Era o fim de 1948, surgiu o dono do
terreno da Rua Antônio de Barros onde estava localizada a favela. Os donos
exigiram e apelaram queriam o terreno vago no prazo de 60 dias. Os favelados
agitavam-se. Não tinham dinheiro. Os que podiam sair ou comprar terreno saíam.
Mas, era a minoria que estava em condições de sair. A maioria não tinha
recursos. Estavam todos apreensivos. Os policiais percorriam a favela
insistindo com os favelados para sair. Só se ouvia dizer o que será de nós?
São Paulo modernizava-se. Estava
destruindo as casas antigas para construir arranha-céus. Não havia mais porões
para o proletário. Os favelados falavam, e pensavam. E vice-versa. Até que
alguém sugeriu.
- Vamos falar com O dr. Adhemar de
Barros. Ele, é um bom homem. E a Leonor, é uma santa mulher. Tem bom coração.
Tem dó dós pobres. O Dr. Adhemar de Barros, não sabe dizer não à pobreza ele é
um enviado de Deus. Tenho certeza que se nós formos falar com o Dr. Adhemar de
Barros, ele soluciona o nosso problema.
E assim os favelados acalmaram. E
dormiram tranquilos. Ainda não tinham ido falar como Dr. Adhemar de Barros.
Eles confiavam neste grande líder. Reuniram e foram. E foram bem recebidos pelo
Dr. Adhemar que não faz seleção. E abria as portas do palácio para a turba. Foi
por intermédio do Dr. Adhemar de Barros que o Zé povinho conheceu as
dependências dos Campos Elísios. Citaram ao Dr. Adhemar os seus problemas
angustiosos.
- Dentro de 3 dias eu arranjo lugar
para vocês.
E o Dr. Adhemar que não decepciona que
tem noção de responsabilidade das palavras conferenciou com o Dr. Paulo Lauro
que era o nobre perfeito de S. Paulo e resolveram instalar os favelados às
margens do Rio Tietê, no bairro do Canindé. E ficou ao cargo do patrimônio
colocar os favelados. E começou a transferência. E os favelados mais de mil
pessoas só falavam no Dr. Adhemar. Enalteciam o Dr.
Os terrenos eram medidos por um fiscal.
6 de frente, 12 de fundos. Uns ficava contente, outros achava que era pouco. O
grave problema. A água para beber. Para lavar usávamos o Tietê. Os vizinhos não
queriam dar água. Quem tinha torneira no jardim chegaram até arrancar o cano
para não nos dar água.
Nós estávamos com sorte. Os cargos
políticos eram ocupados pelo Partido Social Progressista. Já denominado o
Partido de Deus. O partido dos homens filantrópicos surgiu o Dr. Armando de
Arruda Pereira parece que ele foi vacinado com o sangue de São Vicente de
Paula. Era filantrópico compreensível isento de orgulho. Mandou instalar uma
caixa d’água para os favelados. Que bom quando vimos a água jorrar.
Quantas pessoas que moravam em casas de
tijolos invejava os favelados dizia que nós éramos favorecidos pelos políticos.
No início isto aqui era um primor. Todos os dias, chegava um barracão. Não
havia divergência. Reuniram cotizavam e instalavam a luz. Quem tinha rádio
tocava e a favela era mais alegre. Eu morava na rua Riachuelo. A casa foi
demolida eu passei a residir no Hotel. Todas admirava. Dizia: grã-fina!
Às vezes eu empregava, dormia nos
empregos. Não procurava quartos. Era a crise de habitações. E quando eu não
tinha dinheiro dormia no albergue noturno. Nem sempre os bons ventos me
favoreciam. Resolvi ir no patrimônio pedir um lugar aqui na favela. Eu ia ser
mãe. E conhecia a vida infausta das mulheres com filhos e sem lar. Vi muitas
crianças morrer ao relento nos braços das mães.
Fui feliz. Ganhei. No início eu fui
morar com o casal que bebiam. Todos utensílios cheiravam álcool. Eu trabalhava
numa pensão. Quando eu chegava em casa estava exausta dormia. Enquanto eu
dormia eles vasculhavam meus bolsos. De manhã, eu não tinha dinheiro para
condução.
Eu queria fazer o meu barracão e não
tinha dinheiro para comprar tábuas. Estavam construindo a igreja Nossa Senhora
do Brasil. Eu resolvi pedir umas tábuas para monsenhor Carvalho. Ou seja o
padre João Batista de Carvalho. Ele deu-me e eu não tinha dinheiro para pagar
condução. Carreguei as tábuas na cabeça da Avenida Brasil até o ponto final do
Canindé.
Todas as noites eu dava duas viagens.
Eu ia de bonde, e voltava a pé com as tábuas na cabeça. Três dias eu carreguei
tabuas dando duas viagens. Deitava as duas horas da manhã. Eu ficava tão
cansada que não conseguia dormir. Eu mesma fiz o meu barracãozinho. 1 metro e
meio por um metro e meio. Aquele tempo eu tinha tanto medo de sapo. Quando via
um sapo gritava pedia socorro. Quando eu fiz o meu barracão era um Domingo.
Tinha tantos homens e nenhum auxiliou-me. Sobrou uma tábua de quarenta
centímetros de largura. Era em cima dessa tábua sem colchão que eu dormia.
Sempre fui muito tolerante pensava
melhores dias há de vir se Deus quiser. Comecei preparar o enxoval do meu João
José. Fazia o tratamento pré-natal no Hospital das Clínicas. Eu sentia
tonteiras e caía meia inconsciente. Alguns passavam e não me olhava. Outros
fitava-me e dizia.
- Negra nova podia e pode trabalhar mas
prefere embriagar-se.
