quinta-feira, 7 de maio de 2009

EM TEMPOS DE EPIDEMIA... UMA BOA DICA DE LEITURA


"A assustadora história das pestes e epidemias"


A aproximação de uma epidemia é precedida por um momento de pânico, que cresce na medida que chegam informações desencontradas das partes já infectadas. A proximidade com a morte é desconfortável, e leva a reações extremadas. É nesse momento que o homem mostra o que tem de pior e de melhor. Alguns buscam responsáveis, culpados, promovem banhos de sangue (quase sempre inocente). Outros revestem-se de caridade, compaixão e bons sentimentos e tentam ajudar o próximo, tratando e confortando os doentes e moribundos, mesmo que isso coloque em risco sua própria vida.

Uma vez superada a fase crítica da epidemia, entram em campo os que buscam explicar o ocorrido, tratando de analisar, com os olhos da razão ou da religião, as causas da enfermidade. Em geral, as duas visões se chocam...


O livro em questão traz uma narrativa instigante, que perfaz com maestria os passos tenebrosos de sete doenças infecciosas que acompanham a humanidade: peste bubônica, malária, tuberculose, hanseníase, varíola, cólera e Aids. A autora, Jeanette Farrel, busca mostrar as origens históricas dessas enfermidades e os impactos de sua disseminação entre os humanos. Do ponto de vista formal, o livro congrega vários aspectos que permitiriam classificá-lo como fruto da Nova História: recorre à narrativa, faz levantamentos sobre o imaginário e as mentalidades, apóia-se em outras ciências... É um livro legível, que não sofre do hermetismo, mal que atinge, infelizmente, a maioria das obras históricas.



A obra é recheada de trechos de textos e citações de cientistas, médicos e testemunhas das epidemias, o que a torna extremamente útil como material didático. Este livro está disponível em todas as escolas públicas do Estado de São Paulo, pois faz parte da Biblioteca do Professor.


Alguns trechos comentados:

O holandês Antony van Leeuwenhoek foi o responsável por desenvolver o sistema de lentes capazes de revelar aos olhos humanos a vida das criaturas muito pequenas: o microscópio. Em 9 de outubro de 1676, ele escreveu o trecho abaixo em uma carta:

“No ano de 1675, em meados de setembro... descobri criaturas vivas na água da chuva que ficara estagnada por alguns dias num novo barril... Isso me encorajou a investigar essa água mais atentamente, já que esses animais me pareciam aos olhos mais de dez mil vezes menores do que o animal de nome pulga-d’água, que se pode ver em movimento na água com a vista desarmada.”


Muitas pessoas visitavam o inventor para poderem observar com seus olhos o que liam e ouviam pelas ruas. Nessas ocasiões, van Leeuwenhoek mirava suas lentes para todo tipo de objeto: água do lago, do mar e da chuva, queijo, vinagre:

Vieram várias damas à minha casa, ansiosas para ver as pequenas enguias no vinagre, mas algumas ficavam tão enojadas com o espetáculo que juravam nunca mais usar vinagre. E se alguém contasse a essas pessoas no futuro que há mais dessas criaturas nos resíduos dos dentes da boca de um homem do que o total de homens em todo um reino? Especialmente naqueles que nunca limpavam os dentes.”



domingo, 3 de maio de 2009

A Era Tatcher e a aceitação do mal


Estes textos foram publicados hoje na Folha, e trazem uma análise da herança da Doutrina Tatcher, na Inglaterra, e seus desdobramentos. Explica o que foi essa doutrina e suas consequências.


A pergunta surge inevitavelmente após a leitura desse material: se o legado de Tatcher (neoliberalismo, privatizações, destruição dos sindicatos e da economia tradicional, ênfase na economia financeira, aumento da desigualdade social, etc.) é tão daninho, por que insistir nele?

O analista arrolado pela Folha, Eduardo Giannetti, tem o descaro de dizer que os sindicatos "atrapalhavam a modernização da economia". Ora, é só olhar os dados do quadro estatístico para ver que TODOS os indicadores apontam para uma piora geral na qualidade de vida. Quem se beneficia desse sistema? Com toda a certeza, não é a maioria da sociedade...

Quanto tempo ainda vai levar até que as pessoas percebam que cabe a elas decidir a forma pela qual a sociedade vai ser organizada?

