quarta-feira, 15 de abril de 2009

MEMÓRIA



Alguns excertos do livro "História e Memória" de Jacques Le Goff


“Chego agora aos campos e às vastas zonas da memória, onde repousam os tesouros das inumeráveis imagens de toda a espécie de coisas introduzidas pelas percepções; onde estão também depositados todos os produtos do nosso pensamento, obtidos através da ampliação, redução ou qualquer outra alteração das percepções dos sentidos, e tudo aquilo que nos foi poupado e posto à parte ou que o esquecimento ainda não absorveu e sepultou. Quando estou lá dentro, evoco todas as imagens que quero. Algumas apresentam-se no mesmo instante, outras fazem-se desejar por mais tempo, quase que são extraídas dos esconderijos mais secretos. Algumas precipitam-se em vagas, e enquanto procuro e desejo outras, dançam à minha frente com ar de quem diz:”Não somos nós por acaso?”, e afasto-as com a mão do espírito da face da recordação, até que aquela que procuro rompe a névoa e avança do segredo para o meu olhar; outras surgem dóceis, em grupos ordenados, à medida que as procuro, as primeiras retiram-se perante as segundas e, retirando-se, vão recolocar-se onde estarão, prontas para vir de novo, quando eu quiser. Tudo isto acontece quando conto qualquer coisa de memória”.
Santo Agostinho – Confissões

“O uso das letras foi descoberto e inventado para conservar a memória das coisas. Aquilo que queremos reter e aprender de cor fazemos redigir por escrito a fim de que o que se possa reter perpetuamente na sua memória frágil e falível seja conservado por escrito e por meio de letras que duram sempre.”
Guy de Nevers – 1174

“Aí, aprendem de cor, segundo o que se diz, um grande número de versos. Por isso alguns permanecem vinte anos nessa aprendizagem. Não crêem porém lícito transcrever os dogmas da sua ciência, enquanto que para as restantes coisas em geral, para as normas públicas e privadas, se servem do alfabeto grego. Parece-me que estabeleceram este uso por duas razões: porque não querem divulgar a sua doutrina nem ver os seus alunos negligenciar a memória confiando na escrita; porque acontece quase sempre que a ajuda dos textos tem por conseqüência um menor zelo em aprender de cor e uma diminuição da memória.”
César – De Bello Gallico – sobre o processo de aprendizagem seguido por jovens que tinham como mestres os druidas gauleses.
"O alfabeto engendrará esquecimento nas almas de quem o aprender: estas cessarão de exercitar a memória porque, confiando no que está escrito, chamarão as coisas à mente não já do seu próprio interior, mas do exterior, através de sinais estranhos."
Platão - Fedro
"Entendo por 'nossa época' o período que é para nós moderno, quer dizer, a extensão destes cem anos de que vemos agora o fim e de que todos os acontecimentos notáveis ainda estão frescos e presentes nas nossas memórias, primeiro porque alguns centenários ainda sobrevivem e também porque muitos filhos têm relatos muito seguros do que não viram dos seus pais e dos seus avós."
Gautier Map - século XII



"A Galeria de Retratos democratizou-se e cada fampília tem, na pessoa do seu chefe, o seu retratista. Fotografar as suas crianças é fazer-se historiógrafo da sua infância e preparar-lhes, como um legado, a imagem do que foram... O álbum de família exprime a verdade da recordação social. Nada se parece menos com a busca artística do tempo perdido do que estas apresentações comentadas das fotografias de família, ritos de integração a que a família sujeita os seus novos membros. As imagens do passado dispostas em ordem cronológica, 'ordem das estações' da memória social, evocam e transmitem a recordação dos acontecimentos que merecem ser conservados porque o grupo vê um fator de unificação nos monumentos da sua unidade passada ou, o que é equivalente, porque retém do seu passado as confirmações d sua unidade presente. É por isso que não há nada que seja mais decente, que estabeleça mais a confiança e seja mais edificante que um álbum de família: todas ass aventuras singulares que a recordação individual encerra na particularidade de um segredo são banidas e o passado comum ou, se quiser, o menor denominador comum do passado, de nitidez de um monumento funerário frequentado assiduamente."
Pierre Bordieu - 1965
"A memória humana é particularmente instável e maleável, enquanto que a memória das máquinas se impõe pela sua grande estabilidade, algo semelhante ao tipo de memória que representa o livro, mas combinada, no entanto, com uma facilidade de evocação até então desconhecida."
Dermane e Rouquerol - 1959
"O homem é conduzido progressivamente a exteriorizar faculdades cada vez mais elevadas."
Leroi-Gurhan 1964
"O molde interior representa uma estrutura escondida, uma 'memória' que organiza a matéria de forma a produzir a criança à imagem dos pais."
Buffon - século XVIII
"E se a memória mais não fosse que um produto da imaginação?"
André Breton - 1822


"A tradição é biologicamente tão indispensável à espécie humana como o condicionamento genético o é às sociedades de insetos: a sobrevivência étnica funda-se na rotina, o diálogo que se estabelece suscita o equilíbrio entre rotina e progresso, simbolizando a rotina o capital necessário à sobrevivência do grupo, o progresso, a intervenção das inovações individuais para uma sobrevivência melhorada."

Leroi-Gourhan - 1964

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