Avani Stein - 29.out.1984/Folhapress
‘Bate-boca’ entre roqueiros e crítico agitou a Folha
Aproveitando o gancho da única apresentação que a cultuada banda pós-punk Voluntários da Pátria fará nesta sexta-feira (7) no Sesc Belenzinho, em São Paulo –depois de 20 anos sem subir aos palcos–, o blog do Acervo Folha
relembra episódio tenso ocorrido há 32 anos, quando integrantes do
conjunto e de outros grupos da capital paulista estiveram na Redação da Folha em protesto contra crítica que desmerecia o cenário roqueiro da cidade.
Era 28 de outubro de 1984, o Brasil vivia
seu último ano sob o regime militar, que perdurava havia duas décadas no
país. O maior festival de música da América Latina, o Rock in Rio,
seria realizado 4 meses depois, em janeiro de 1985, sem bandas paulistas
na programação. Na Folha, o crítico cultural Pepe
Escobar (na foto acima, à esq., de preto e encostado à parede) causava
polêmica em crítica antológica onde enfatizava o amadorismo dos
roqueiros paulistanos, afirmando que apenas três bandas da capital
tinham “boas possibilidades” de ascensão naqueles anos.
Intitulado ”Desventuras do rock paulistano“,
o artigo de Escobar poupava apenas as bandas RPM, Voluntários da Pátria
e Zero. Às demais, o crítico seguia com a afirmativa de que o rock de
São Paulo era debate para “guetos”, e que neles deveriam permanecer.
“O RPM deveria ser contratado imediatamente
por uma grande gravadora.” “Os Voluntários lançaram seu primeiro LP
independente, e se passarem por cima de suas letras PT, vão longe.” “O
Zero está com uma ótima fita gravada em estúdio.” “O resto é de lascar”,
avaliava o crítico.
Escobar destacava ainda uma carta enviada à Folha
pelo vocalista do grupo Zero, Guilherme Isnard, onde o músico e
compositor carioca expressava sua indignação com o rumo que o rock vinha
tomando na capital, e classificou um dos principais redutos do
circuito, o Val Improviso, no centro de São Paulo – onde muitas bandas
se apresentavam– de “pulgueiro”. Para o músico, que fez parte da
primeira formação dos Voluntários, o local não passava de uma “armação
para alimentar algumas bocas”, disse na época.
Seguindo o raciocínio de Isnard, que em sua
carta destilava termos como “maçonaria do rock”, “máfia do rock” e
“cooperativa musical intergrupos” para adjetivar os roqueiros
paulistanos, Escobar não limitou sua opinião: “Aqui não adianta algum
grupinho tentar monopolizar a vanguarda. Não existe uma vanguarda.
Existe uma tendência explorada pelos donos do mercado, que precisa ser
revertida”. Sobre o Rock in Rio, o jornalista declarou que seria “no
mínimo ridícula” a participação de bandas paulistas no evento. “Imaginem
Kid Girimum e suas Lagartixas Amestradas abrindo um show para as
Go-Go’s”, ironizou.
No dia seguinte à publicação da crítica,
integrantes e representantes de 12 bandas, entre elas Ira!, Inocentes,
Garotas do Centro e Mercenárias, reuniram-se na sede do jornal a fim de
manifestar suas queixas contra o texto.
Recebidos por Escobar, o grupo reivindicou
ao jornal que fosse agendado um debate amplo sobre a questão. Em um dos
momentos mais calorosos da discussão, Marcos Valadão Rodolfo, o Nasi,
então vocalista do Ira! e do Voluntários, tentou agredir fisicamente o
jornalista, que, antes de abandonar o debate, reafirmou sua opinião ao
declarar que a maioria das bandas de São Paulo era sim “muito ruim
musicalmente”. Marcus Mocef, responsável pela programação do Val
Improviso, e que também acompanhava os músicos naquele dia, foi
categórico: “Escobar não se interessa em entrevistar e ver de perto o
trabalho das bandas, fica escrevendo de orelhada e incitando fofocas no
meio”. “Não estamos contra a Folha, e sim contra um crítico incompetente”, completou.
Duas semanas depois, a Folha
atenderia à súplica dos roqueiros quando, na noite de 14 de novembro,
com um público de 150 pessoas –mais do que as 120 poltronas disponíveis
em seu auditório–, promoveu um grande debate sobre o rock de São Paulo e
o papel da crítica na mídia impressa. Entre os presentes estavam
profissionais e amantes de várias vertentes do gênero.
Mediado pelo jornalista Matinas Suzuki Jr., então diretor da sucursal da Folha
no Rio, o evento, pacífico, contou com a participação –dentre outros–
do produtor Peninha Schmidt (Titãs, Ultraje e Ira!), Luiz Carlos
Calanca, distribuidor independente e proprietário da loja de discos
Baratos Afins, e José Augusto Lemos, crítico da extinta revista “Som
Três”.
Momentos do debate foram publicados na Folha em 18 de novembro, na reportagem “Queixas e papos no debate sobre rock”, na primeira página da Ilustrada.
Frases:
“Temos que discutir aqui como surge uma nova geração de músicos, como interferem no sistema estabelecido. Como esses grupos podem se unir e participar, juntos, para acabar com essa divisão em guetos em que se encontram hoje”.
Pepe Escobar – crítico cultural da Folha
“A gente estar aqui é muito importante. Me envolvi com rock and roll desde o começo e nunca vi uma plateia tão séria de debatedores”
Pena Schmidt – produtor musical
“Se a Folha tivesse interesse em fazer um trabalho sério, não manteria em seus quadros repórteres que não pesquisam e não conhecem os trabalhos dos grupos de rock”
Thomas Pappon – baterista do grupo Smack
“O rock paulista é difícil e sofrido, as condições são precárias e o espaço conseguido depende do esforço isolado de cada banda”
Miguel Barella – guitarrista do grupo Voluntários da Pátria
“O rock paulista realmente ainda deixa muito a desejar. Não existe divulgação no rádio, entre outras coisas porque a execução ainda é muito precária…”
Paulo Leite – radialista da Excelsior
“Crítica e informação são coisas diferentes. A Ilustrada tem muita crítica e pouca cobertura. Mesmo assim é o único canal aberto para o público do rock”
José Augusto Lemos – crítico da revista “Som Três”
“O problema do rádio é simples: jabaculê. Paga-se e pronto.”
Paulo Ricardo Medeiros – crítico da revista “Som Três”
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