Esta é uma das missões que cabe aos professores cumprir: apontar os absurdos do mundo, e mostrar que é possível revertê-los.









Fonte: Folha de São Paulo - 03/05/2009 - página A21



Thatcherismo resiste à crise que fomentou

Consenso ideológico alcançado pela ex-primeira-ministra, que chegou ao poder há 30 anos, resiste às turbulências atuais do capitalismo

Queda da renda do trabalho e boom financeiro criados por Thatcher, diz analista, explicam padrão de gastos a crédito e sua crise atual

RAFAEL CARIELLODA
REPORTAGEM LOCAL

Quando Margaret Thatcher chegou ao poder, exatamente 30 anos atrás, a inflação caminhava para uma taxa anual de 18%, valor muito alto para os padrões históricos no Reino Unido. A nova primeira-ministra lançou mão, então, de uma das primeiras e mais radicais experiências de controle monetário dos preços.
Cortou drasticamente os gastos públicos e elevou taxas de juros, empurrando o país para uma forte recessão. A reação inicial foi de dúvidas e, mais tarde, de aberta oposição, mesmo dentro de seu partido. Preocupados com seus votos, os conservadores pressionavam.
Em 1980, numa conferência do partido, a Dama de Ferro deu uma resposta pública às expectativas então generalizadas de reversão da política econômica: "Se vocês querem dar meia-volta, que deem. A dama não dá voltas".
Trinta anos e outras tantas reformas depois, o thatcherismo é responsabilizado, mesmo por alguns de seus defensores, por criar as bases econômicas e ideológicas que iniciaram o processo que desaguou na atual crise econômica global.
Exatamente como a sua inspiradora, no entanto, o thatcherismo -o atual consenso sobre a melhor relação possível entre Estado, economia e sociedade- não voltará atrás, dizem economistas e historiadores ouvidos pela Folha.
Com o mesmo fervor com que combateu a inflação, Thatcher levaria adiante políticas de privatização, destruição dos sindicatos e desregulamentação financeira que mudariam a relação dos cidadãos comuns com o mercado.
Um amplo processo de privatizações reduziu a contribuição de empresas estatais para o PIB do país de 9%, em 1979, para 3,5%, em 1990. A venda de ações das novas empresas privadas contribuiu para que a parcela da população adulta com ações de negócios britânicos passasse de 7%, em 1979, para 22% em 1993.
Outro impulso para o mercado financeiro veio em 1986, quando o governo desregulamentou os preços de serviços financeiros na bolsa de valores londrina. O fim do "tabelamento" incentivou a disputa entre bancos e financeiras pelas carteiras dos investidores. Os impostos sobre ganhos financeiros também foram reduzidos.
A soma das novas medidas, diz Tim Leunig, professor de história econômica da London School of Economics, atraiu novos bancos e empresas financeiras para a praça londrina e "os volumes de negócios aumentaram enormemente".
Ao mesmo tempo, reformas na legislação trabalhista restringiram a liberdade de greve e o poder dos sindicatos. "A quebra da espinha do movimento sindical fez a economia voltar a respirar", diz Eduardo Giannetti, professor do Ibmec-SP. "O tipo de bloqueio que faziam à modernização da economia destruía o país".
O economista, no entanto, vê na reforma financeira o calcanhar de Aquiles do thatcherismo. "A desregulamentação foi longe demais. Nesse ponto o "modelo Thatcher", na verdade implementado de maneira incremental [também em outras partes e por outros governos], foi longe demais".
Efeitos combinados
Para Massimo Florio, economista da Universidade de Milão, "as raízes da crise atual se relacionam com a combinação" de algumas políticas de Thatcher, especialmente as reformas sindicais e financeiras.
"O enfraquecimento dos sindicatos pode ter tido algum resultado positivo, já que eles resistiam a reformas corporativas que eram necessárias", diz.
Mas o efeito principal foi contribuir para um decréscimo da renda do trabalho, e para uma distribuição de renda pior. Isso criou as bases para dívidas insustentáveis pelas famílias, que tinham que recorrer a hipotecas e cartões de crédito, que por muitos anos fomentaram um crescimento artificial".
Os efeitos dessa reconfiguração não foram só materiais -para os críticos, a criação de um país mais injusto e desigual; para os seguidores, a revitalização de uma economia antes decadente e paralisada- mas também ideológicos.
"Quando deixei a universidade, nenhum dos meus colegas pensava em trabalhar com negócios. Isso mudou radicalmente", afirma o historiador inglês Kenneth Maxwell. "Não creio que possamos voltar para um modelo de Estado maior."
Segundo Tony Judt, professor da Universidade de Nova York, "as mudanças partidárias foram profundas". "Não há partido político que conte uma história diferente. Mesmo que haja agora maior pressão por gastos do governo, não há a pressuposição de que deve haver uma forte presença do Estado na estrutura da vida econômica."
Também para Giannetti, "não se voltará para o período anterior". "Não há perspectiva. A ideia de que o Estado empresário faz sentido acabou."



