sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Carolina Maria de Jesus - FAVELA



 
Era o fim de 1948, surgiu o dono do terreno da Rua Antônio de Barros onde estava localizada a favela. Os donos exigiram e apelaram queriam o terreno vago no prazo de 60 dias. Os favelados agitavam-se. Não tinham dinheiro. Os que podiam sair ou comprar terreno saíam. Mas, era a minoria que estava em condições de sair. A maioria não tinha recursos. Estavam todos apreensivos. Os policiais percorriam a favela insistindo com os favelados para sair. Só se ouvia dizer o que será de nós?
São Paulo modernizava-se. Estava destruindo as casas antigas para construir arranha-céus. Não havia mais porões para o proletário. Os favelados falavam, e pensavam. E vice-versa. Até que alguém sugeriu.
- Vamos falar com O dr. Adhemar de Barros. Ele, é um bom homem. E a Leonor, é uma santa mulher. Tem bom coração. Tem dó dós pobres. O Dr. Adhemar de Barros, não sabe dizer não à pobreza ele é um enviado de Deus. Tenho certeza que se nós formos falar com o Dr. Adhemar de Barros, ele soluciona o nosso problema.
E assim os favelados acalmaram. E dormiram tranquilos. Ainda não tinham ido falar como Dr. Adhemar de Barros. Eles confiavam neste grande líder. Reuniram e foram. E foram bem recebidos pelo Dr. Adhemar que não faz seleção. E abria as portas do palácio para a turba. Foi por intermédio do Dr. Adhemar de Barros que o Zé povinho conheceu as dependências dos Campos Elísios. Citaram ao Dr. Adhemar os seus problemas angustiosos.
- Dentro de 3 dias eu arranjo lugar para vocês.
E o Dr. Adhemar que não decepciona que tem noção de responsabilidade das palavras conferenciou com o Dr. Paulo Lauro que era o nobre perfeito de S. Paulo e resolveram instalar os favelados às margens do Rio Tietê, no bairro do Canindé. E ficou ao cargo do patrimônio colocar os favelados. E começou a transferência. E os favelados mais de mil pessoas só falavam no Dr. Adhemar. Enalteciam o Dr.
Os terrenos eram medidos por um fiscal. 6 de frente, 12 de fundos. Uns ficava contente, outros achava que era pouco. O grave problema. A água para beber. Para lavar usávamos o Tietê. Os vizinhos não queriam dar água. Quem tinha torneira no jardim chegaram até arrancar o cano para não nos dar água.
Nós estávamos com sorte. Os cargos políticos eram ocupados pelo Partido Social Progressista. Já denominado o Partido de Deus. O partido dos homens filantrópicos surgiu o Dr. Armando de Arruda Pereira parece que ele foi vacinado com o sangue de São Vicente de Paula. Era filantrópico compreensível isento de orgulho. Mandou instalar uma caixa d’água para os favelados. Que bom quando vimos a água jorrar.
Quantas pessoas que moravam em casas de tijolos invejava os favelados dizia que nós éramos favorecidos pelos políticos. No início isto aqui era um primor. Todos os dias, chegava um barracão. Não havia divergência. Reuniram cotizavam e instalavam a luz. Quem tinha rádio tocava e a favela era mais alegre. Eu morava na rua Riachuelo. A casa foi demolida eu passei a residir no Hotel. Todas admirava. Dizia: grã-fina!
Às vezes eu empregava, dormia nos empregos. Não procurava quartos. Era a crise de habitações. E quando eu não tinha dinheiro dormia no albergue noturno. Nem sempre os bons ventos me favoreciam. Resolvi ir no patrimônio pedir um lugar aqui na favela. Eu ia ser mãe. E conhecia a vida infausta das mulheres com filhos e sem lar. Vi muitas crianças morrer ao relento nos braços das mães.
Fui feliz. Ganhei. No início eu fui morar com o casal que bebiam. Todos utensílios cheiravam álcool. Eu trabalhava numa pensão. Quando eu chegava em casa estava exausta dormia. Enquanto eu dormia eles vasculhavam meus bolsos. De manhã, eu não tinha dinheiro para condução.
Eu queria fazer o meu barracão e não tinha dinheiro para comprar tábuas. Estavam construindo a igreja Nossa Senhora do Brasil. Eu resolvi pedir umas tábuas para monsenhor Carvalho. Ou seja o padre João Batista de Carvalho. Ele deu-me e eu não tinha dinheiro para pagar condução. Carreguei as tábuas na cabeça da Avenida Brasil até o ponto final do Canindé.
Todas as noites eu dava duas viagens. Eu ia de bonde, e voltava a pé com as tábuas na cabeça. Três dias eu carreguei tabuas dando duas viagens. Deitava as duas horas da manhã. Eu ficava tão cansada que não conseguia dormir. Eu mesma fiz o meu barracãozinho. 1 metro e meio por um metro e meio. Aquele tempo eu tinha tanto medo de sapo. Quando via um sapo gritava pedia socorro. Quando eu fiz o meu barracão era um Domingo. Tinha tantos homens e nenhum auxiliou-me. Sobrou uma tábua de quarenta centímetros de largura. Era em cima dessa tábua sem colchão que eu dormia.
Sempre fui muito tolerante pensava melhores dias há de vir se Deus quiser. Comecei preparar o enxoval do meu João José. Fazia o tratamento pré-natal no Hospital das Clínicas. Eu sentia tonteiras e caía meia inconsciente. Alguns passavam e não me olhava. Outros fitava-me e dizia.
- Negra nova podia e pode trabalhar mas prefere embriagar-se.
Mal sabiam eles que eu não me sentia bem, alimentação deficiente, aborrecimentos morais, e físicos. Quando eu me sentia em condições de aguentar-me de pé levantava e prosseguia. Às vezes eu ia na Igreja Imaculada pedir pão. Quantas vezes a criança debatia no meu ventre. Quando eu chegava no meu mísero barraco deitava.
Os vizinhos murmurava. Ela é sozinha. Deve ser alguma vagabunda. É crença generalizada que as pretas do Brasil são vagabundas. Mas eu nunca impressionei-me com o que pensam ao meu respeito. Quando os engraçadinhos quiseram dizer-me graçolas, eu disse:
- Eu sou poetisa. Peço respeitar-me mais um pouco.
- A senhora não bebe?
- Não! E reprovo os que bebem. E odeio os que me oferece bebidas. O meu estomago é fidalgo não vou deturpá-lo com tóxicos.
Ninguém aborrecia-me. Dia 27 de janeiro de 49 percebi que estava prestes a ser mãe. Pedi a D. Adélia minha vizinha que entendia de parto para me fazer companhia. Disse:
- Não posso!
E eu gostava muito dela. Tudo de bom que eu tinha casa eu dava, como peixe tudo que eu comprava dividia com ela. Diante de sua recusa o meu afeto por ela arrefeceu. Eu gemia. E nenhuma vizinha interessou-se por mim. A extinta Marina do Adalberto condoeu-se, vendo-me ali sozinha e Deus. Chamou assistência e levou-me para o Hospital das Clínicas. Eu estava matriculada lá. Aceitaram-me. As dores multiplicava-se passei três dias no estertor. Dia 1 de Fevereiro de 1949, as cinco horas o menino nasceu. A parteira D. Amélia apresentou-me o menino e disse:
- Olha aqui o seu zolhudo!
Os médicos aproximaram para saber se o parto foi normal. Quando o sol surgiu, eu estava livre da agonia. Olhei a parteira perguntei-lhe como a senhora chama?
- D. Amélia!
- Vou trazer uns frangos, uns frangos bem gordos para a senhora.
Oh! se os médicos e parteiras, e as enfermeiras recebessem o que lhe prometem os doentes. E eu não cumpri a promessa. Não esqueci. É que eu nunca tenho dinheiro disponível para dar presentes. Permaneci vinte dias no Hospital das Clínicas. Fui muito bem tratada. E aqui na favela circulava um boato que eu tinha falecido. Quando cheguei encontrei uma mulata no meu barracão. As curiosas vieram ver o menino. Umas dizia.
- Ele vai ser um cachaceiro ou então vai ser um Dr. porque a mãe dele só fala em Drs.
- É precisa batizá-lo!
Quando a D. Amélia sugeriu que eu devia dar o menino para o senhor José Nogueira batizá-lo. E dia 18 de abril de 1949 batizamos o menino. A D. Adélia tomava conta do menino para eu ir catar papel. Eu pagava 10 cruzeiros por dia. Mas quem deve cuidar do filho é a própria mãe. Mas eu preciso, tolerava. Um dia eu pedi a D. Amélia um pouco de gordura. Ela disse:
- Pois sim!
Eu pensei: como a senhora é. Só quer receber. E nunca mais lhe dei nada! Eu mesma passei a cuidar do meu filho. Ela ressentiu-se com minha ausência. De vez enquanto eu lhe encontrava, na residência do meu compadre José Nogueira. Um dia eu passava o terno de linho do meu compadre. Quando eu olhei o meu filho que estava deitado ele estava prestes a cair. Eu saí correndo para ampara-lo deixei o ferro ligado perto do terno. Queimou-se. Eu notei o descontentamento. E jurei não mais passar roupas para eles.
No princípio que passei a residir aqui na favela, eu espantava-me quando via a rádio patrulha ou uma discussão. A primeira briga que presenciei na favela, foi quando a Joana jogou água quente no rosto de seu companheiro Germano. Pensei: que coragem jogar água quente no rosto de uma pessoa! E se queimar a vista? Será que estas pessoas não sabem dominar seus impulsos? Não tem nervos educados? Depois fui habituando-me com as atrocidades dos favelados. A noite sempre havia bate-fundo. Eu queria saber se o senhor Germano estava melhor. Mas, eu não tinha intimidade com eles. Mas ouvia as mulheres dizer que ele saiu correndo e foi banhar o rosto no rio. Que o homem chorava altas horas da noite.
Sempre a gente despertava com um grito de socorro. Era mulheres apanhando dos esposos. No outro dia as vezes eu interferia como conselheira depois, vendo que não obtinha resultados com os meus conselhos, deixei de imiscuir. O meu João José tinha 6 meses. Eu catava papel no bairro da luz. A casa tra-lá-lá me dava papel. O seu Mello da livraria muito educado e muito bom e outros.
Quando conheci um espanhol, por nome Antônio Garcia todos me dizia que ele era um bom homem. E várias pessoas aconselhou-me para viver maritalmente com ele. Que eu não ia arrepender-me. Ele vendia linguiça. E era conhecido como “O linguiceiro. Ele me dava muita linguiça... Depois fui aborrecendo. Quando ele me dava linguiça eu distribuía com os vizinhos.
Eu deixava o menino sozinho e Deus no barracão e de manhã eu saía para catar papel, o depósito era na rua Joaquim Murtinho. Eu recebia o dinheiro e vinha correndo. Eu dizia para o dono do depósito:
- Pesa o meu papel depressa porque os meus seios estão cheios de leite.
E o leite doía-me. Às vezes transbordava.
Um dia surgiu um preto e sua companheira fizeram o barracão perto do meu. Cobriram o teto era de papelão. E naquele tempo chovia quase todos os dias. Era pior barracão mais humilde da favela. Mas, quando o preto saía a rua tinha aspecto de Dr., ternos de linho ótimo relógio anéis de ouro. etc. Todos lhe chamavam de Manolo. Um dia por motivos fúteis insultaram-me, e discutimos. No outro dia o meu filho amanheceu evacuando verde. A D. Adélia disse:
- Ele mamou leite raivoso.
Eu quis saber o que era leite raivoso. Ela explicou-me dizendo que havia discutido e quem amamenta não pode exaltar.
O linguiceiro vinha sempre as segunda e quartas. E eu lhe recebia amavelmente. Mas não contava os aborrecimentos que as mulheres da favela infligiam-me. Ele repreendia-me. Para eu não ir na residência do meu compadre. Dizia:
- Eles te exploram.
Eu carregava água, ia fazer compras tudo que a comadre me mandava fazer, eu fazia.
Um dia, eu disse ao espanhol que é o linguiceiro mas eu lhe chamava de espanhol.
- Eu vou ser mãe. E você precisa me dar dinheiro para eu erguer um barracão.
Como é que eu vou ter mais um filho neste barracão de 1 metro e meio de largura não tinha espaço. Oh! Eu não posso! Ele me dava só vinte cruzeiros por semana. Dizia você ganha mais do que eu. Revoltei interiormente. Noutro dia eu levantei decidida. Fui trabalhar com o objetivo de arranjar dinheiro para eu erguer o barraco. Eu estava catando papel para o Estefenson. Eu catava papel das sete até as 11. Quando eu ia receber ele dizia deu vinte cruzeiros. Noutro dia eu mandava mais papel. Pensava: hoje eu ganho mais. Ele dizia deu vinte cruzeiros. Passei a mandar o papel para a Rua Guarapé. O primeiro dia, ganhei 45 cruzeiros. Fiquei contente. Noutro dia 55 cruzeiros pensei: Agora sim! Posso mandar fazer o barracão.
Quando eu transitava pela rua Nestor Prado vi vários caixotes. Perguntei:
- O senhor vende esses caixotes?
- Vendo-os. Por oitenta cruzeiros a senhora pode levá-los.
Arranjei os oitenta cruzeiros paguei, e dei o endereço. O homem trouxe no seu próprio caminhão, e não cobrou o transporte. Passei a trabalhar com o dono. Todos os dias eu comprava uns caibros se ganhava cinquenta cruzeiros comprava três caibros. Se ganhava quarenta comprava dois. E assim, eu fui comprando ripas, pregos e telhas...
Precisava comprar dormentes porque os barracões tinham que ser construídos. Chovia dava enchente. E eu tinha passado uma enchente dentro d’água. O antigo barracão foi construído na terra sem assoalho passei três dias em cima da cama. Puis o fogareiro nos pés da cama comprei uma lata de carvão e ali naquela posição incômoda eu preparava minhas refeições.
