sexta-feira, 29 de julho de 2016

A HORA E A VEZ DE CANDY DARLING

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A HORA E A VEZ DE CANDY DARLING
(Horácio Costa)

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Née John Lawrence Slattery,
a estrela nasceu em três datas possíveis:
‘44, ‘46 ou ’48 -a certa foi guardada
como segredo de Estado.

Candy não era brincadeira: aos 15  ou 17
já fazia trottoir pelo Village, embora
fosse nativa das extensões pequeno-
burguesas de Long Island.

Falar de uma transex que se prostituía
é o mesmo que reduzir alguém, papa
ou ladrão, a falseadores borborigmos
na traquéia da identidade. Glupt.

A diferença era a esperteza com que aplicava
os seus looks na estrada da fama. Warhol
entendeu-a e propulsou-a, explorando-a
como o mendigo ao cãozinho com catarata.

Fê-la “superstar” em filmes que a crítica
dizia parecer haverem sido filmados
debaixo d’água, ou por alguém com
mal de altura no Karakorum.

Queriam uma estrela como Harlow
ou Joan Fontaine, que despertasse
tesão ou ao menos fizesse chorar.
O efeito que ele buscava e ela criava

relacionava-se com o russo ostraniénie:
estranheza. Em “Mulheres Revoltadas”
nenhuma tem voz maviosa: o “eterno
feminino” que os poetas inventaram

no Romantismo para mantê-las caladas,
desaparece debaixo de tanto pancake
e de tanta pancada. Candy representa
uma socialite feminista que quer tomar

Hollywood de assalto, sem trair os
seus pretensos vínculos de classe.
A seu pai que a acusa, diz: “Dad,
I am as much a Darling as you are”.

Paul Morrissey, que fez os diálogos,
inventou este gens Darling, uma Grei
Queridinha: a genealogia-linha, a família
que não é. Candy era o símbolo

dessa linhagem fantástica. No além,
com quem conversará? Benvenuto Cellini?
Olga Del Volga? a sua hora e sua vez
foi essa fala canhestra e canastrona.

Depois disso podia morrer e o fez:
aos 30 incompletos e de heroína,
não como heroína. Tenho-a aqui
emoldurada sobre a janela do quarto

-fotocopiei da revista do El País
umas fotos dos membros da Factory
na qual está nua, pisando suas roupas:
com os cabelos longos e lisos

olha de frente, entre Joe D’Alessandro
e mais três deslumbrados atores to-be,
com aquele ar blasé que deve ter fascinado
antes de mais nada a Warhol. Com os anos
.
passei a com elas ter uma relação tal
aquela de quem há séculos colecionava
ossos de mártires em relicários filigranados:
a cada quem os seus santos, a cada fiel

os seus oh!s. Suspiro por Candy Darling,
isso é bem o que ela preferiria. Está
entre a cama onde durmo e a planagem
de São Paulo ao longe: vinte ou trinta

quilômetros contínuos de torres.
O cenário combina: um dente de catequista,
mesmo que envolto em ouro e rubis, mesmo
que verdadeiro e de São Pancrácio,

não o faria.
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Osasco 1º/4 III 013

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