Nossa derrota serviu de exemplo político, dizem ex-mineiros grevistas

PEDRO DIAS LEITE

ENVIADO ESPECIAL A BARNSLEY E ORGREAVE

Antes do confronto, eles somavam 200 mil, espalhados por 130 minas de carvão. Vinte cinco anos depois, não passam de 1.800, em apenas seis minas restantes. Nenhuma trajetória expõe tão bem a visão econômica dos anos Thatcher quanto a dos mineiros britânicos, reduzidos a pó depois de uma greve de 16 meses, em 1984 e 1985, que terminou em nada.
Ao quebrar o então mais poderoso sindicato do país, Thatcher fez valer seu programa de fechar as minas, mas conseguiu mais do que isso. Daquele ponto em diante, todos os sindicatos do país sabiam que não era possível contestar o governo, que o neoliberalismo e o enfraquecimento dos direitos trabalhistas estavam ali para ficar.
Nas ruas de casinhas iguais, os tempos difíceis provocados pela recessão dos anos 80 parecem mais distantes, ao menos na superfície. Mas basta surgir o nome de Thatcher para ódios antigos surgirem das profundezas onde estavam enterrados."
A maioria dos sindicatos viu como ela nos destruiu, então perceberam que não havia nada a fazer, porque senão seriam destruídos também", afirma Chris Kitchen, 42, secretário-geral do que restou da NUM (Sindicato Nacional dos Mineiros, na sigla em inglês), na sede da entidade, em Barnsley.
A economia sofreu uma mudança radical, mas os efeitos das mudanças dos anos Thatcher ainda deixam a região comparativamente pior que outras partes do país.
"Algumas partes do país continuam a sofrer dos problemas econômicos resultantes do declínio do emprego tradicional -especialmente em mineração, aço e manufatura. Esses problemas têm raízes profundas e tem havido progresso em remediá-los", dizia um relatório encomendado pelo então premiê, Tony Blair, em 1999.
O quadro não mudou muito, uma década depois. Outro levantamento, do ano passado, mostra que a diferença entre essa região e as outras estava aumentando. O salário semanal por aqui era um terço menor do que no resto do país.
Na sala que reunia centenas de trabalhadores durante a greve, agora vazia, Kitchen relembra com amargor daquele tempo. Então com 16 anos, ele participou de um dos momentos definidores daquela greve, a "Batalha de Orgreave", quando milhares de grevistas e policiais se enfrentaram, há 25 anos."Aquele dia foi o ponto em que me dei conta de que era muito mais do que uma disputa industrial, era uma questão política", diz Kitchen, reclamando da "brutalidade policial" e da "manipulação da mídia".
Descampado
Desde então, o mineiro nunca mais pisou lá. "Não há nada para ver lá."
De fato, no lugar onde milhares de homens trabalhavam em minas de carvão existe hoje apenas um grande descampado, algumas máquinas paradas e meia dúzia de trabalhadores."
O carvão que tinha aqui acabou faz uns dois anos. Depois que fecharam as minas, a empresa que comprou a área tirou o que restava do carvão a céu aberto e agora não há nada", conta Sam Willoughby, 48, um dos homens que cuidam do local, ele próprio há 28 anos na indústria mineradora."
A greve foi muito triste. Quando você saía do colégio, se sua família era de mineiros, só havia uma coisa a fazer, e era ir trabalhar nas minas. Meus dois avós trabalhavam, meu pai, meus tios, meus irmãos. A minha geração é a última, isso acabou", afirma.
Entre os que participaram ativamente da greve, a profissão ficou para trás, mas as lembranças continuam. "É tão estranho, toda vez que vou ao trabalho eu sempre passo por ali, onde trabalhei por 18 anos, não tem como deixar a memória para trás", diz John Bebe, 55, que hoje em dia cuida de crianças autistas. "Passei dois anos sem saber o que fazer, me separei, não sei onde foram parar os amigos. Muita coisa fechou, não é o que costumava ser."
O ódio a Thatcher, comum entre os ex-trabalhadores, só é amenizado pela lembrança da Guerra das Falklands (nessa região ninguém se refere ao conflito como Guerra das Malvinas). "Daquilo eu gostei, a velha Maggie foi lá e protegeu o que era nosso, era uma mulher forte, tipo [Winston] Churchill", defende Martin Wainwright, 58, num pub local.