Mal sabiam eles que eu não me sentia
bem, alimentação deficiente, aborrecimentos morais, e físicos. Quando eu me
sentia em condições de aguentar-me de pé levantava e prosseguia. Às vezes eu ia
na Igreja Imaculada pedir pão. Quantas vezes a criança debatia no meu ventre.
Quando eu chegava no meu mísero barraco deitava.
Os vizinhos murmurava. Ela é sozinha.
Deve ser alguma vagabunda. É crença generalizada que as pretas do Brasil são
vagabundas. Mas eu nunca impressionei-me com o que pensam ao meu respeito.
Quando os engraçadinhos quiseram dizer-me graçolas, eu disse:
- Eu sou poetisa. Peço respeitar-me
mais um pouco.
- A senhora não bebe?
- Não! E reprovo os que bebem. E odeio
os que me oferece bebidas. O meu estomago é fidalgo não vou deturpá-lo com
tóxicos.
Ninguém aborrecia-me. Dia 27 de janeiro
de 49 percebi que estava prestes a ser mãe. Pedi a D. Adélia minha vizinha que
entendia de parto para me fazer companhia. Disse:
- Não posso!
E eu gostava muito dela. Tudo de bom
que eu tinha casa eu dava, como peixe tudo que eu comprava dividia com ela.
Diante de sua recusa o meu afeto por ela arrefeceu. Eu gemia. E nenhuma vizinha
interessou-se por mim. A extinta Marina do Adalberto condoeu-se, vendo-me ali
sozinha e Deus. Chamou assistência e levou-me para o Hospital das Clínicas. Eu
estava matriculada lá. Aceitaram-me. As dores multiplicava-se passei três dias
no estertor. Dia 1 de Fevereiro de 1949, as cinco horas o menino nasceu. A
parteira D. Amélia apresentou-me o menino e disse:
- Olha aqui o seu zolhudo!
Os médicos aproximaram para saber se o
parto foi normal. Quando o sol surgiu, eu estava livre da agonia. Olhei a
parteira perguntei-lhe como a senhora chama?
- D. Amélia!
- Vou trazer uns frangos, uns frangos
bem gordos para a senhora.
Oh! se os médicos e parteiras, e as
enfermeiras recebessem o que lhe prometem os doentes. E eu não cumpri a
promessa. Não esqueci. É que eu nunca tenho dinheiro disponível para dar
presentes. Permaneci vinte dias no Hospital das Clínicas. Fui muito bem
tratada. E aqui na favela circulava um boato que eu tinha falecido. Quando
cheguei encontrei uma mulata no meu barracão. As curiosas vieram ver o menino.
Umas dizia.
- Ele vai ser um cachaceiro ou então
vai ser um Dr. porque a mãe dele só fala em Drs.
- É precisa batizá-lo!
Quando a D. Amélia sugeriu que eu devia
dar o menino para o senhor José Nogueira batizá-lo. E dia 18 de abril de 1949
batizamos o menino. A D. Adélia tomava conta do menino para eu ir catar papel.
Eu pagava 10 cruzeiros por dia. Mas quem deve cuidar do filho é a própria mãe.
Mas eu preciso, tolerava. Um dia eu pedi a D. Amélia um pouco de gordura. Ela
disse:
- Pois sim!
Eu pensei: como a senhora é. Só quer
receber. E nunca mais lhe dei nada! Eu mesma passei a cuidar do meu filho. Ela
ressentiu-se com minha ausência. De vez enquanto eu lhe encontrava, na
residência do meu compadre José Nogueira. Um dia eu passava o terno de linho do
meu compadre. Quando eu olhei o meu filho que estava deitado ele estava prestes
a cair. Eu saí correndo para ampara-lo deixei o ferro ligado perto do terno.
Queimou-se. Eu notei o descontentamento. E jurei não mais passar roupas para
eles.
No princípio que passei a residir aqui
na favela, eu espantava-me quando via a rádio patrulha ou uma discussão. A
primeira briga que presenciei na favela, foi quando a Joana jogou água quente
no rosto de seu companheiro Germano. Pensei: que coragem jogar água quente no
rosto de uma pessoa! E se queimar a vista? Será que estas pessoas não sabem
dominar seus impulsos? Não tem nervos educados? Depois fui habituando-me com as
atrocidades dos favelados. A noite sempre havia bate-fundo. Eu queria saber se
o senhor Germano estava melhor. Mas, eu não tinha intimidade com eles. Mas
ouvia as mulheres dizer que ele saiu correndo e foi banhar o rosto no rio. Que o
homem chorava altas horas da noite.
Sempre a gente despertava com um grito
de socorro. Era mulheres apanhando dos esposos. No outro dia as vezes eu
interferia como conselheira depois, vendo que não obtinha resultados com os
meus conselhos, deixei de imiscuir. O meu João José tinha 6 meses. Eu catava
papel no bairro da luz. A casa tra-lá-lá me dava papel. O seu Mello da livraria
muito educado e muito bom e outros.
Quando conheci um espanhol, por nome
Antônio Garcia todos me dizia que ele era um bom homem. E várias pessoas
aconselhou-me para viver maritalmente com ele. Que eu não ia arrepender-me. Ele
vendia linguiça. E era conhecido como “O linguiceiro. Ele me dava muita
linguiça... Depois fui aborrecendo. Quando ele me dava linguiça eu distribuía
com os vizinhos.
Eu deixava o menino sozinho e Deus no
barracão e de manhã eu saía para catar papel, o depósito era na rua Joaquim
Murtinho. Eu recebia o dinheiro e vinha correndo. Eu dizia para o dono do depósito:
- Pesa o meu papel depressa porque os
meus seios estão cheios de leite.
E o leite doía-me. Às vezes
transbordava.
