“É a linguagem que
engendra o invisível. Fá-lo porque permite aos indivíduos comunicarem
reciprocamente os seus fantasmas, e transformar assim num fato social a íntima
convicção de ter tido um contato com algo que jamais se encontraria no campo do
visível. Além disso, o simples jogo com as palavras acaba às vezes por formar
enunciados que, embora compreensíveis, designam todavia algo que nunca ninguém
viu. Sobretudo, a linguagem permite falar dos mortos como se estivessem vivos,
dos acontecimentos passados como se fossem presentes, do longínquo como se
fosse próximo, e do escondido como se fosse manifesto. Não só permite, mas
obriga, ou melhor, leva inevitavelmente a fazê-lo, de uma maneira absolutamente
natural e espontânea. A necessidade de assegurar a comunicação linguística entre
as gerações seguintes acaba por transmitir aos jovens o saber dos velhos, isto
é, todo um conjunto de enunciados que falam daquilo que os jovens nunca viram e
que talvez jamais verão. A linguagem engendra então o invisível, porque o seu
próprio funcionamento, num mundo onde aparecem fantasmas, onde se morre e
acontecem mudanças, impõe a convicção de que o que se vê é apenas uma parte do
que existe. A oposição entre o invisível e o visível é antes de mais a que
existe entre aquilo de que se fala e aquilo que se apercebe, entre o universo
do discurso e o mundo da visão”. (p. 68)
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