súbito da hiperinflação alemã. Na medida em que a taxa de câmbio entre o marco e o rentenmark foi fixada (em um trilhão de marcos por rentenmarks), isto na verdade significava que a taxa de câmbio entre o marco e o dólar era fixada através do rentenmark: , tal como ilustrado no diagrama50.
50 Esse mecanismo é explicado por Schacht de maneira análoga, H. Schacht (1927, pp. 114-15).
Quando os rentenmarks começaram a ser emitidos em 15 de novembro o governo atuou em duas frentes: dado que o mecanismo através do qual a nova moeda tinha "valor estável" permitia que um rentenmark fosse trocado por 10/42 dólares, como mostrado pela linha cheia no diagrama, o governo simultaneamente trocava marcos por rentenmarks a uma taxa de um trilhão por um, e ao mesmo tempo empregava suas reservas internacionais para intervir no mercado de câmbio e sustentar a taxa de 4.2 trilhões de marcos por dólar51. Como resultado desse duplo ataque a taxa de câmbio ficou estabilizada, e como a dolarização transmitiu a estabilidade do câmbio para os preços domésticos, o processo inflacionário terminou em um só golpe.
A estabilização foi alcançada basicamente por intermédio da fixação da taxa de câmbio no contexto de uma economia dolarizada. O elemento decisivo e peculiar do caso alemão foi inquestionavelmente a experiência do rentenmark 52. Partiu-se do simples princípio que títulos indexados têm "valor estável" no sentido que para uma taxa de câmbio real dada, títulos indexados na moeda estrangeira teriam preços em dólar constantes ou ao menos estáveis independentemente do nível de inflação53. Este princípio já era bem conhecido pelo público alemão antes do rentenmark em função da disseminanação anterior de moedas de "valor-constante" ou wertbestandiges. Assim sendo, o governo pode facilmente dar um pequeno passo a frente emitindo notas de "valor-constante" e em seguida
51 Ibid. p. 112.
52 Esse ponto fundamental tem escapado da atenção de muitos analistas do assunto, sendo exceções, no entanto, G. Merkin (1982, p. 46) e F. L. Lopes (1986, p. 133).
53 A efetiva determinação do preço de um título indexado em condições inflacionárias é um pouco mais complexa. Para nossos propósitos o aspecto relevante era que o título indexado era um bom substituto das moedas estrangeiras e algumas vezes melhor que essas para desempenhar as funções monetárias.
usando-as como substitutos de moedas estrangeiras nas carteiras do público assim conseguindo estabilizar o câmbio.
5. O rentenmark e a estabilização
O rentenmark era uma moeda de "valor-constante" e sua emissão equivalia a uma venda de títulos indexados contendo as propriedades de meio de pagamento ou, mais simplesmente, a um empréstimo externo. Mas, mesmo um empréstimo externo poderia ser insuficiente para garantir a estabilização da taxa de câmbio. O "tamanho" mínimo de um empréstimo externo dependeria basicamente da percentagem da demanda por moeda a preços estáveis que seria "coberta", ou tornada conversível. Da mesma forma se a emissão de rentenmarks fosse muito grande tornar-se-ia um problema. Provavelmente os títulos indexados seriam negociados com deságio e a inflação terminaria contaminando a nova moeda, que seria assim imperfeitamente indexada.
A emissão total autorizada de rentenmarks foi limitada a 762 milhões de dólares. Este volume, se adicionado ao estoque de reservas internacionais em novembro de 1923 somaria 870 milhões de dólares, que proporcionaria "cobertura" para aproximadamente 70 por cento da demanda por moeda a preços constantes, cujo valor, estimado com base nos totais observados em 1926-27, era de 1260 milhões de dólares. O "empréstimo" representado pelo rentenmark era portanto bastante significativo, especialmente se comparado a outros "empréstimos de estabilização" emitidos para outros países. Apesar de não atingir o mesmo vulto, por exemplo, do empréstimo emitido com o apoio da Liga das Nações para a estabilização da Áustria, que proporcionava cobertura metálica para uma proporção maior do que 100 por cento da demanda por moeda a
preços constantes, era maior que o da Liga para a Hungria que permitia uma cobertura inferior a 50 por cento do valor da demanda por moeda a preços constantes.