Um dia surgiu um preto e sua
companheira fizeram o barracão perto do meu. Cobriram o teto era de papelão. E
naquele tempo chovia quase todos os dias. Era pior barracão mais humilde da
favela. Mas, quando o preto saía a rua tinha aspecto de Dr., ternos de linho
ótimo relógio anéis de ouro. etc. Todos lhe chamavam de Manolo. Um dia por
motivos fúteis insultaram-me, e discutimos. No outro dia o meu filho amanheceu
evacuando verde. A D. Adélia disse:
- Ele mamou leite raivoso.
Eu quis saber o que era leite raivoso.
Ela explicou-me dizendo que havia discutido e quem amamenta não pode exaltar.
O linguiceiro vinha sempre as segunda e
quartas. E eu lhe recebia amavelmente. Mas não contava os aborrecimentos que as
mulheres da favela infligiam-me. Ele repreendia-me. Para eu não ir na
residência do meu compadre. Dizia:
- Eles te exploram.
Eu carregava água, ia fazer compras
tudo que a comadre me mandava fazer, eu fazia.
Um dia, eu disse ao espanhol que é o
linguiceiro mas eu lhe chamava de espanhol.
- Eu vou ser mãe. E você precisa me dar
dinheiro para eu erguer um barracão.
Como é que eu vou ter mais um filho
neste barracão de 1 metro e meio de largura não tinha espaço. Oh! Eu não posso!
Ele me dava só vinte cruzeiros por semana. Dizia você ganha mais do que eu.
Revoltei interiormente. Noutro dia eu levantei decidida. Fui trabalhar com o
objetivo de arranjar dinheiro para eu erguer o barraco. Eu estava catando papel
para o Estefenson. Eu catava papel das sete até as 11. Quando eu ia receber ele
dizia deu vinte cruzeiros. Noutro dia eu mandava mais papel. Pensava: hoje eu
ganho mais. Ele dizia deu vinte cruzeiros. Passei a mandar o papel para a Rua
Guarapé. O primeiro dia, ganhei 45 cruzeiros. Fiquei contente. Noutro dia 55
cruzeiros pensei: Agora sim! Posso mandar fazer o barracão.
Quando eu transitava pela rua Nestor
Prado vi vários caixotes. Perguntei:
- O senhor vende esses caixotes?
- Vendo-os. Por oitenta cruzeiros a senhora
pode levá-los.
Arranjei os oitenta cruzeiros paguei, e
dei o endereço. O homem trouxe no seu próprio caminhão, e não cobrou o
transporte. Passei a trabalhar com o dono. Todos os dias eu comprava uns
caibros se ganhava cinquenta cruzeiros comprava três caibros. Se ganhava
quarenta comprava dois. E assim, eu fui comprando ripas, pregos e telhas...
Precisava comprar dormentes porque os
barracões tinham que ser construídos. Chovia dava enchente. E eu tinha passado
uma enchente dentro d’água. O antigo barracão foi construído na terra sem
assoalho passei três dias em cima da cama. Puis o fogareiro nos pés da cama
comprei uma lata de carvão e ali naquela posição incômoda eu preparava minhas
refeições.
Fui na estação do Brás comprar os
dormentes paguei vinte e quatro cruzeiros. E para comprar os dormentes, a gente
precisa ir em vários lugares. Quem fez o barracão para mim, foi o extinto
Belizário e o senhor Joaquim Mathias. Eu ganhava quarenta e cinco por dia,
catando papel, e pagava cinquenta cada um. Reservava o dinheiro para o senhor
Joaquim Mathias. Que era o mais exaltado. Eu comprei o material do Senhor
Eduardo seis caibros e uma porta a crédito para pagar depois. Ele disse:
- Você paga os outros primeiro eu
espero!
Um dia o senhor Joaquim Mathias veio cobrar-me.
Quando lhe entreguei o dinheiro, ele sorriu.
- Muito obrigado D. Carolina! A senhora
é uma mulher e tanto. E preta de primeira. Não é preta de segunda categoria.
Quando a senhora precisar de mim, eu estou as ordens. A senhora não quer
entrar? Venha tomar um cafezinho D. Carolina!
Mas eu jurei não mais ocupar o senhor
Joaquim Mathias pra nada. No outro dia era sete horas quando recebi a visita da
tal D. Guiomar. Irmã do senhor Belizário. Veio cobrar-me. Gritou. É habito das
mulheres da favela gritar quando falam.
- A senhora precisa pagar meu irmão!
Pagou todos, e ele é doente. Trabalhou sem poder. Precisa receber.
O linguiceiro me dava linguiça, eu
fazia macarrão com linguiça para mim e o meu filho João José. O menino chorava
quando comia o macarrão porque a linguiça tinha pimenta. Mas, eu não podia
comprar banha. Às vezes eu encontrava o senhor Eduardo Pêra no empório ele
comprava leite para meu filho.
Resolvi arranjar um emprego que me
aceitasse com o menino. Fui na rádio Piratininga o Chico Carretel anunciou e me
apareceu um emprego. Fui tratar deixei meus documentos como penhor. Trabalhei
oito dias fui despedida. Achavam que eu, e o menino dava prejuízo. Percebi que
eram novos ricos. Continuei catando papel. Todos os o que ganhava recebia.
Um dia, eu estava indisposta, não
queria sair. Depois decidi fui a pé.
Quando cheguei na estação da luz achei
um relógio. Era sete horas no relógio da luz. Era sete horas no relógio que
estava no chão. Passei a usar relógio. Alguns perguntava.
- Você achou este relógio no lixo?
Quando cheguei na favela encontrei um
bate-fundo. As mulheres falavam que o senhor Francisco Kiss tinha segurado uma
senhora, para a sua esposa espancá-la. E que a vítima estava com o braço
engessado. Todos os dias a rádio patrulha vinha na favela.
27 de maio de 1950 eu saí na Época. Quando os favelados viram o meu
retrato no jornal ficaram abismados. Dizia:
- A D. Carolina está no jornal. O que
ela fez? Roubou?