Estilo da "dama de ferro" refletia embate de classes

Ascensão de nova classe média não sindicalizada explica triunfos e autoritarismo de Thatcher
Vitória britânica na Guerra das Malvinas também ajudou a consolidar poder e imagem de uma governante que tinha "força e decisão"
DA REPORTAGEM LOCAL DE LONDRES
As sucessivas eleições e o estilo duro, quase autoritário, de Margaret Thatcher foram o resultado das conquistas e conflitos -econômicos e sociais- do modelo de país que ela ajudou a enterrar.
Uma dessas conquistas foi o poder dos sindicatos e a elevação do padrão de vida dos trabalhadores britânicos. Entre 1978 e 1979, na tentativa de conter a inflação, o então governo trabalhista determinou limites ao aumento de salários de funcionários públicos.
Ferroviários, motoristas de ambulância, lixeiros e coveiros, entre outros, fizeram paralisações em protesto.
Um dos grupos mais insatisfeitos com a "chantagem" e a "desordem" -como viam a situação- impostas ao país pelos sindicatos era uma nova classe média cuja ascensão social se deu justamente como resultado das conquistas do Estado de bem-estar social britânico, vigente desde a década de 40.
Há um exemplo "clichê", diz Tony Judt, autor de "Pós-Guerra" (Objetiva), do representante dessa nova classe, que em 1979 pendeu para Thatcher. "Um corretor imobiliário, cujo pai havia sido operário numa fábrica de carros, e que agora usa gravata, tem sua própria casa, embora na verdade não tenha lá muito dinheiro."
"Essa classe de pessoas que ascenderam socialmente, que não eram sindicalizadas, e pertenciam majoritariamente ao setor de serviços, compunha a "foto" sociológica do eleitor de Thatcher", ele diz.
O também historiador Kenneth Maxwell diz que havia claramente uma oposição entre os dois grupos.
"Era uma situação de crise, e ela recebeu o mandato para enfrentá-la. Capturou essa fantasia de uma classe média que se acreditava o que havia de melhor no Reino Unido do pós-guerra, e entregou o que prometia -uma política fiscal restritiva, limpar e acabar com o poder dos sindicatos."
É possível entender, assim, que seu estilo de confronto -com sindicatos, com a oposição- fizesse tanto sucesso político com os eleitores.
Mineiros e Malvinas
Assim foi forjada a ideia da "dama de ferro", que em 1984 e 1985 enfrentou uma dura greve de mineiros, que durou um ano, sem fazer concessões. Ao final, a derrota desse grupo, somada a reformas trabalhistas, representou uma pá de cal no movimento operário no país.
A consolidação de sua liderança, dizem os historiadores, viera antes, em 1982, durante a Guerra das Malvinas. A vitória britânica sobre a Argentina, que reclamava como suas as ilhas que eram território do Reino Unido desde o século 19, reforçou não só sua imagem como a do próprio país.
Para Tony Judt, Thatcher usou a guerra como "um símbolo duplo": "Da sua força e decisão, e da recuperação do Reino Unido de sua decadência -econômica e imperial- e fraqueza nos anos 70."
Maxwell vê num "comprometimento pessoal" da primeira-ministra a possibilidade de vitória contra a Argentina. "Quando você pensa que as frotas tiveram que atravessar o Atlântico... . Um outro líder, eu creio, teria cedido. Foi aí que o seu caráter durão funcionou", ele diz. "Depois disso, ela se tornou mais e mais autoritária."
O uso que Thatcher fez do apoio e poder acumulados criou uma espécie de paradoxo entre sua atuação política e seus ideais liberais nos campos social e econômico.
A grande defensora da redução dos poderes do Estado centralizou o poder, limitando e até cassando poderes locais. Sete grandes administrações regionais, todas encabeçadas por trabalhistas, foram extintas em 1986, entre eles o Greater London Council.
Em 2000, já sob governo trabalhista, a figura de um "prefeito" para Londres foi recriada. O eleito de certa forma reassumia o poder, embora formalmente os cargos fossem distintos, já que o trabalhista Ken Livingstone administrava a cidade quando sua função foi extinta, em 1986.
No dia da posse, começou assim o seu discurso para os londrinos: "Como eu estava falando antes de ser tão rudemente interrompido 14 anos atrás...".(RAFAEL CARIELLO E PEDRO DIAS LEITE)


