“Oh sim, é muito bom andar pra
cima e pra baixo pelo mundo quando se é jovem. A mente não está desgastada e o
coração é fresco. O sono chega em qualquer poltrona, toda comida é digerível e
todos os lábios merecem um beijo. Você é leve, oh, leve como uma pena e não arrasta
nenhum traste de hábitos ou preconceitos junto a si. Infelizmente não se pode
ter eternamente vinte ou mesmo trinta anos. O corpo se esgota, mesmo que a alma
permaneça jovem. Chega então um tempo em que um colchão duro afasta o sono e em
que o estômago se torna caprichoso. E então você anseia por descanso e
conforto, mas é tarde demais. Você sente a necessidade de se estabelecer mas
perdeu o hábito. Os horizontes distantes continuam acenando seus milhares de sinais
e você se torna infeliz por não poder resistir à essa persuasão. Se você tiver
deixado amizades duradouras em qualquer lugar, ainda pior, pois o coração
humano não suporta a ideia de uma separação definitiva e se consome no desejo
de um reencontro. Cada bela memória de suas viagens se converte em nostalgia
que o corrói e atormenta. Além disso, você é um estrangeiro em toda parte,
sobretudo em sua terra natal. Você não encontra lugar entre os homens e suas
circunstâncias. Seus amigos de infância e de juventude, seus colegas de escola,
todos eles permaneceram em suas casas e empenharam-se em ganhar a vida
honestamente, enquanto você virou o mundo incessantemente em busca da falsa
imagem de algum ideal. Eles são agora pessoas respeitáveis com títulos e
condecorações; eles são os pilares da sociedade e da lei e da ordem
estabelecida. Quanto a você, é um escolho em seus caminhos e um intruso
detestado, e os horizontes limitados deles se encolhem de vergonha diante de
seus alargados panoramas. A mente deles, percorrendo pacificamente as veredas
já batidas, temem o seu criticismo. Os envergonha que entre eles se encontre
alguém que acredita que em outra parte se pode encontrar um sistema melhor de
organização, uma lei que melhor os ampare; que as suas condições podem ser aperfeiçoadas
e que os exemplos de outros podem instruí-los. Eles o punirão com o ódio e o
escárnio por seus pensamentos e julgamentos, mesmo por aqueles que você não expressar.
Você não acredita, jovem, que é preferível assentar profundamente as raízes no
solo, como uma árvore, e entreter relações amistosas com as árvores vizinhas, e
ver o sol se levantar todos os dias no mesmo lugar, ao invés de voejar como um
pássaro, de galho em galho, cruzando folgadamente pelo céu azul? Aquele que tem
a paixão pela vagabundagem deve morrer jovem, enquanto o cálice das delícias
ainda espuma até o cimo, e ainda não se encontra esvaziado. ”
Ahasuerus – (Max Nordau, From Kremlin to
Alhambra, 1878)
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