- Não! É poetisa. Está dizendo que um
dia, há de ser escritora! Ah! Vou comprar o jornal para eu ver.
Foi a quadra mais hedionda da minha
vida! Eu não tinha roupas não tinha agasalhos. E o frio naquela época era de
estarrecer. Era a época da campanha eleitoral pra candidatura de Getúlio
Vargas. E o jornal que enaltecia o extinto presidente era o Defensor, dirigido pelo jornalista Jorge
Correia. Como eu era getulista pedi ao senhor Jorge Correia, se aceitava minhas
colaborações. E passei a escrever no O
Defensor.
(Eis o artigo) 17 de junho de 1950.
Getúlio será presidente. Pela redação a
dentro num gesto sincero e espontâneo chegou até nós a senhora Carolina Maria
inspirada poetisa negra, em os retoques e ilustrações exigidos pela cultura que
veio trazer seu testemunho até nós de gratidão, e veneração pelo insigne
estadista Getúlio Vargas. Em poucos momentos escreveu o artigo abaixo e alguns
versos que transcrevemos.
“Nobre povo brasileiro, para
eliminarmos a prepotência dos políticos sem noção devemos unirmos e votar
incondicionalmente no ilustre e nobre senador Getúlio Dorneles Vargas.
Precisamos do homem, de sua têmpera de capacidade indiscutível e larga tirania
política para dirigir o futuro do nosso pais tão sacrificado pela incompetência
dos políticos irresponsáveis. O nosso Brasil está necessitando de um homem para
dirigi-lo, e não deixá-lo a mercê dos gananciosos que dia-a-dia aumenta os
preços dos gêneros de primeira necessidade. E abusam da minguada bolsa de um
povo quase faminto. O nosso Brasil é um pais rico e fecundo, capaz de produzir
de tudo não havendo nenhuma necessidade de espantoso custo de vida. O preço
exorbitante da vida atual nos leva a recordar com saudade os dias das eleições
presidenciais. Assim seja, quinze anos de governo, do ilustre Getúlio Vargas.
Quando então, tínhamos tudo em abundancia e por preço mais em conta. Apesar da
guerra.
Hoje vivemos apertados, ou espremidos
no torniquete dos tubarões... Os filhos dos operários não tem infância. Não tem
brinquedos. Não tem distrações e tão logo terminem os cursos primários são obrigados
a trabalhar nas fábricas, onde muito cedo perdem os sonhos tão próprios da
puerícia. Muitos se esforçam para estudar, mas desanimam e interrompem os
estudos quando sentem a penosa e embaraçosa situação, seja pela dificuldade
financeira com que lutam. Seja pelo grande esforço físico dispendido.
O estudante não tem proteção. Não tem
desconto nos livros didáticos. As taxas escolares aumentam extorsiva mente. É
preciso interessar pelo jovem pobre que estuda, auxiliando-o, pois, precisamos
que garantam um futuro melhor para nossa terra. Essas razões e inúmeros outros
problemas é que nos impele a almejar um governo democrático imbuído da essência
da alma nacional. Que realize apenas o bem-estar da coletividade. Não oprimindo
o seu já tão martirizado povo.
O Brasil sem presidente Vargas
anarquizou-se ao extremo. O presidente Dutra só nos tem causado decepções
apesar de nele havermos depositado toda nossa confiança. Qual foi o decreto do
presidente Dutra que favoreceu os pobres?
O aumento da carne do café e do pão,
dos víveres, dos aluguéis de casa etc. Até agora só tem assinado decreto
oprimindo o povo em favor dos tubarões. Não devemos e nem podemos votar nesses
políticos inconscientes. Devemos dar nossos votos ao grande e inesquecível
Getúlio Vargas. O maior dos brasileiros a quem conhecemos e em quem o Brasil
muito confia. Ele pertence ao núcleo dos inteligentes e observadores que medem
suas palavras e não enganam os que lhe depositam confiança. Nós, os humildes
pobres operário de cor ficamos imensamente satisfeitos com a candidatura do
eminente estadista a quem tanto devemos. Se Deus quiser ele voltará.”
Findando o que havia transcrito a
senhora Carolina Maria dedicou ao senhor Getúlio Vargas os seguintes versinhos.
“É orgulho da nossa gente
É opinião Brasileira
Que temos um presidente
Que honra a nossa Bandeira
Getúlio heroico e potente
Grande alma Nacional
Devia ser presidente
Desde o tempo de catedral
Getúlio é competente
Para guiar a Nação
Foi um grande presidente
Deixo minha impressão
Nas minhas orações peço
Ao bom Deus, justo e potente
Para ter breve regresso
O Getúlio a presidência
Carolina Maria”
Eu estava gestante. E não podia
auxiliar o nobre senhor Jorge Correia. Quem escrevia era o senhor Ribeiro,
Nelson Branco Ribeiro, Jorge Correia, Luiz Brasil e D. Luzia, esposa de Jorge
Correia que as vezes levava eu para o edifício América onde era a redação.
Notava o caso de D. Luzia. Mas ela não se abatia. O seu interesse era a vitória
de Getúlio Vargas. Pensei. Para grandes esforços grandes recompensas. Será que
o presidente Vargas ira recompensar estes colaboradores?
O Senhor Jorge Correia, aceitaria qualquer
colaboração. O Luiz Brasil me falava de sua esposa que não sabia ficar longe
dela. E assim fiquei conhecendo o grande compositor Peter Pan. Que é o senhor
Luiz Brasil. Escrevi outro artigo no O
defensor em 23 de junho 1950.
“O minha filha querida
parabéns, pois vais casar!