Fui na estação do Brás comprar os dormentes paguei vinte e quatro cruzeiros. E para comprar os dormentes, a gente precisa ir em vários lugares. Quem fez o barracão para mim, foi o extinto Belizário e o senhor Joaquim Mathias. Eu ganhava quarenta e cinco por dia, catando papel, e pagava cinquenta cada um. Reservava o dinheiro para o senhor Joaquim Mathias. Que era o mais exaltado. Eu comprei o material do Senhor Eduardo seis caibros e uma porta a crédito para pagar depois. Ele disse:
- Você paga os outros primeiro eu espero!
Um dia o senhor Joaquim Mathias veio cobrar-me. Quando lhe entreguei o dinheiro, ele sorriu.
- Muito obrigado D. Carolina! A senhora é uma mulher e tanto. E preta de primeira. Não é preta de segunda categoria. Quando a senhora precisar de mim, eu estou as ordens. A senhora não quer entrar? Venha tomar um cafezinho D. Carolina!
Mas eu jurei não mais ocupar o senhor Joaquim Mathias pra nada. No outro dia era sete horas quando recebi a visita da tal D. Guiomar. Irmã do senhor Belizário. Veio cobrar-me. Gritou. É habito das mulheres da favela gritar quando falam.
- A senhora precisa pagar meu irmão! Pagou todos, e ele é doente. Trabalhou sem poder. Precisa receber.
O linguiceiro me dava linguiça, eu fazia macarrão com linguiça para mim e o meu filho João José. O menino chorava quando comia o macarrão porque a linguiça tinha pimenta. Mas, eu não podia comprar banha. Às vezes eu encontrava o senhor Eduardo Pêra no empório ele comprava leite para meu filho.
Resolvi arranjar um emprego que me aceitasse com o menino. Fui na rádio Piratininga o Chico Carretel anunciou e me apareceu um emprego. Fui tratar deixei meus documentos como penhor. Trabalhei oito dias fui despedida. Achavam que eu, e o menino dava prejuízo. Percebi que eram novos ricos. Continuei catando papel. Todos os o que ganhava recebia.
Um dia, eu estava indisposta, não queria sair. Depois decidi fui a pé.
Quando cheguei na estação da luz achei um relógio. Era sete horas no relógio da luz. Era sete horas no relógio que estava no chão. Passei a usar relógio. Alguns perguntava.
- Você achou este relógio no lixo?
Quando cheguei na favela encontrei um bate-fundo. As mulheres falavam que o senhor Francisco Kiss tinha segurado uma senhora, para a sua esposa espancá-la. E que a vítima estava com o braço engessado. Todos os dias a rádio patrulha vinha na favela.
27 de maio de 1950 eu saí na Época. Quando os favelados viram o meu retrato no jornal ficaram abismados. Dizia:
- A D. Carolina está no jornal. O que ela fez? Roubou?
- Não! É poetisa. Está dizendo que um dia, há de ser escritora! Ah! Vou comprar o jornal para eu ver.
Foi a quadra mais hedionda da minha vida! Eu não tinha roupas não tinha agasalhos. E o frio naquela época era de estarrecer. Era a época da campanha eleitoral pra candidatura de Getúlio Vargas. E o jornal que enaltecia o extinto presidente era o Defensor, dirigido pelo jornalista Jorge Correia. Como eu era getulista pedi ao senhor Jorge Correia, se aceitava minhas colaborações. E passei a escrever no O Defensor.
(Eis o artigo) 17 de junho de 1950.
Getúlio será presidente. Pela redação a dentro num gesto sincero e espontâneo chegou até nós a senhora Carolina Maria inspirada poetisa negra, em os retoques e ilustrações exigidos pela cultura que veio trazer seu testemunho até nós de gratidão, e veneração pelo insigne estadista Getúlio Vargas. Em poucos momentos escreveu o artigo abaixo e alguns versos que transcrevemos.
“Nobre povo brasileiro, para eliminarmos a prepotência dos políticos sem noção devemos unirmos e votar incondicionalmente no ilustre e nobre senador Getúlio Dorneles Vargas. Precisamos do homem, de sua têmpera de capacidade indiscutível e larga tirania política para dirigir o futuro do nosso pais tão sacrificado pela incompetência dos políticos irresponsáveis. O nosso Brasil está necessitando de um homem para dirigi-lo, e não deixá-lo a mercê dos gananciosos que dia-a-dia aumenta os preços dos gêneros de primeira necessidade. E abusam da minguada bolsa de um povo quase faminto. O nosso Brasil é um pais rico e fecundo, capaz de produzir de tudo não havendo nenhuma necessidade de espantoso custo de vida. O preço exorbitante da vida atual nos leva a recordar com saudade os dias das eleições presidenciais. Assim seja, quinze anos de governo, do ilustre Getúlio Vargas. Quando então, tínhamos tudo em abundancia e por preço mais em conta. Apesar da guerra.
Hoje vivemos apertados, ou espremidos no torniquete dos tubarões... Os filhos dos operários não tem infância. Não tem brinquedos. Não tem distrações e tão logo terminem os cursos primários são obrigados a trabalhar nas fábricas, onde muito cedo perdem os sonhos tão próprios da puerícia. Muitos se esforçam para estudar, mas desanimam e interrompem os estudos quando sentem a penosa e embaraçosa situação, seja pela dificuldade financeira com que lutam. Seja pelo grande esforço físico dispendido.
O estudante não tem proteção. Não tem desconto nos livros didáticos. As taxas escolares aumentam extorsiva mente. É preciso interessar pelo jovem pobre que estuda, auxiliando-o, pois, precisamos que garantam um futuro melhor para nossa terra. Essas razões e inúmeros outros problemas é que nos impele a almejar um governo democrático imbuído da essência da alma nacional. Que realize apenas o bem-estar da coletividade. Não oprimindo o seu já tão martirizado povo.
O Brasil sem presidente Vargas anarquizou-se ao extremo. O presidente Dutra só nos tem causado decepções apesar de nele havermos depositado toda nossa confiança. Qual foi o decreto do presidente Dutra que favoreceu os pobres?
O aumento da carne do café e do pão, dos víveres, dos aluguéis de casa etc. Até agora só tem assinado decreto oprimindo o povo em favor dos tubarões. Não devemos e nem podemos votar nesses políticos inconscientes. Devemos dar nossos votos ao grande e inesquecível Getúlio Vargas. O maior dos brasileiros a quem conhecemos e em quem o Brasil muito confia. Ele pertence ao núcleo dos inteligentes e observadores que medem suas palavras e não enganam os que lhe depositam confiança. Nós, os humildes pobres operário de cor ficamos imensamente satisfeitos com a candidatura do eminente estadista a quem tanto devemos. Se Deus quiser ele voltará.”
Findando o que havia transcrito a senhora Carolina Maria dedicou ao senhor Getúlio Vargas os seguintes versinhos.