É preciso destacar que qualquer tentativa de estabilização através da contratação de empréstimos externos seria apenas temporária se os desequilíbrios fundamentais por detrás da existência da inflação não fossem resolvidos. Estes desequilíbrios não compõem o tema deste trabalho, mas deve-se mencionar que existe uma enorme controvérsia sobre a sua verdadeira natureza. Frequentemente aponta-se o déficit fiscal como a raiz do problema, de modo que o equilíbrio orçamentário deveria ser implementado simultaneamente à estabilização. Vários autores argumentam que foi exatamente a execução de profundas reformas fiscais que efetivamente permitiu a estabilização da economia54. Outros atribuem a explosão inflacionária ao desequilíbrio externo, e mais recentemente à perversa combinação deste com as pressões do movimento sindical para recompor os níveis de salário real nos patamares do pré-guerra55. Não nos deteremos sobre este assunto, pois nosso propósito é meramente ressaltar a importância do rentenmark, e a abordagem ortodoxa (antiga e recente) não atribuiu qualquer papel à nova moeda no processo de estabilização na Alemanha. Por exemplo, Bresciani-Turroni argumenta que não havia razão para os empréstimos de "valor-constante" terem esta propriedade pois suas garantias eram "simplesmente fictícias... eram meramente papel sem lastro algum". A respeito dos empréstimos-ouro argumentava que "o público ficou hipnotizado pela palavra wertbestandiges escrita na nova
54 Mais recentemente por T. Sargent (1982), K. L. Holtfrerich (1985), R. Dornbush (1985); S. B. Webb (1985).
55 Notadamente K. Laursen e J. Pedersen (1964) e também G. H. B. Franco (1986). Para uma discussão mais específica das "reformas" fiscais simultâneas às estabilizações veja-se o Capítulo 7.
moeda". Acrescentava ainda que o rentenmark era uma moeda fiduciária inconversível tanto quanto o marco papel, apenas com um outro nome56, um ponto que é endossado por Thomas Sargent. De acordo com ele "embora tenha se atribuído um extraordinário efeito psicológico a essa mudança de unidade, é difícil atribuir qualquer efeito substancial ao que nada mais era que uma medida cosmética"57. Outros autores, mesmo os não-monetaristas, tem apresentado análises similares: Angell referiu-se ao rentenmark como um "truque de expectativas"58. Para Stolper era um "artifício psicológico"59 e para Graham "nada mais que um novo tipo de papel inconversível"60. Mais recentemente Karl Hardach ressaltou novamente que a cobertura para as notas de rentenmark era fictícia, ainda que tivesse produzido "os efeitos psicológicos desejados"61. Steven Webb qualificou o experimento de "fábula"62. Em um recente artigo, Rudiger Dornbush não oferece qualquer explicação para a aceitação do público dos empréstimos-ouro como uma moeda estável, dado que não tinham lastro algum, mas salienta que o rentenmark era uma moeda de "valor-constante" porque era conversível em empréstimos-ouro63. Mesmo Gerald Merkin, que percebeu que a inflação terminou com a fixação da taxa de câmbio através do mecanismo da dolarização; argumentou que o rentenmark apresentava uma "vantagem psicológica", mas que "a
56 C. Bresciani-Turroni (1937, pp. 344, 348).
57 T. Sargent (1982, pp. 82-83). Esse diagnóstico é completamente endossado pelo historiador alemão K. L. Holtfrerich (1985, p. 134).
58 J. Angell (1932, p. 24).
59 Apud F. Ringer (1969, p. 86).
60 F. Graham (1930, p. 12).
61 K. Hardach (1980, p. 29).
62 S. Webb (1985, p. 18).
63 R. Dornbusch (1985, pp. 9-10).
intervenção do Reichsbank no mercado de câmbio acabou sendo o principal fator do processo de estabilização"64.