Queres ser feliz na vida
Ouça-me o que vou citar
Dizem que é a mulher
Que faz feliz o seu lar
É feliz se ela souber
- Viver, e pensar
Trate bem o seu marido
Com toda dedicação
Não o deixes aborrecido
Não lhe faças ingratidão
Se o teu marido falar
Não te custa obedecer
O que se passa no lar
Ninguém precisa saber
Se teus filhos, dá-lhes prazer
Enquanto são meninos
Porque depois de crescer
Ninguém sabe seus destinos
Conforma-te, e não protesta
As agruras de pobreza
Ser pobre e honesta
É uma grande riqueza
Seja muito carinhosa!
E agradável no falar
Uma mulher nervosa
Não prende o esposo no lar
Seu esposo deves honrar
O matrimonio, é ato sério
A vaidade, faz a mulher transviar
A sociedade, reprova o adultério”
Não mais fui na redação. Faltava dois
meses para eu ser mãe. Já andava com dificuldades. Deixei de colaborar na
candidatura Getúlio Vargas. Mas desejava o seu retorno. De manhã eu ia catar
papel já andava com dificuldade. Mesmo assim, eu consegui dinheiro e mandei
ligar a luz. Paguei cento e vinte de depósito e passei a pagar dez cruzeiros
por lucro. Eu saia um dia sim, um dia não. Dia 6 de agosto, eu fui para a
maternidade.
Era Domingo. Olhei o relógio era quatro
horas pensei. É melhor eu sair agora. Se eu deixar o dia surgir estas faveladas
entram aqui dentro do barracão e começam aborrecer-me. Vesti e sai. Tomei o
bonde e fui para cidade. Quando cheguei na estação da luz a dor aumentou-se e
eu comecei gemer. O condutor Pedro perguntou-me:
- O que tem?
- Eu vou para a maternidade! Olha as
roupinhas para trazer a criança.
Ele gritou:
- Toca o bonde!
E o bonde seguiu rápido como flecha.
Quando cheguei no largo São Bento eu não mais pude descer do bonde. E o senhor
Pedro queria me ver fora do bonde.
Dizia:
- Desce! Desce. Desce.
Eu, gemendo. Desci. Deis uns passos e
sentei. Um senhor que residia aqui na favela chamou um taxi pagou para levar-me
para maternidade. Dentro do carro eu já não podia sentar. Quando cheguei na
maternidade São Paulo receberam-me. E a parteira perguntou-me:
- A senhora veio sozinha?
- Eu vinha de bonde. Quando cheguei no
largo São Bento, a dor aumentou-se e um senhor pagou o carro para mim.
Quem vai para maternidade não pode ir sozinha.
Precisa vir acompanhada. Olhou-me e perguntou-me:
- A senhora não é louca?
- Não. E nem pretendo enlouquecer-me.
Levei uns jornais e umas revistas para
eu ler. A enfermeira disse:
- Eu nunca vi ninguém ler com dor de
parto.
Uma hora o bebé surgira. A parteira
disse:
- É homem.
Fiquei contente. Exclamei:
- Agora tenho dois homens.
E pensei no João José que tinha ficado
com a Florenciana. Ela cobrou cem cruzeiros, para olhar o menino. Permaneci
quatro dias no hospital. Quando cheguei aqui na favela eu soube que o Cyrillo
tinha espalhado que eu tinha tido filho no bonde. Pensei. Até os homens de
favela são mentirosos.
As curiosas, vieram ver o menino. Eu
não tinha nada para comer. Fui na Rua dos Gusmões na livraria José Olímpio, e
pedi cinquenta cruzeiros ao Seu Mello. Eu lhe escrevi um bilhete nestes termos:
Seu Mello depois de vasculhar meus pertences vi que o que eu tenho é apenas
sal. Como não estou em condições de trabalhar vim pedir ao senhor cinquenta
cruzeiros emprestados. Ele deu-me o dinheiro. O Seu Mello já sabia que era
poetisa. Ele leu meus versos no Defensor.
Dois dias depois, o espanhol veio ver o
menino. Achou que parecia com ele, e foi a primeira vez que ele me deu
cinquenta cruzeiros. Disse para eu registrar o menino no meu nome. E pôr o nome
de José Carlos. Fiquei apreensiva precisava comprar leite em pó para o menino.
Talco, açúcar, e outros pertences. E os cinquenta cruzeiros, não dava! Quando
completei dez dias de dieta fui trabalhar.
Pus uma cinta, saía às 6 da manhã e
voltava ao meio dia. Vinha pensando no menino. Meus seios doía de tanto leite.
Chegava, abluía-me, e dava de mamar o menino.
Arranjei uma mocinha para olhar o
menino até eu voltar. E passei a trabalhar mais sossegada. Todos dias eu lhe
dava dinheiro. Ela comprava álcool. Mas o menino ela olhava bem. Minha vida
piorou porque todos os dias eu lhe dava dinheiro e não guardava um centavo. Mas
mesmo assim, eu ia tolerando porque ela trocava o menino e lhe dava mamadeiras
na hora certa. O espanhol me dava apenas níquel e linguiça. Um dia, eu exaltei.
Eu não fiz promessa de comer linguiça todos os dias. Eu preciso e de dinheiro
para alimentar o seu filho. Percebi que não adiantava insistir.
Apelei pelas minhas forças. Trabalhava
em excesso. O seu Mello disse:
- Não arranja mais filhos. A senhora
luta muito.
Dei-lhe meus cadernos de poesia para
ele ler. No princípio tinha vergonha de catar papel. Quando comecei achar anel
de ouro e outros objetos de valor no lixo, comecei interessar pelo oficio mas,
a gente precisa fazer qualquer serviço para ganhar e custear a vida. Quando eu
exibia os objetos que encontrava no lixo, a minha péssima vizinha disse:
- Ela roubou.