“É orgulho da nossa gente
É opinião Brasileira
Que temos um presidente
Que honra a nossa Bandeira

Getúlio heroico e potente
Grande alma Nacional
Devia ser presidente
Desde o tempo de catedral

Getúlio é competente
Para guiar a Nação
Foi um grande presidente
Deixo minha impressão

Nas minhas orações peço
Ao bom Deus, justo e potente
Para ter breve regresso
O Getúlio a presidência

Carolina Maria”

Eu estava gestante. E não podia auxiliar o nobre senhor Jorge Correia. Quem escrevia era o senhor Ribeiro, Nelson Branco Ribeiro, Jorge Correia, Luiz Brasil e D. Luzia, esposa de Jorge Correia que as vezes levava eu para o edifício América onde era a redação. Notava o caso de D. Luzia. Mas ela não se abatia. O seu interesse era a vitória de Getúlio Vargas. Pensei. Para grandes esforços grandes recompensas. Será que o presidente Vargas ira recompensar estes colaboradores?
O Senhor Jorge Correia, aceitaria qualquer colaboração. O Luiz Brasil me falava de sua esposa que não sabia ficar longe dela. E assim fiquei conhecendo o grande compositor Peter Pan. Que é o senhor Luiz Brasil. Escrevi outro artigo no O defensor em 23 de junho 1950.
“O minha filha querida
parabéns, pois vais casar!
Queres ser feliz na vida
Ouça-me o que vou citar

Dizem que é a mulher
Que faz feliz o seu lar
É feliz se ela souber
- Viver, e pensar

Trate bem o seu marido
Com toda dedicação
Não o deixes aborrecido
Não lhe faças ingratidão