Primeira-ministra restaurou grandeza britânica, diz biógrafo
DE LONDRES
Margaret Thatcher, a mulher mais poderosa do século 20, subiu ao poder muito insegura, para ao longo dos anos 80 se tornar confiante até demais, o que acabou por torná-la arrogante. Hoje, é uma "velhinha" de 83 anos, de memória frágil, mas saúde estabilizada, diz Charles Moore, 52, seu biógrafo autorizado (mas não oficial). Um dos poucos a terem acesso à vida de Thatcher depois que ela deixou o poder, o ex-editor do jornal conservador "Daily Telegraph" conta que a antiga "dama de ferro" sofreu uma série de pequenos derrames e perdeu a prodigiosa capacidade para os detalhes. (PDL)

FOLHA - Qual a importância da infância e do pai para definir a futura baronesa Thatcher?
CHARLES MOORE - Ela vivia numa cidade provinciana, que não estava em contato com o mundo lá fora. Veio de uma família relativamente humilde, porque seu pai, Alfred Roberts, era um dono de quitanda. Quando ela se tornou política, acreditava fortemente que podia aplicar as lições de comandar uma quitanda para a esfera nacional, o que a tornava muito hostil à presença governamental, a grandes negócios e a impostos pesados. Seu pai deu a ela um forte sentimento de acreditar nos pequenos negócios, na liberdade e no que vem de fora da elite.
FOLHA - Nos últimos anos, o senhor teve um acesso raro à vida de Thatcher. O que mudou dos tempos em que ela estava no poder?
MOORE - Quando ela entrou no poder, há 30 anos, era muito nervosa, porque sabia que, se desse errado, ninguém iria salvá-la, porque não fazia parte do establishment conservador. Constantemente temia ser derrubada, o que a tornou extremamente ansiosa e batalhadora para fazer o melhor que pudesse. Mas venceu três eleições, e com o tempo ficou mais autoconfiante. A grande mudança foi quando venceu a Guerra das Falklands. Foi aí que soube que não podia ser derrotada dentro do partido e tinha uma enorme chance de vencer as próximas eleições. Mas isso foi em 1982, e no final dos anos 80 ela se tornou confiante em excesso. Em 1990, quando foi tirada do poder por seus colegas, ficou raivosa e confusa sobre o que fazer. Gradualmente, ela se tornou mais distante da política.
FOLHA - O que o sr. definiria como o legado do governo Thatcher?
MOORE - Ela era obcecada com a ideia de que o Reino Unido tinha fracassado política e economicamente depois da [Segunda] Guerra, e queria restaurar o que ela acreditava serem as qualidades britânicas. De certo modo, não era revolucionária, mas uma restauradora.Acreditava que o Reino Unido tinha grandes qualidades, que estavam perdidas, e por vários ângulos ela foi bem sucedida nisso, em termos de liberdade econômica e oportunidade e coragem em questões globais.