E por isso começamos discutir. E o
título que não aprecio é o de ladra. E a Leila passou a insultar-me. Eu sempre
tive linha. Não sou muito comunicativa na favela para ver se estas faveladas respeita-
me. Aqui na favela residia uma louca por nome Segunda. E um dia a D. Francisca
Kiss que então já era denominada a Lampeã da favela espancou-a a pobre demente,
lhe rasgando as vestes. Era eu que defendia a pobre Segunda. Penso que quem
discute com louco é a mesma coisa que discutir com um defunto. Vários jovens
disseram-me:
-Dona Carolina a senhora não quer nos
ensinar a ler? Nos lhe pagamos.
-Pois não.
Arranjei uns cadernos e comecei
lecionar. Para mim, era um prazer ser útil aos favelados. Eu arranjei dois
alunos. O Raymundo e o José Preto. O Raymundo já sabia ler. Já conhecia as
letras. O José Preto é que não sabia nada. E não decorava nada mas, eu
persistia. Lia para ele ouvir-me. Percebi que ele não interessava pelas lições.
Um dia ele disse-me:
- Sabe dona Carolina, eu queria amasiar
com a senhora. Mas, como a senhora não sai a noite, não para nas esquinas, anda
sempre correndo, eu pensei:
- Eu peço-lhe para ensinar-me a ler e
só assim terei a oportunidade de lhe falar.
Disse-lhe que não! E no outro dia, os
alunos não vieram. Continuei a minha vida atribulada. Adquiri o hábito de andar
depressa porque quando eu saía deixando os meninos e precisava retornar logo
para preparar-lhes as refeições. Em março de 1951 eu comprei um rádio. Quando o
espanhol viu o rádio ficou admirado. Eu lhe pedi dinheiro para comprar um ferro
elétrico.
- Vamos ver!
Foi a resposta indiferente. Mas eu
sabia que se eu fosse esperar por ele, nunca eu teria ferro. Quando ele
apareceu encontrou o ferro. Eu tinha comprado cinco quilos de toucinho. Ele
disse:
- Você podia aprender economizar.
Quando eu tinha casa o espanhol dava-me
algum dinheiro, duzentos cruzeiros. E quando eu não tinha nada, ele não me dava
um centavo.
Em 1943 no mês de abril a Leila fundou
um Centro Espirita. Mas a seção iniciava as sete da noite e terminava as 3 da
manhã. Gritavam. Choravam. Bebiam. Dançavam. Eu reclamava. Pedia ao Manolo para
nos deixar dormir.
Eles exaltavam e ameaçavam espancar-me.
Quem frequentava o Centro Espirita eram a Aparecida e sua mãe Guiomar. Faziam
seção durante o dia. Elas não trabalhavam. Dormiam durante o dia. E eu, e
outras que tínhamos que trabalhar é que sofria. Eles mandavam buscar bebidas. E
a fama de Leila começou circular, que ela consertava vidas. Que arranjava
empregos. Que retirava espíritos e a fama do centro espírita da favela foi
medrando. Começou surgir pessoas de todos lados. Os meses passavam e o centro
não nos deixava em paz. Aqui na favela é assim.
As mulheres falavam na ausência. E eu,
sou diferente falo diretamente. Em maio de 43, dia 27 eu saí no Última Hora. Como eu disse que havia
feito meus estudos no colégio Allan Kardec, surgiu várias pessoas procurando-me
para ir nos centros que eu era média, que precisava frequentar sessões para
desenvolver. Mas, eu nunca acreditei nas religiões criada pelo homem. Creio no
catolicismo criado por Jesus Cristo. Depois a única religião onde os milagres
manifesta é no catolicismo. As pessoas que santificam, eram católicos
fervorosos. E o título mais distinto é “Santo”! É um título doado pela
Natureza.
A D. Guiomar um dia falou-me de
espiritismo no colégio Allan Kardec. Porque era obrigatório o estudo mas não
fascinei-me... Dei preferência a religião de meu avô. A tal D. Guiomar é metida
a dominar. Quis exercer seu domínio sobre a minha pessoa mas não lhe dei muita
confiança lhe evitava. E assim surgiu nossa divergência.
Em agosto eu não mais podia suporta a
fraqueza por não dormir. Não era só eu quem sofria. A D. Julieta também. Dia 18
de Novembro resolvi chamar a rádio patrulha. Era duas horas, até as crianças
estavam despertas. O barulho havia multiplicado. A tal Leila quis penetrar no
meu barracão para espancar-me. A polícia nos levou. Eu levei meus filhos. Eles
tremiam de frio. Levei todos documentos. Pediram um carro de preso. Demorou
surgir.
E enquanto esperávamos o carro
trocávamos insultos. Os guardas pediram o carro com urgência que os detidos estavam
turbulentos. E estação da rádio patrulha perguntou se precisava auxilio. O
guarda disse que não. Um guarda noturno que transitava vendo o outro sozinho
resolveu auxiliá-lo. O guarda nos mandou andar e esperamos o carro de preso na
rua Padre Vieira. Fomos andando. Eles diziam que o centro Espírita, era útil.
Eu disse que o que eu achava no seu centro, é Espírito de porco, para nos
perturbar, para não nos deixar dormir.
- Vocês não trabalham, podem dormir até
tarde são uns animais que não tem problemas. Não pensam em mudar o curso de
vida.
Assim que surgiu o carro de preso
entramos. Era duas horas da manhã. A noite estava tépida. Os guardas civis,
educados e compreensíveis mandavam eu sentar na frente com os meninos. Quando
chegamos na central o delegado disse:
- O Centro Espírita é vadios tem que ir
para o gabinete.
Fiquei contente pensando: Agora eles
ficam lá uns dias, depois a polícia deporta-os E pensei: No Amazonas mandar
estes turbulentos para as florestas virgens. Que ótimo manjar para os índios
antropófagos. Os guardas nos mandaram entrar no carro de preso.
Assim que chegamos eu dei a queixa e
assinei um papel. E não vi mais os médiuns espiritas. Fiquei com dó só do
Manolo. Um preto estiloso. E era sábado. Pensei: Ele gosta tanto de baile! Eles
eram oito Amir Castilho, Zerico, Binidito, Manolo e os médiuns. Quando cheguei
na favela era seis horas. Deitei e dormi.