Muitos analistas do fenômeno tem enfatizado o aspecto patológico do rentenmark que não era nem conversível nem lastreado em ouro, e que sua única garantia era efetivamente a "hipoteca" sobre o patrimônio dos subscritores do Rentenbank caso este fosse liquidado. Para esses autores as experiências desastrosas com os Assignats e com o Banque Royale de John Law demonstravam com clareza que este tipo de "hipoteca" não assegurava qualquer espécie de lastro para a nova moeda65. Mas argumentou-se que mesmo uma moeda sem lastro, isto é, fiduciária, poderia manter uma relação fixa com o ouro e outras moedas se a emissão fosse suficientemente limitada. Esse típico argumento "bulionista" é apresentado por muitos autores para explicar o milagre do rentenmark : o público confiava na sua relação fixa com o dólar, pois a emissão era limitada. Duas observações devem ser feitas sobre essa análise. Primeiro, o argumento "bulionista" clássico seria aplicado somente se o rentenmark fosse uma moeda fiduciária comum como era o marco, o que não era o caso. O público aceitava o rentenmark a uma paridade fixa com o dólar em função de sua conversibilidade com títulos indexados ao ouro, o que não seria mudado mesmo se não houvesse limites pré-determinados sobre a emissão66. Conforme anteriormente assinalado a taxa de câmbio foi fixada
64 G. Merkin (1982, p. 46).
65 Ver, por exemplo, C. P. Kindleberger (1984, p. 326); H. Schacht (1927, p. 85). J. P. Young (1925, vol. I, p. 426); e F. Graham (1930, pp. 12 ff e 16).
66 Isso obviamente não significa que um excesso de emissões de rentenmarks não pudesse ocorrer. A oferta de rentenbriefes poderia se expandir, assim como a emissão de rentenmarks , de modo que o excesso de oferta faria com que o público apenas aceitasse rentenmarks com um desconto. Nessa caso, o resultado seria que os rentenmarks seriam subindexados, e por conseguinte, se depreciariam com respeito ao dólar. Nesse sentido, existiria um ponto crítico além do qual emissões adicionais de títulos indexados caracterizariam um excesso de emissão e resultariam na "contaminação" da nova moeda pela inflação.
na medida em que o governo oferecia duas alternativas para o desejo do público de livrar-se do marco: oferecia rentenmarks e moedas estrangeiras a taxas fixas em relação ao marco. Se a emissão autorizada de rentenmarks fosse limitada, uma dessas alternativas ficaria comprometida, e o desejo de fugir do marco desaguaria nas limitadas reservas do Reichsbank . Dado que o estoque de reservas internacionais era muito pequeno para se garantir a a fixação da taxa de câmbio por mais do que um período de tempo muito pequeno, como já mencionado em referência à proposta de Hilferding, segue-se que deveria haver uma emissão mínima de rentenmarks que tornaria exequível o plano de estabilização do governo67.
Uma segunda crítica à idéia de que os rentenmarks foram aceitos porque sua emissão era rigorosamente limitada baseia-se no simples fato de que, na medida que foi fixada a taxa de câmbio entre o rentenmark e o marco-papel, qualquer limite sobre a emissão de rentenmark não faz sentido sem o correspondente limite sobre a emissão de marcos-papel. Ora, não havia qualquer limite sobre emissão de notas do Reichsbank, que se faria na base de desconto de "legítimos" títulos comerciais privados, e cuja emissão seria triplicada durante 1924. Nenhum "metalista", ou qualquer de seus sucessores monetaristas, jamais admitiria que uma expansão monetária excessiva pudesse ser evitada nessas condições. Um século antes Ricardo já havia argumentado que a única forma de evitar o
67 Considerando a demanda de moeda a preços-constantes como 1.260 milhões de dólares, tomando aí o valor observado para 1925, e uma taxa de conversibilidade aceitável de 40 por cento, um mínimo de 500 milhões de dólares de reservas seria necessário para estabelecer o padrão-ouro. Dado que o estoque de reservas internacionais em novembro de 1923 era de cerca de 111 milhões de dólares, ou seja o mínimo de rentenmark emitido seria de aproximadamente 389 milhões de dólares ou 1.633 milhões de rentenmarks, vale dizer, em torno da metade do total da emissão efetivamente autorizada.
excesso de emissões fiduciárias inconversíveis seria a "prudência" do banco emissor. Certamente esse tipo de preocupação esteve presente na gestão de Schacht na presidência do Reichsbank, mas o ponto importante a destacar era que o excesso de emissões não foi evitado em função de qualquer limite quantitativo sobre a criação de moeda, mas por algo mais subjetivo e indefinível, a saber, o compromisso pessoal de Schacht com a estabilidade monetária. Embora possa se dizer que esse compromisso era claramente percebido pelo público em outubro de 1923, é preciso notar que a credibilidade da política monetária não dependia simplesmente das convicções de Schacht: se um acordo em torno das reparações de guerra não fosse encontrado, o gerenciamento da política monetária pouco poderia fazer para evitar o colapso do plano de estabilização.
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