segunda-feira, 25 de abril de 2016

Schwarz, Roberto. Nacional por subtração. In: Que horas são? São Paulo: Companhia das Letras, 1987.


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 Uma constante em nossa sociedade desde os tempos da Independência: somos portadores de uma cultura de caráter “postiço, inautêntico, imitado” (p. 29). Um problema de fundo que permeia as visões de mundo de indivíduos ligados às mais variadas correntes: modernos, românticos e naturalistas, esquerdistas e direitistas etc.
A roupa de papai noel é inadequada; a guitarra e a democracia são vistas como inadequadas; o liberalismo (ideia) e a escravidão (real) são observados como elementos incompatíveis pelos contemporâneos do século XIX; em suma, “todos comportam o sentimento de contradição entre a realidade nacional e o prestígio ideológico dos países que nos servem de modelo” (p. 30).
O “caráter imitativo de nossa vida cultural” (p. 30) aparece no ambiente acadêmico: troca-se de “escola” ao sabor das modas, sem que se respeite um projeto de construção de conhecimento duradouro, sem que se resolvam questões abertas pela escola anterior; um eterno recomeçar, um eterno dar de costas ao que se produziu pela geração passada, etc.: “Tem sido observado que a cada geração a vida intelectual do Brasil parece recomeçar do zero” (p. 30), o que gera “descontinuidade da reflexão” (p. 30). Alguns “grandes” – ele cita Machado, Mario de Andrade e A. Cândido – sobressaíram-se porque inovaram (estiveram de ouvidos abertos para o novo) sem desligar-se dos antecessores[1]: eis as palavras de Schwarz: “Não se trata, portanto, da continuidade pela continuidade, mas da constituição de um campo de problemas reais, particulares, com inserção e duração histórica próprias, que recolha as forças em presença e solicite o passo adiante” (p. 31). A própria ideia de ruptura, ele assevera, nada significa sem que a preceda (ou possibilite) esse “adensamento cultural” anterior.

Diante dessa constatação, aparece a atitude defensiva instintiva de passar ao polo oposto e censurar toda e qualquer “tendência metropolitana”: fechar-se em copas e agarrar-se a uma suposta pureza particular e pugnar incessantemente pela manutenção de sua virgindade.: essa ideia foi forte nos nacionalismos de esquerda e de direita.
Se “hoje” parece improvável (inverossímil) que esse cenário impoluto se possa realizar, Schwarz afirma que “há 20 anos” (refere-se aos anos 1950-60) era possível pensar numa cultura a salvo da contaminação da cultura de massas e da penetração dos elementos estrangeiros.

“Reinava um estado de espírito combativo, segundo o qual o progresso resultaria de uma espécie de reconquista, ou melhor, da expulsão dos invasores. Rechaçado o Imperialismo, neutralizadas as formas mercantis e industriais de cultura que lhe correspondiam, e afastada a parte antinacional da burguesia, aliada do primeiro, estaria tudo pronto para que desabrochasse a cultura nacional verdadeira, descaracterizada pelos elementos anteriores, entendidos como corpo estranho[2] (p. 32).

Era a “ilusão própria ao nacionalismo populista, que coloca o mal todo no exterior” (p. 33). Isso levava a uma visão idealizada do elemento nacional: ele é bom por natureza, basta desembaraçá-lo desses tentáculos estrangeiros. “[E]speravam achar o que buscavam através da eliminação do que não é nativo. O resíduo dessa operação de subtrair, seria a substância autêntica do país” (p. 33): nacional por subtração.
No século XIX, pretendeu-se afastar a influência portuguesa com uma pretensa cultura nacional que foi, de fato, apenas o resultado da diversificação de modelos europeus.
“Hoje” esse nacionalismo por exclusão parece anacrônico e provinciano: para quem está (cresceu, “se entendeu”) no interior da “cultura de massas” – americanizada etc. – parece inverossímil desejar um país “limpo” dessas influências (que nem podem ser vistas como influências, são o cenário natural, pura e simplesmente): “Nesta atmosfera ‘global’, de mitologia unificada e planetária, o combate por uma cultura ‘genuína’ faz papel de velharia. Fica patente o seu caráter ilusório, além de provinciano e complementar a formas arcaicas de opressão” (p. 34). Essa crítica, assevera Schwarz, esconde um conformismo: atacar as formas nacionalistas do passado e suas opressões – coisa válida e necessária – esconde uma atitude de aceitar placidamente o cenário de “hoje”, como se ele fosse anódino, como se nele não se processasse também uma estrutura de poder e opressão; a comunicação de massa não é libertária, não é diferente daquela a quem “substituiu”. Os “globalistas” [gostaria de chamá-los de “pós-modernos”] se colocam no papel de vanguarda dos oprimidos abrindo caminho para a libertação – os heróis desbravadores, os messias – vencendo as velhas posições opressoras; de fato, são parte de um processo triunfante e, ele sim, opressor, porque hegemônico e maciço, excludente e autoritário. “Alinham-se com o poder como quem faz uma revolução” (p. 34) [que definição mais precisa pode-se cunhar para os pós-modernos?]


[1] Esse trecho lembra a crítica dos antimodernistas que lamentavam a ruptura dos modernos com os padrões do passado; concordavam que se fizessem inovações, mas sem esquecer o que se fizera até então, que se partisse do ponto em que a tradição havia chegado e se a levasse adiante; e é estranho também encontrar Mario de Andrade nessa enumeração tripartite: ele que fora um iconoclasta (que sei eu?), ele que fora adepto da ruptura: que tradição ele retomou?
[2] E não era isso mesmo o que pensavam os modernistas sobre a cultura brasileira? Exceto que trocavam de inimigo: não o “imperialismo”, mas o “academismo”: a Academia instalada em 1826 era vista como responsável pela interrupção do desenvolvimento de uma cultura autóctone, poluída por elementos estrangeiros; e era sua intenção justamente limpar esse legado “acadêmico” e retomar a cultura nacional do ponto em que fora interrompida e novamente levá-la a se desenvolver; isso se mostrou de maneira particularmente clara no caso da arquitetura: Ricardo Severo – o primeiro arquiteto-modelo dos modernistas – pugnava pelo estilo “neocolonial”.

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