segunda-feira, 16 de maio de 2016

mãos se enluvam


Bem diferente dos quartinhos de pensão... Alegre, espaçoso. Pelas duas janelas escancaradas entrava a serenidade rica dos jar­dins. O olhar torcendo para a esquerda seguia a disciplinada car­reira das árvores na avenida. Em Higienópolis os bondes passam com bulha quase grave soberbosa, macaqueando o bem estar dos autos particulares. É o mimetismo arisco e irônico das coisas di­tas inanimadas. São bondes que nem badalam. Procedem como o rico-de-repente que no chá da senhora Tal, família campineira de sangue, adquire na epiderme do fraque a macieza dos tradicionais e cruza as mãos nas costas — que importância! — pra que a gente não repare na grossura dos dedos, no quadrado das unhas chatas. Neto de Borbas me secunda desdenhoso que badalo e mãos áspe­ras nem por isso deixam de existir, ora! o badalo pode não tocar e mãos se enluvam.

 Mário de Andrade, Amar, verbo intransitivo

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