Se o teu marido falar
Não te custa obedecer
O que se passa no lar
Ninguém precisa saber

Se teus filhos, dá-lhes prazer
Enquanto são meninos
Porque depois de crescer
Ninguém sabe seus destinos

Conforma-te, e não protesta
As agruras de pobreza
Ser pobre e honesta
É uma grande riqueza

Seja muito carinhosa!
E agradável no falar
Uma mulher nervosa
Não prende o esposo no lar

Seu esposo deves honrar
O matrimonio, é ato sério
A vaidade, faz a mulher transviar
A sociedade, reprova o adultério”

Não mais fui na redação. Faltava dois meses para eu ser mãe. Já andava com dificuldades. Deixei de colaborar na candidatura Getúlio Vargas. Mas desejava o seu retorno. De manhã eu ia catar papel já andava com dificuldade. Mesmo assim, eu consegui dinheiro e mandei ligar a luz. Paguei cento e vinte de depósito e passei a pagar dez cruzeiros por lucro. Eu saia um dia sim, um dia não. Dia 6 de agosto, eu fui para a maternidade.
Era Domingo. Olhei o relógio era quatro horas pensei. É melhor eu sair agora. Se eu deixar o dia surgir estas faveladas entram aqui dentro do barracão e começam aborrecer-me. Vesti e sai. Tomei o bonde e fui para cidade. Quando cheguei na estação da luz a dor aumentou-se e eu comecei gemer. O condutor Pedro perguntou-me:
- O que tem?
- Eu vou para a maternidade! Olha as roupinhas para trazer a criança.
Ele gritou:
- Toca o bonde!
E o bonde seguiu rápido como flecha. Quando cheguei no largo São Bento eu não mais pude descer do bonde. E o senhor Pedro queria me ver fora do bonde.
Dizia:
- Desce! Desce. Desce.
Eu, gemendo. Desci. Deis uns passos e sentei. Um senhor que residia aqui na favela chamou um taxi pagou para levar-me para maternidade. Dentro do carro eu já não podia sentar. Quando cheguei na maternidade São Paulo receberam-me. E a parteira perguntou-me:
- A senhora veio sozinha?
- Eu vinha de bonde. Quando cheguei no largo São Bento, a dor aumentou-se e um senhor pagou o carro para mim.
 Quem vai para maternidade não pode ir sozinha. Precisa vir acompanhada. Olhou-me e perguntou-me:
- A senhora não é louca?
- Não. E nem pretendo enlouquecer-me.
Levei uns jornais e umas revistas para eu ler. A enfermeira disse:
- Eu nunca vi ninguém ler com dor de parto.
Uma hora o bebé surgira. A parteira disse:
- É homem.
Fiquei contente. Exclamei:
- Agora tenho dois homens.
E pensei no João José que tinha ficado com a Florenciana. Ela cobrou cem cruzeiros, para olhar o menino. Permaneci quatro dias no hospital. Quando cheguei aqui na favela eu soube que o Cyrillo tinha espalhado que eu tinha tido filho no bonde. Pensei. Até os homens de favela são mentirosos.
As curiosas, vieram ver o menino. Eu não tinha nada para comer. Fui na Rua dos Gusmões na livraria José Olímpio, e pedi cinquenta cruzeiros ao Seu Mello. Eu lhe escrevi um bilhete nestes termos: Seu Mello depois de vasculhar meus pertences vi que o que eu tenho é apenas sal. Como não estou em condições de trabalhar vim pedir ao senhor cinquenta cruzeiros emprestados. Ele deu-me o dinheiro. O Seu Mello já sabia que era poetisa. Ele leu meus versos no Defensor.
Dois dias depois, o espanhol veio ver o menino. Achou que parecia com ele, e foi a primeira vez que ele me deu cinquenta cruzeiros. Disse para eu registrar o menino no meu nome. E pôr o nome de José Carlos. Fiquei apreensiva precisava comprar leite em pó para o menino. Talco, açúcar, e outros pertences. E os cinquenta cruzeiros, não dava! Quando completei dez dias de dieta fui trabalhar.
Pus uma cinta, saía às 6 da manhã e voltava ao meio dia. Vinha pensando no menino. Meus seios doía de tanto leite. Chegava, abluía-me, e dava de mamar o menino.
Arranjei uma mocinha para olhar o menino até eu voltar. E passei a trabalhar mais sossegada. Todos dias eu lhe dava dinheiro. Ela comprava álcool. Mas o menino ela olhava bem. Minha vida piorou porque todos os dias eu lhe dava dinheiro e não guardava um centavo. Mas mesmo assim, eu ia tolerando porque ela trocava o menino e lhe dava mamadeiras na hora certa. O espanhol me dava apenas níquel e linguiça. Um dia, eu exaltei. Eu não fiz promessa de comer linguiça todos os dias. Eu preciso e de dinheiro para alimentar o seu filho. Percebi que não adiantava insistir.
Apelei pelas minhas forças. Trabalhava em excesso. O seu Mello disse:
- Não arranja mais filhos. A senhora luta muito.
Dei-lhe meus cadernos de poesia para ele ler. No princípio tinha vergonha de catar papel. Quando comecei achar anel de ouro e outros objetos de valor no lixo, comecei interessar pelo oficio mas, a gente precisa fazer qualquer serviço para ganhar e custear a vida. Quando eu exibia os objetos que encontrava no lixo, a minha péssima vizinha disse:
- Ela roubou.
E por isso começamos discutir. E o título que não aprecio é o de ladra. E a Leila passou a insultar-me. Eu sempre tive linha. Não sou muito comunicativa na favela para ver se estas faveladas respeita- me. Aqui na favela residia uma louca por nome Segunda. E um dia a D. Francisca Kiss que então já era denominada a Lampeã da favela espancou-a a pobre demente, lhe rasgando as vestes. Era eu que defendia a pobre Segunda. Penso que quem discute com louco é a mesma coisa que discutir com um defunto. Vários jovens disseram-me:
-Dona Carolina a senhora não quer nos ensinar a ler? Nos lhe pagamos.
-Pois não.
Arranjei uns cadernos e comecei lecionar. Para mim, era um prazer ser útil aos favelados. Eu arranjei dois alunos. O Raymundo e o José Preto. O Raymundo já sabia ler. Já conhecia as letras. O José Preto é que não sabia nada. E não decorava nada mas, eu persistia. Lia para ele ouvir-me. Percebi que ele não interessava pelas lições. Um dia ele disse-me:
- Sabe dona Carolina, eu queria amasiar com a senhora. Mas, como a senhora não sai a noite, não para nas esquinas, anda sempre correndo, eu pensei:
- Eu peço-lhe para ensinar-me a ler e só assim terei a oportunidade de lhe falar.
Disse-lhe que não! E no outro dia, os alunos não vieram. Continuei a minha vida atribulada. Adquiri o hábito de andar depressa porque quando eu saía deixando os meninos e precisava retornar logo para preparar-lhes as refeições. Em março de 1951 eu comprei um rádio. Quando o espanhol viu o rádio ficou admirado. Eu lhe pedi dinheiro para comprar um ferro elétrico.
- Vamos ver!
Foi a resposta indiferente. Mas eu sabia que se eu fosse esperar por ele, nunca eu teria ferro. Quando ele apareceu encontrou o ferro. Eu tinha comprado cinco quilos de toucinho. Ele disse:
- Você podia aprender economizar.
Quando eu tinha casa o espanhol dava-me algum dinheiro, duzentos cruzeiros. E quando eu não tinha nada, ele não me dava um centavo.
Em 1943 no mês de abril a Leila fundou um Centro Espirita. Mas a seção iniciava as sete da noite e terminava as 3 da manhã. Gritavam. Choravam. Bebiam. Dançavam. Eu reclamava. Pedia ao Manolo para nos deixar dormir.
Eles exaltavam e ameaçavam espancar-me. Quem frequentava o Centro Espirita eram a Aparecida e sua mãe Guiomar. Faziam seção durante o dia. Elas não trabalhavam. Dormiam durante o dia. E eu, e outras que tínhamos que trabalhar é que sofria. Eles mandavam buscar bebidas. E a fama de Leila começou circular, que ela consertava vidas. Que arranjava empregos. Que retirava espíritos e a fama do centro espírita da favela foi medrando. Começou surgir pessoas de todos lados. Os meses passavam e o centro não nos deixava em paz. Aqui na favela é assim.
As mulheres falavam na ausência. E eu, sou diferente falo diretamente. Em maio de 43, dia 27 eu saí no Última Hora. Como eu disse que havia feito meus estudos no colégio Allan Kardec, surgiu várias pessoas procurando-me para ir nos centros que eu era média, que precisava frequentar sessões para desenvolver. Mas, eu nunca acreditei nas religiões criada pelo homem. Creio no catolicismo criado por Jesus Cristo. Depois a única religião onde os milagres manifesta é no catolicismo. As pessoas que santificam, eram católicos fervorosos. E o título mais distinto é “Santo”! É um título doado pela Natureza.
A D. Guiomar um dia falou-me de espiritismo no colégio Allan Kardec. Porque era obrigatório o estudo mas não fascinei-me... Dei preferência a religião de meu avô. A tal D. Guiomar é metida a dominar. Quis exercer seu domínio sobre a minha pessoa mas não lhe dei muita confiança lhe evitava. E assim surgiu nossa divergência.
Em agosto eu não mais podia suporta a fraqueza por não dormir. Não era só eu quem sofria. A D. Julieta também. Dia 18 de Novembro resolvi chamar a rádio patrulha. Era duas horas, até as crianças estavam despertas. O barulho havia multiplicado. A tal Leila quis penetrar no meu barracão para espancar-me. A polícia nos levou. Eu levei meus filhos. Eles tremiam de frio. Levei todos documentos. Pediram um carro de preso. Demorou surgir.
E enquanto esperávamos o carro trocávamos insultos. Os guardas pediram o carro com urgência que os detidos estavam turbulentos. E estação da rádio patrulha perguntou se precisava auxilio. O guarda disse que não. Um guarda noturno que transitava vendo o outro sozinho resolveu auxiliá-lo. O guarda nos mandou andar e esperamos o carro de preso na rua Padre Vieira. Fomos andando. Eles diziam que o centro Espírita, era útil. Eu disse que o que eu achava no seu centro, é Espírito de porco, para nos perturbar, para não nos deixar dormir.
- Vocês não trabalham, podem dormir até tarde são uns animais que não tem problemas. Não pensam em mudar o curso de vida.
Assim que surgiu o carro de preso entramos. Era duas horas da manhã. A noite estava tépida. Os guardas civis, educados e compreensíveis mandavam eu sentar na frente com os meninos. Quando chegamos na central o delegado disse:
- O Centro Espírita é vadios tem que ir para o gabinete.
Fiquei contente pensando: Agora eles ficam lá uns dias, depois a polícia deporta-os E pensei: No Amazonas mandar estes turbulentos para as florestas virgens. Que ótimo manjar para os índios antropófagos. Os guardas nos mandaram entrar no carro de preso.