Cena pós-punk pôs Thatcher na mira

Morrissey pediu a cabeça da primeiro-ministra, enquanto outros artistas a culparam pelo desemprego e pela apatia social
Para jornalista, o pop virou manifestação de classe média dirigida ao lucro, alijando uma parcela dos jovens da agitação cultural
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Quando você vai morrer?", perguntava sem rodeios o cantor Morrissey em "Margaret on the Guillotine", faixa de seu primeiro disco-solo, "Viva Hate", de 1988. A mensagem violenta da canção do ex-vocalista dos Smiths estava longe de ser um grito isolado no mundo pop durante a gestão Thatcher."
Eu a odiava com todo o meu coração", contou à Folha Sheryl Garrett, que editou a revista "The Face" nos anos 80, e depois a seção de cultura do jornal "Observer".
Para intelectuais e artistas, Thatcher representava não apenas um governo conservador e autoritário, mas também a principal responsável pelo alto nível de desemprego e por exportar ao mundo a ideia de uma Inglaterra tirânica, que travou uma batalha injusta e desigual contra a Argentina durante a Guerra das Malvinas.
Quando Thatcher tomou posse, o movimento punk já estava em seus estertores. Sua herança, porém, foi expandir o alcance das mensagens que o rock era capaz de transmitir.
Com esse clima favorável ao engajamento político, os grupos de pós-punk, ska e pop tiveram mais liberdade para expressar posições ideológicas.
O ódio contra o regime thatcherista virou então a principal bandeira da música feita nessa época.
No clipe de "Ghost Town" (1981), os integrantes do The Specials passeiam pelas ruas desertas de uma cidade, fazendo referência ao desemprego e à falta de mobilização social.Na letra de "Shipbuilding" (1982), Elvis Costello posicionava-se contra a guerra nas Falklands cantando a partir da perspectiva de operários ingleses que construíam os barcos que levavam o exército até lá.
Uma das principais vozes desse período foi o hoje lendário roqueiro socialista Billy Bragg que, ao lado de Paul Weller (The Jam) e Jimmy Sommerville (Communards), fundou, em 1985, o Red Wedge.
A ideia era arregimentar músicos para tentar engajar os jovens na política. Apoiaram greves e, em 1987, pediram que as pessoas votassem no Partido Trabalhista, para evitar uma nova vitória de Thatcher.
De um modo geral, os anos 80 na Inglaterra marcaram o auge da música de protesto. Um dos álbuns emblemáticos dessa época foi "Sandinista" (1980), do The Clash, cujo título referia-se à guerrilha de esquerda nicaraguense.
Arte classe média
Para Garrett, uma das consequências mais importantes das transformações daquele período foi o fato de a nova ordem ter forçado as artes a virarem negócios rentáveis.
"Antes de Thatcher, era comum haver grupos de punk e de artistas de vanguarda de classes mais baixas. Ela pôs fim a isso. No sistema capitalista e individualista que implementou, a arte tinha de dar dinheiro." Para a jornalista, o brit-pop e a gêneros mais comerciais, como a acid house, viraram coisa de classe média ou alta e os jovens com menos recursos foram alijados do cenário."
Se formos ver com os olhos de hoje, o punk foi um gênero que atingiu diretamente muito pouca gente em números absolutos. Depois dele viriam essas raves para multidões, o pop comercial", explica. Para ela, Thatcher acabou com o espaço para manifestações mais alternativas. "O mal que ela fez está aí até hoje e deve perdurar por muito tempo", conclui.


Para o cineasta Ken Loach, "tudo o que ela fez foi ruim"

DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta britânico Ken Loach, 72, celebrizou-se por suas convicções esquerdistas e pelo teor político que sempre imprimiu a seus filmes.
Exemplos disso são "Terra e Liberdade" (1995), que tratou da Guerra Civil Espanhola, e "Ventos da Liberdade" (2006), sobre o enfrentamento entre rebeldes irlandeses e tropas britânicas, em 1920 -produção que lhe rendeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
Mesmo tendo começado sua militância antes do período Thatcher, foi durante esses anos que suas preocupações com as questões sociais da Inglaterra afloraram. Desempregados, sindicalistas e sem-teto passaram a ser tema de seus programas para TV e filmes.Hoje, Loach segue crítico ao legado thatcherista. Continua achando que "tudo o que ela fez foi muito ruim para o país".
Na opinião do cineasta, a pior transformação pela qual a Inglaterra passou no período foi a perda do espírito de colaboração que havia no pós-guerra para dar lugar a um "individualismo capitalista", disse, em entrevista à Folha, por telefone.
Nos anos 80, Loach teve alguns programas de TV impedidos de irem ao ar. Entre eles, um documentário sobre as dificuldades de líderes de sindicatos para conseguir armar protestos, "A Question of Leadership" (uma questão de liderança) e outro sobre a greve dos mineradores de carvão, "Which Side Are You On? (de que lado você está?)".
"Obviamente não sofri uma censura explícita, mas as emissoras foram pressionadas para não exibi-los. E isso só foi possível porque todos estávamos mais vulneráveis. Ela tinha conseguido diluir esforços e protestos coletivos."Filho de operários e membro do Partido Trabalhista desde os anos 60, Loach abandonou-o em meados da década de 90. Hoje, critica os líderes que reconheceram coisas positivas do thatcherismo, como o ministro Peter Mandelson e o ex-premiê Tony Blair. "Quando dizem que herdaram algo dela, estão falando a verdade. O problema é que afirmam isso quase comemorando, quando essa herança foi, na verdade, ruim."
Para ele, Thatcher desvalorizou o trabalho e, por consequência, piorou a vida dos que dele dependiam. "Do ponto de vista dela, valorizar o capital era o caminho, e é verdade que fortaleceu a economia. Mas o preço foi empobrecer os operários e a população em geral."
No que diz respeito ao cinema, Loach acha que a era foi negativa por fazer da Inglaterra um país menos variado culturalmente. "Por que vemos cada vez menos filmes da América do Sul, da Ásia e do resto do mundo? Porque cada vez mais só temos grandes cadeias comerciais de cinema no mercado. E isso só vai piorar. A Inglaterra era rica em promover e consumir coisas de fora. Começamos a nos fechar com ela e seguimos nessa trilha." (SC)

sábado, 2 de maio de 2009

ZAQUEU DA SILVA RAMOS


Sr. Zaqueu da Silva Ramos, nascido no Itimirim e morador da região há 39 anos.


Pergunta: Como era a escola nessa região antigamente?

Sr.Zaqueu: A escola ficava ali, do outro lado da estrada, e era feita de madeira. Era uma escola muito humilde. A gente tinha que andar muitos quilômetros a pé para chegar, não era que nem hoje, que tem condução, essas facilidades. Nessa escola só tinha até a quarta série, e o ensino era bem mais rígido que hoje. A professora mandava a gente ir lá na frente e tinha que ter tudo na ponta da língua, como por exemplo a tabuada. Se errasse, ela dava com a palmatória na mão da gente. Era bem diferente de hoje.


Pergunta: E os professores vinham de Iguape?

Sr. Zaqueu: Vinham tudo de lá. Eu me lembro até hoje da professora Donizete, que me ensinou muita coisa.


Pergunta: Se a pessoa quisesse estudar depois da quarta série, como fazia?

Sr. Zaqueu: Nessa época, tinha que pegar um ônibus e ir até Iguape, que lá tinha até a oitava série. Mas era muito difícil, pouca gente continuava porque era muito longe e tinham que trabalhar na lavoura.


Pergunta: E as estradas daqui, como eram?

Sr. Zaqueu: Do quilômetro 21 para cima era tudo de barro, uma dificuldade só. Toda hora encalhavam carros por aí. Aqui era um lugar muito isolado, não tinha luz, telefone, nem televisão. Os mais ricos tinham rádios, mas eram só alguns...


Pergunta: O que se cultivava aqui?

Sr. Zaqueu: A maioria do pessoal plantava para eles mesmo usar: arroz, feijão, milho, tinha as criações (animais), mas pouca coisa era pra comércio. Meus avós mesmo, que já moravam aqui, plantavam o arroz para vender. Depois as pragas começaram a atacar e o pessoal passou a cultivar o chuchu.


Pergunta: O senhor chegou a conhecer seus avós?

Sr. Zaqueu: Sim, convivi com eles algum tempo. Meu bisavô era descendente de índios. Naquele tempo a gente conversava muito... Não tinha televisão, nem rádio, então os mais velhos contavam histórias pras crianças, lendas, contos, até a gente se cansar e ir dormir. Ele contava sempre a história de uma casa velha onde tinham enterrado muitas riquezas, ouro, prata. Depois a gente ia dormir e ficava sonhando com essas coisas.


Pergunta: O senhor acha melhor a vida do passado ou a de hoje?