Quando abri a porta vi a Dona Julieta
Castilho lavando roupas. Dirigiu-me um olhar furioso. Eu disse:
- O seu filho foi preso porque quis.
Ele não pode ver briga fica meio louco. Tudo fiz para impedi-lo. O irmão de
Amir Castilho esforçou-se para leva-lo para dentro de casa.
Enquanto eles estavam presos, que
sossego na favela! Que noite gostosa! Quem reside em favela a noite que dorme
dá graças a deus. Os favelados agitam-se. Quando a Leila sair ela vai ver! A
Leila é a Lampiã, a Leila é o Pancho Villa, A Leila é o Diaguinho. Mas, eu não
temia. Fiz tudo para ver se conseguia deportá-los. Mas foi abolida e
deportação. Saíram segunda-feira à noite. A Leila e seu companheiro foram
buscar os filhos. Assim que chegavam com as crianças disseram-me esta negra me
paga!
- Se vocês estão decididos a lutar,
vamos já! O que tem que fritar antes de assar já põe direto na brasa. Se vocês
estão quente, eu estou fervendo.
O Binidito veio insultar-me. Ele e o
Amir Castilho. A Dona Julieta Castilho queria que seu filho espancasse-me. O
Manolo interviu e foram dormir. A Leila decepcionou os favelados. Perdeu o seu
brasão de violenta. Começou a conferência entre Leila, Aparecida filha de D.
Guimar e Dona Guiomar. A D. Guiomar era instigadora. Dizia:
- Isto não pode ficar assim! Temos que
dar um jeito.
E foram na segunda delegacia na Rua
Correia de Mello dar queixa. E disseram ao Dr. Binidito de Carvalho Veras que
eu lhes insultava. E era mentira! Era vice-versa. Eu estava gestante esperando
o terceiro filho, tinha muitas dores, e tonturas e náuseas seguindo
indisposição. Às vezes eu recebia intimação e não ia.
As varizes doíam demais impedindo-me de
andar. Eles compareciam. E eu não. Eu ia deitar. Trabalhava em excesso. Elas
prevaleciam de minha ausência para variar.
Dizia para o Dr. Binidito de Carvalho
Veras.
- Ela disse que não vem que é poetisa.
Que tem cartaz com a polícia.
Eu recebia outra intimação. A
Florenciana dizia vai Carolina. O delegado disse que vai mandar um carro de
preso para te levar. Eu já estava cheia de ouvir o disse-disse. Fui e levei
meus filhos. O Dr. Binidito de Carvalho Verás disse:
- Quando eu lhe mandar chamar, venha! A
senhora comigo não tem cartaz. A senhora anda dizendo que tem cartaz com a
polícia.
- Tenho muito senso. Sou poetisa. E o
poetas não diz futilidade.
- A senhora é turbulenta, anda
perturbando estas senhoras honestas. Sem-vergonha!
- O senhor é o primeiro homem no Brasil
que me chama de sem-vergonha. Sua fraca opinião não me abala.
- Prende ela Dr. - ouvi alguém dizer no
interior da casa. Meus filhos subiam em cima dos bancos. O Dr. Binidito de
Carvalho Veras disse:
- Que crianças sem educação.
- A idade deles não lhes permite senso.
Eles estão habituados, ir nas redações, e os jornalistas estão habituados,
estão ao lado, de pessoas educadas.
A Leila disse:
- Sabe Dr... ela disse porque a polícia
não prende o Sete Dedos?
- Eu disse dr. O poeta não nega o que
diz!
- Vai embora. Eu não gosto da senhora.
Vim embora. A Guiomar espalhou na
favela que o Dr. Binidito de Carvalho Veras maltratara-me e enquanto o Dr.
maltratava-me eu ia escrevendo para passar no meu diário. Toda semana elas iam
dar queixa contra minha pessoa. E o Dr. Binidito de Carvalho Veras dizia:
- Faça um abaixo assinado e vamos
obrigá-la assinar um termo de bem-viver.
Pensei: Eu tiro meu atestado de
antecedentes peço assinaturas nas casas que trabalhei, aos jornalistas que me
conhece, os de São Paulo, e Rio de Janeiro e envio para o Ministro da Justiça e
processo estas caluniadoras exijo indenização em dinheiro!
O desejo da instigadora Guiomar era me
ver no cárcere. As mentiras de Guiomar eram infindas que eu disse que as filha
Aparecida era meretriz. Quem aprovava tudo era Leila a inimiga do trabalho.
Depois transferiram a delegacia para Rua Itaqui e elas pararam com as intrigas.
Dois meses depois, tive a minha filha
Vera Eunice. Nasceu dia 15 de julho de 1953. Quem assistiu-me foi a Florela e
D. Maria Puerta. Depois do parto, eu fiquei na cama. A. D. Zulmira deu-me de
comer para mim, e meus filhos. Não apareceu uma mulher para auxiliar-me
carregar uma lata d’água, ou lavar minhas roupas.
Foi o dia que passei uma sede horrível,
não podia levantar para tomar água. Meus filhos ficaram sujos, e toda hora
vinham na minha cama pedir pão. Eu tinha uns pedaços de pão duro que eu havia
catado no lixo, descascava os pães, e dava para eles comer. O pai de minha
filha apareceu, mas não me deu um tostão. Disse que estava residindo no Rio de
Janeiro, para eu não procurá-lo. E eu pensava. Se eu tivesse tido essa criança
no Butantã, quem sabe se as cobras auxiliava-me. Entre os animais talvez,
existe solidariedade.
E pensei na Joana do Germano quando
tinha filho eu lhe lavava as roupas. E o Germano me deu uma garrafa de cerveja.