Assim que chegamos eu dei a queixa e assinei um papel. E não vi mais os médiuns espiritas. Fiquei com dó só do Manolo. Um preto estiloso. E era sábado. Pensei: Ele gosta tanto de baile! Eles eram oito Amir Castilho, Zerico, Binidito, Manolo e os médiuns. Quando cheguei na favela era seis horas. Deitei e dormi.
Quando abri a porta vi a Dona Julieta Castilho lavando roupas. Dirigiu-me um olhar furioso. Eu disse:
- O seu filho foi preso porque quis. Ele não pode ver briga fica meio louco. Tudo fiz para impedi-lo. O irmão de Amir Castilho esforçou-se para leva-lo para dentro de casa.
Enquanto eles estavam presos, que sossego na favela! Que noite gostosa! Quem reside em favela a noite que dorme dá graças a deus. Os favelados agitam-se. Quando a Leila sair ela vai ver! A Leila é a Lampiã, a Leila é o Pancho Villa, A Leila é o Diaguinho. Mas, eu não temia. Fiz tudo para ver se conseguia deportá-los. Mas foi abolida e deportação. Saíram segunda-feira à noite. A Leila e seu companheiro foram buscar os filhos. Assim que chegavam com as crianças disseram-me esta negra me paga!
- Se vocês estão decididos a lutar, vamos já! O que tem que fritar antes de assar já põe direto na brasa. Se vocês estão quente, eu estou fervendo.
O Binidito veio insultar-me. Ele e o Amir Castilho. A Dona Julieta Castilho queria que seu filho espancasse-me. O Manolo interviu e foram dormir. A Leila decepcionou os favelados. Perdeu o seu brasão de violenta. Começou a conferência entre Leila, Aparecida filha de D. Guimar e Dona Guiomar. A D. Guiomar era instigadora. Dizia:
- Isto não pode ficar assim! Temos que dar um jeito.
E foram na segunda delegacia na Rua Correia de Mello dar queixa. E disseram ao Dr. Binidito de Carvalho Veras que eu lhes insultava. E era mentira! Era vice-versa. Eu estava gestante esperando o terceiro filho, tinha muitas dores, e tonturas e náuseas seguindo indisposição. Às vezes eu recebia intimação e não ia.
As varizes doíam demais impedindo-me de andar. Eles compareciam. E eu não. Eu ia deitar. Trabalhava em excesso. Elas prevaleciam de minha ausência para variar.
Dizia para o Dr. Binidito de Carvalho Veras.
- Ela disse que não vem que é poetisa. Que tem cartaz com a polícia.
Eu recebia outra intimação. A Florenciana dizia vai Carolina. O delegado disse que vai mandar um carro de preso para te levar. Eu já estava cheia de ouvir o disse-disse. Fui e levei meus filhos. O Dr. Binidito de Carvalho Verás disse:
- Quando eu lhe mandar chamar, venha! A senhora comigo não tem cartaz. A senhora anda dizendo que tem cartaz com a polícia.
- Tenho muito senso. Sou poetisa. E o poetas não diz futilidade.
- A senhora é turbulenta, anda perturbando estas senhoras honestas. Sem-vergonha!
- O senhor é o primeiro homem no Brasil que me chama de sem-vergonha. Sua fraca opinião não me abala.
- Prende ela Dr. - ouvi alguém dizer no interior da casa. Meus filhos subiam em cima dos bancos. O Dr. Binidito de Carvalho Veras disse:
- Que crianças sem educação.
- A idade deles não lhes permite senso. Eles estão habituados, ir nas redações, e os jornalistas estão habituados, estão ao lado, de pessoas educadas.
A Leila disse:
- Sabe Dr... ela disse porque a polícia não prende o Sete Dedos?
- Eu disse dr. O poeta não nega o que diz!
- Vai embora. Eu não gosto da senhora.
Vim embora. A Guiomar espalhou na favela que o Dr. Binidito de Carvalho Veras maltratara-me e enquanto o Dr. maltratava-me eu ia escrevendo para passar no meu diário. Toda semana elas iam dar queixa contra minha pessoa. E o Dr. Binidito de Carvalho Veras dizia:
- Faça um abaixo assinado e vamos obrigá-la assinar um termo de bem-viver.
Pensei: Eu tiro meu atestado de antecedentes peço assinaturas nas casas que trabalhei, aos jornalistas que me conhece, os de São Paulo, e Rio de Janeiro e envio para o Ministro da Justiça e processo estas caluniadoras exijo indenização em dinheiro!
O desejo da instigadora Guiomar era me ver no cárcere. As mentiras de Guiomar eram infindas que eu disse que as filha Aparecida era meretriz. Quem aprovava tudo era Leila a inimiga do trabalho. Depois transferiram a delegacia para Rua Itaqui e elas pararam com as intrigas.
Dois meses depois, tive a minha filha Vera Eunice. Nasceu dia 15 de julho de 1953. Quem assistiu-me foi a Florela e D. Maria Puerta. Depois do parto, eu fiquei na cama. A. D. Zulmira deu-me de comer para mim, e meus filhos. Não apareceu uma mulher para auxiliar-me carregar uma lata d’água, ou lavar minhas roupas.
Foi o dia que passei uma sede horrível, não podia levantar para tomar água. Meus filhos ficaram sujos, e toda hora vinham na minha cama pedir pão. Eu tinha uns pedaços de pão duro que eu havia catado no lixo, descascava os pães, e dava para eles comer. O pai de minha filha apareceu, mas não me deu um tostão. Disse que estava residindo no Rio de Janeiro, para eu não procurá-lo. E eu pensava. Se eu tivesse tido essa criança no Butantã, quem sabe se as cobras auxiliava-me. Entre os animais talvez, existe solidariedade.
