quinta-feira, 25 de maio de 2017

Krzysztof Pomian, "Coleção", 1984


“É a linguagem que engendra o invisível. Fá-lo porque permite aos indivíduos comunicarem reciprocamente os seus fantasmas, e transformar assim num fato social a íntima convicção de ter tido um contato com algo que jamais se encontraria no campo do visível. Além disso, o simples jogo com as palavras acaba às vezes por formar enunciados que, embora compreensíveis, designam todavia algo que nunca ninguém viu. Sobretudo, a linguagem permite falar dos mortos como se estivessem vivos, dos acontecimentos passados como se fossem presentes, do longínquo como se fosse próximo, e do escondido como se fosse manifesto. Não só permite, mas obriga, ou melhor, leva inevitavelmente a fazê-lo, de uma maneira absolutamente natural e espontânea. A necessidade de assegurar a comunicação linguística entre as gerações seguintes acaba por transmitir aos jovens o saber dos velhos, isto é, todo um conjunto de enunciados que falam daquilo que os jovens nunca viram e que talvez jamais verão. A linguagem engendra então o invisível, porque o seu próprio funcionamento, num mundo onde aparecem fantasmas, onde se morre e acontecem mudanças, impõe a convicção de que o que se vê é apenas uma parte do que existe. A oposição entre o invisível e o visível é antes de mais a que existe entre aquilo de que se fala e aquilo que se apercebe, entre o universo do discurso e o mundo da visão”. (p. 68)

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