Na Theodora. Conhecida por Darça. Também fui eu quem lhe lavei as roupas. Até
fiquei admirada porque ela tem mãe, irmã e a tia Guiomar. Quando a filha dela
nasceu veio pedir para eu lavar roupas pensei. Puxa! Ela tem mãe! Que espécie
de mãe e essa? Fui buscar as roupas e ela disse-me:
- Ninguém tem feito nada para mim. Se
eu quis comer tive que fazer.
Pensei: Esta também devia ir para o
Butantã.
A Sílvia quando teve filhos e eu lhe
lavei as roupas. E o seu esposo, o cínico Antônio de Andrade disse que havia
roubado sabão. Relembrei tudo isto. Ninguém apareceu a porta dormiu aberta. Os
meninos não sabiam fechar. Foi a primeira vez que meus filhos dormiram sem
tomar banho. No outro dia eu levantei. Fui buscar água. As mulheres diziam:
- Credo! Faz mal. Você e louca?
Pensei: Estas falastronas. Só servem
para dar palpite. De tanto falatório fiquei com dor de cabeça. Mas jurei nada
fazer para os favelados. O pior problema era alimentação. A recém-nascida
choramingando. Os dois filhos pedindo comida.
Pedi as mulheres da favela que
amamentava, para dar mamar a minha filha.
-Não posso! Não tenho!
Pensei: Se fosse para presenciar uma
briga ou falar mal de alguém, elas tinham tempo. Voltei pra casa fiz um mingau
de fubá. Puis gordura adocei e dei uma colherada para a menina, a boca era tão
pequenina precisei usar uma colher de café. A menina dormiu. Pensei num velho
proverbio: O que não mata, engorda.
Fui lavar minhas roupas. Começaram o
falatório.
- Eu nunca vi ninguém ter filho num
dia, e levantar no outro.
- A senhora não tem medo?
- A senhora não é louca?
Eram tantos palpites. Não tinha nada
para eu comer. E estava tonta. Fui no depósito que cata papel e pedi cem
cruzeiros. Ficaram admirados, não faziam nem quarenta e oito horas de parto.
Todos admiravam dizendo:
- Que mulher forte!
Eu quase não podia andar de fraqueza.
Foi a fome que impeliu-me a levantar.
Comprei uma lata de leite em pó,
açúcar, e um bico de mamadeira. Quantas pessoas que me viam corriam
ocultavam-se com receio de lhes pedir dinheiro emprestado. Fui na Avenida. A
senhora de um tenente me deu uns pedaços de pão, e um pouco de arroz e feijão.
Seis dias depois fui catar papel. Cansei. Sentei.
Tive desejos de chorar. Pensei: As
lágrimas não solucionam as dificuldades.
A D. Nair O. Barros foi quem deu-me
dois colchões senão, eu tinha que dormir em cima das tábuas. Lembrei de D. Nair
eu fui lhe pedir açúcar emprestado. Ela deu-me pão macarrão arroz e açúcar.
Quando eu comia me dava sono. Pensei pedir qualquer coisa a mãe do Dr. Fausto
Bornidino. Ela é filantrópica mas, fiquei com vergonha. Não tenho jeito para
mendigar.
Quando a menina tinha 11 dias eu fui ao
juiz pedir para obrigar o pai dela lhe dar pensão. Atendeu-me Dr. Valter
Aynhêre. Deu-me a intimação. Cheguei em casa lhe escrevi na carta: Você, é um
monstro. Você tem rabo. O seu reino, é no inferno, junto como diabo. Você
precisa lavar sua consciência. Puis a carta e a intimação dentro de um envelope
e levei, e pus na caixa. A tarde ele apareceu.
Bateu na porta. Disse:
- A senhora não precisava arranjar
advogado. Eu sou um homem distinto. Eu não quero ver o meu nome na polícia. A
senhora retira a queixa e todos meses, eu venho lhe trazer dinheiro! Todos dias
12.
Convidei-lhe:
- Entra. Vem ver a menina!
- Ha! É menina!
Percebi seu descontentamento.
- Não entro. Estou nervoso! Eu hoje não
almocei.
- Você porque não quis! E eu, por não
ter o que comer!
Ele deu-me duzentos cruzeiros
bruscamente.
- Você não devia ter levantado no
primeiro dia de parto.
- Se eu ficasse na cama o que ia comer?
A única coisa que a gente não pode transferir é a fome.
Concluímos que eu ia retirar a queixa.
Comprei carne fiz uma sopa reanimei-me. Fui para o juizado. Disse ao Dr. Valter
que ele havia dito que era um homem importante e que não ia faltar. Que todos
os dias 12 me dava dinheiro. Para eu retirar a queixa. O dr. Valter não
aceitou. Escrevo para ele que o advogado não aceitou as condições que ele
expos. Aquelas viagens fatigava-me. Passei uns dias sem ir ao juiz. Resolvi
esperar o dia 12 de agosto para ver se ele apareceria com o dinheiro.
O dia 12 surgiu, e ele não veio. Fui lá
no juizado. Procurei o meu advogado.
- Ele já esteve aqui. Assinou o
compromisso é só a senhora assinar.
Assinei. Ele disse que era operário que
podia dar só duzentos e cinquentas. Passamos a discutir por correspondência. Eu
lhe escrevia: você, é pão duro! Unha de fome! O dinheiro não dá, maldita hora
em que te conheci. Antes tivesse conhecido o diabo, mas, quando encontrávamos
nós falávamos amigavelmente. Eu dizia:
- A menina é muito bonita!
- Qualquer dia vou vê-la!
Que suplício para sair para o trabalho
deixava as três crianças só e Deus. O receio de acontecer qualquer coisa
funesta. Aqui na favela a gente não tem vizinho. Se acontecer qualquer coisa
eles estão pronto para comentar e aumentar e não favorecem.
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