E pensei na Joana do Germano quando tinha filho eu lhe lavava as roupas. E o Germano me deu uma garrafa de cerveja. Na Theodora. Conhecida por Darça. Também fui eu quem lhe lavei as roupas. Até fiquei admirada porque ela tem mãe, irmã e a tia Guiomar. Quando a filha dela nasceu veio pedir para eu lavar roupas pensei. Puxa! Ela tem mãe! Que espécie de mãe e essa? Fui buscar as roupas e ela disse-me:
- Ninguém tem feito nada para mim. Se eu quis comer tive que fazer.
Pensei: Esta também devia ir para o Butantã.
A Sílvia quando teve filhos e eu lhe lavei as roupas. E o seu esposo, o cínico Antônio de Andrade disse que havia roubado sabão. Relembrei tudo isto. Ninguém apareceu a porta dormiu aberta. Os meninos não sabiam fechar. Foi a primeira vez que meus filhos dormiram sem tomar banho. No outro dia eu levantei. Fui buscar água. As mulheres diziam:
- Credo! Faz mal. Você e louca?
Pensei: Estas falastronas. Só servem para dar palpite. De tanto falatório fiquei com dor de cabeça. Mas jurei nada fazer para os favelados. O pior problema era alimentação. A recém-nascida choramingando. Os dois filhos pedindo comida.
Pedi as mulheres da favela que amamentava, para dar mamar a minha filha.
-Não posso! Não tenho!
Pensei: Se fosse para presenciar uma briga ou falar mal de alguém, elas tinham tempo. Voltei pra casa fiz um mingau de fubá. Puis gordura adocei e dei uma colherada para a menina, a boca era tão pequenina precisei usar uma colher de café. A menina dormiu. Pensei num velho proverbio: O que não mata, engorda.
Fui lavar minhas roupas. Começaram o falatório.
- Eu nunca vi ninguém ter filho num dia, e levantar no outro.
- A senhora não tem medo?
- A senhora não é louca?
Eram tantos palpites. Não tinha nada para eu comer. E estava tonta. Fui no depósito que cata papel e pedi cem cruzeiros. Ficaram admirados, não faziam nem quarenta e oito horas de parto. Todos admiravam dizendo:
- Que mulher forte!
Eu quase não podia andar de fraqueza. Foi a fome que impeliu-me a levantar.
Comprei uma lata de leite em pó, açúcar, e um bico de mamadeira. Quantas pessoas que me viam corriam ocultavam-se com receio de lhes pedir dinheiro emprestado. Fui na Avenida. A senhora de um tenente me deu uns pedaços de pão, e um pouco de arroz e feijão. Seis dias depois fui catar papel. Cansei. Sentei.
Tive desejos de chorar. Pensei: As lágrimas não solucionam as dificuldades.
A D. Nair O. Barros foi quem deu-me dois colchões senão, eu tinha que dormir em cima das tábuas. Lembrei de D. Nair eu fui lhe pedir açúcar emprestado. Ela deu-me pão macarrão arroz e açúcar. Quando eu comia me dava sono. Pensei pedir qualquer coisa a mãe do Dr. Fausto Bornidino. Ela é filantrópica mas, fiquei com vergonha. Não tenho jeito para mendigar.
Quando a menina tinha 11 dias eu fui ao juiz pedir para obrigar o pai dela lhe dar pensão. Atendeu-me Dr. Valter Aynhêre. Deu-me a intimação. Cheguei em casa lhe escrevi na carta: Você, é um monstro. Você tem rabo. O seu reino, é no inferno, junto como diabo. Você precisa lavar sua consciência. Puis a carta e a intimação dentro de um envelope e levei, e pus na caixa. A tarde ele apareceu.
Bateu na porta. Disse:
- A senhora não precisava arranjar advogado. Eu sou um homem distinto. Eu não quero ver o meu nome na polícia. A senhora retira a queixa e todos meses, eu venho lhe trazer dinheiro! Todos dias 12.
Convidei-lhe:
- Entra. Vem ver a menina!
- Ha! É menina!
Percebi seu descontentamento.
- Não entro. Estou nervoso! Eu hoje não almocei.
- Você porque não quis! E eu, por não ter o que comer!
Ele deu-me duzentos cruzeiros bruscamente.
- Você não devia ter levantado no primeiro dia de parto.
- Se eu ficasse na cama o que ia comer? A única coisa que a gente não pode transferir é a fome.
Concluímos que eu ia retirar a queixa. Comprei carne fiz uma sopa reanimei-me. Fui para o juizado. Disse ao Dr. Valter que ele havia dito que era um homem importante e que não ia faltar. Que todos os dias 12 me dava dinheiro. Para eu retirar a queixa. O dr. Valter não aceitou. Escrevo para ele que o advogado não aceitou as condições que ele expos. Aquelas viagens fatigava-me. Passei uns dias sem ir ao juiz. Resolvi esperar o dia 12 de agosto para ver se ele apareceria com o dinheiro.
O dia 12 surgiu, e ele não veio. Fui lá no juizado. Procurei o meu advogado.
- Ele já esteve aqui. Assinou o compromisso é só a senhora assinar.
Assinei. Ele disse que era operário que podia dar só duzentos e cinquentas. Passamos a discutir por correspondência. Eu lhe escrevia: você, é pão duro! Unha de fome! O dinheiro não dá, maldita hora em que te conheci. Antes tivesse conhecido o diabo, mas, quando encontrávamos nós falávamos amigavelmente. Eu dizia:
- A menina é muito bonita!
- Qualquer dia vou vê-la!
Que suplício para sair para o trabalho deixava as três crianças só e Deus. O receio de acontecer qualquer coisa funesta. Aqui na favela a gente não tem vizinho. Se acontecer qualquer coisa eles estão pronto para comentar e aumentar e não favorecem.

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