Sumiço de cinco jovens completa duas semanas e mistério cresce em SP
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Cinco jovens da zona leste da cidade de São Paulo, com idades entre 16 e
30 anos, um deles cadeirante, entraram animados num Santana 1987 com a
intenção de participar de uma festa com garotas conhecidas em rede
social.
O tempo estimado de viagem naquela noite de sexta era inferior a 30 minutos –partiram do Jardim Rodolfo Pirani e iriam para um sítio de Ribeirão Pires (Grande SP).
Misteriosamente, desapareceram no caminho. Duas semanas depois, esse sumiço intriga policiais, familiares e amigos, que saem às ruas à procura deles e de respostas.
Marlene Bergamo/Folhapress | ||
Amigos saem a cavalo para procurar jovens desaparecidos em Jardim Rodolfo Pirani, zona leste de SP |
Entre as últimas mensagens enviadas pelo grupo, segundo familiares, está uma que menciona suposta abordagem policial. "Ei, acabo de tomar um enquadro ali. Os polícia está me esculachando [sic]", disse Jonathan Moreira, 18, um dos desaparecidos, em áudio enviado a amigos.
A polícia ainda não aponta a principal linha de investigação: ação de bandidos comuns ou violência policial?
O sumiço começou a ser investigado na segunda (24), três dias após a suposta festa, quando a polícia foi avisada por familiares sobre a localização do Santana 1987.
O carro estava abandonado em uma alça do Rodoanel, perto de Ribeirão Pires, mas sem sinais de violência.
De vestígio do grupo, havia apenas as fraldas utilizadas pelo mais jovem dos rapazes, Robson de Paula, 16. Ele passou a usar cadeira de rodas após ser baleado em ação da PM dois anos atrás.
Dos cinco ocupantes do veículo, ao menos dois tinham passagem pela polícia.
Só o motorista não participaria da suposta festa. O cozinheiro Jones Januário, 30, foi contratado pelos adolescentes para levá-los e buscá-los no dia seguinte, já que nenhum deles tinha carro.
"Vou ali e já volto", disse Januário, segundo contou aos policiais Elien Souza, 33, que já foi companheira dele.
Policiais apostam no rastreamento dos celulares para achar pistas. Mas uma das mensagens só trouxe dúvidas.
Em áudio enviado pelos jovens à 0h30 do sábado (22), eles diziam que o carro havia quebrado em Ribeirão Pires e que, por isso, precisavam de ajuda para sair de lá.
Os policiais não sabem se essa versão era apenas um engodo do grupo para atrair outro colega para a festa –já que o Santana foi encontrado sem defeitos mecânicos.
E, também, se a mensagem foi enviada antes ou depois da suposta abordagem policial relatada no outro áudio –cuja versão original foi apagada, restando só a que foi compartilhada por amigos.
Os investigadores cogitam o envolvimento de PMs na ação devido a rumores de que um dos jovens poderia ter participado da morte de um policial –fato não comprovado.
"Nossa expectativa é de que não tenha sido o desaparecimento de cinco Amarildos", disse o ouvidor da polícia, Júlio César Fernandes Neves, em referência ao desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza em 2013, no Rio, após operação policial.
O secretário da Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, disse que, além da Polícia Civil, a Corregedoria da PM acompanha o caso.
Mas, diz ele, há possibilidade de a gravação ter ocorrido dias antes. "Não há nenhum indício concreto da participação de policiais, sejam civis ou militares, no desaparecimento desses rapazes."
Marlene Bergamo/Folhapress | ||
Carro de jovens desaparecidos foi encontrado perto de Ribeirão Pires |
Era manhã do feriado de Finados, mas o bairro de Rodolfo Pirani (zona leste de São Paulo) estava agitado como num dia normal: havia fila para pegar o carrinho no supermercado lotado, carros de polícia passavam correndo pelas ruas estreitas e moradores se reuniam em um campo para mais uma busca.
Essa tem sido uma cena diária no bairro, há duas semanas: pais, parentes, vizinhos e amigos tentam encontrar os cinco jovens desaparecidos desde o último dia 21. Entram em terrenos baldios, na mata e em ruas por onde eles poderiam ter passado.
Na quarta-feira (2), cavalos foram emprestados para a ação. Por volta das 7h, as donas de casa Adriana Moreira, 44, e Elzamira de Paula, 34, saíram em direção a uma área de mata, perto dali. Elas são mães de Jonathan Moreira, 18, e Robson de Paula, 16, respectivamente. Subiram nos cavalos e saíram.
"A gente procura sem parar. Onde tem um boato, vamos atrás", diz Adriana. Elas já fizeram uma vaquinha para pagar a gasolina de 20 carros. Rodaram por cidades próximas, como Mauá, Santo André e Ribeirão Pires, no ABC. Nunca encontraram nenhum vestígio dos jovens.
Elas vivem entre a esperança quando uma nova busca se inicia e o desespero por, ao final, não terem achado nada. "Tenho esperança, sim. Acredito que eles possam estar vivos", diz Elzamira, antes de uma nova empreitada.
Robson, seu filho, é cadeirante. "Um rapaz muito esperto", afirma uma tia. No dia do desaparecimento, ele queria curtir uma festa com três amigos de infância.
Há dois anos, o adolescente estava em um carro com um amigo. O veículo era roubado, mas a família diz que o jovem não participou nem sabia do assalto. Ele nunca foi investigado nesse caso.
Policiais da Rota, tropa de elite da PM, perseguiram os jovens. O amigo de Robson foi morto a tiros. Desarmado, ele tentou fugir correndo, mas levou um tiro nas costas e ficou paraplégico.
Depois do sumiço, há duas semanas, um aplicativo instalado no celular de Robson indicou que o aparelho estava em uma rua de Atibaia.
A família foi até lá, mas não encontrou nada.
Rodolfo Pirani é um bairro pobre no extremo leste da capital, bem na divisa de São Paulo com Mauá e Santo André. Segundo moradores, a região sofre com a violência. Em setembro, um guarda-civil foi morto em um assalto.
Há um mês, alunos de escolas e oficinas culturais da região reclamaram de truculência e abusos "praticados pela PM em abordagens". Um relatório foi enviado por eles à secretaria municipal de Direitos Humanos, que agendou uma audiência pública para tratar do tema.
Após o desaparecimento dos cinco jovens, moradores fecharam uma avenida em protesto contra o que chamam de "lentidão" da polícia em esclarecer o caso. A PM dispersou a manifestação com spray de pimenta e
golpes de cassetete.
A Secretaria da Segurança Pública, do governo Geraldo Alckmin (PSDB), afirma que, em caso de abusos, a Corregedoria da Polícia Militar deve ser comunicada.
Já num posto de saúde do bairro, a reclamação de servidores da Prefeitura de São Paulo era outra: eles são vítimas de constantes assaltos.
"A gente deixa tudo trancado, até a ambulância, porque senão os bandidos entram e levam tudo", disse um servidor, que preferiu não se identificar, por medo.
FILHO DE POBRE
Depois da busca com os cavalos em um matagal, as donas de casa Adriana e Elzamira voltaram chorando. Mais uma vez, não encontraram pista dos filhos.
"Às vezes penso que ele está morto, às vezes que está vivo. É uma incerteza. Isso está acabando com a gente. Os dias vão passando, e você não sabe de nada", diz Adriana.
"Se fossem cinco filhos de ricos, filhos de deputados, a cidade estava parada. Tinha helicóptero procurando. Mas eles são pobres, da periferia e com passagem. Quem é que liga?", pergunta a dona de casa, indignada.
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