Sr. Zaqueu: Olha, antigamente o pessoal era mais unido. Em época de festas, como a Folia de Reis, todos os parentes se juntavam e comemoravam juntos. Os vizinhos e conhecidos se ajudavam em época de trabalho, como colheita ou plantio. Hoje essas coisas quase não existem mais. Mas também tinha no passado muitas mortes por aqui. A lei não chegava nessa região, então tinha muitos homens brabos, que andavam sempre armados e matavam por qualquer coisa. O Pé da Serra era um lugar muito perigoso, tinha morte quase toda semana, e às vazes eles deixavam um morto pendurado por uns dias. Antigamente também tinha muitas doenças que matavam, porque a medicina ainda não estava avançada. O parto das mulheres era feito em casa mesmo, e muitas acabavam morrendo.


Pergunta: O senhor gostaria de deixar alguma mensagem para os alunos do Jofre?

Sr. Zaqueu: Meu conselho é que estudem bastante, aproveitem para aprender agora porque no futuro vocês vão precisar. Não largue dos estudos, porque hoje até pra varrer rua tem que ter diploma. Quem abandona a escola acaba se arrependendo no futuro.

COITI SUZUKI

Entrevista com o senhor Coiti Suzuki, realizada em 20 de maio de 2007.

Pergunta: Como foi sua chegada aqui neste lugar?
Coiti: Na verdade nós chegamos aqui em junho de 1957, já faz cinquenta anos, então quando chegamos aqui, os japoneses que vieram para o Itimirim geralmente forma enganados por corretores. Os corretores enrolaram a gente. Quando nós chegamos aqui não tinha a rodovia Bigua-Iguape, nem a BR-116 ainda não tinha. Nós viemos por Tapiraí, a maioria do interior do estado de São Paulo, alguns de Minas Gerais. Lá se perdia muitas lavouras por falta de chuva. Minha família veio de Riolândia. Então os corretores nos enrolaram, falando da abundância de chuva que tinha por aqui. Só que na verdade era chuva demais. Tinha meses que você não podia trabalhar, o mês inteiro chovendo. Hoje já acabou um pouco essa chuva né, mas antes era só chuva. Nossa região de origem era plana, e aqui era serra, área montanhosa. Na hora da mudança mesmo, usamos uma estradinha ruim, e eu olhava aquelas ribanceiras e pensava “se virar aqui, não vai sobrar um...” Pra gente que vivia na planície, qualquer morrinho era coisa de outro mundo. Quando cheguei aqui tinha dezessete anos, estava estudando, fazia curso prático agrícola em Jaboticabal. A japonesada que entrou aqui começou a fazer melhorias nas estradas, jagando pedras. Tinha um caminhãozinho que entrava aqui e levava banana prá Biguá, onde tinha uma estação de trem que puxava banana até Santos, prá exportação. Só passava nas estradas se colocassem corrente nos pneus, e só tirava a corrente pra colocar outra nova (risos). A estrada era muito ruim, péssima. Eu chegeui aqui recém-formado em técnico agrícola e fiquei desanimado com os buracos, com a estrada. O caminhão vivia quebrado...
Pergunta: O que era cultivado aqui?
Coiti: O principal era a banana, né. Naquela época era mais banana, mas depois que a japonesada entrou ai começaram a plantar mais verdura também. Vagem, pimentão. Quando nós chegamos aqui a gente encontrava o povo típico da região, o caiçara, que eram os únicos que vivam nessa região. Eles não tinham estrada, tinham só trilhos. A turma ia pra Iguape de canoa, pelos rios. O máximo que se chegava era até a altura da casa do Totó Carneiro (segundo o entrevistado, a tal casa ficava na altura da atual Escola Jofre Manoel) pelo Rio Preto.
Pergunta: Formou-se aqui uma colônia de japoneses?
Coiti: Sim, eram aproximadamente 30 famílias, do paraná, do Interior de São Paulo, e começaram a plantar vagem no inverno, e no verão pimentão e pepino. Naquela época a gente vendia as verduras para a cooperativa de Cotia, da qual éramos associados. Embarcava naquele caminhão com as correntes nos pneus e levava para Biguá. De lá ia tudo pra São Paulo.
Pergunta: O senhor conta que hije existem apenas cerca de seis famílias de japoneses por aqui. Por que os a maioria foi embora?
Coiti: O que fez muitos abandonarem a região foram as obras de asfaltamento da rodovia Biguá-Iguape, que foram tocadas pela firma Azevedo Travassos. Eles abriram trechos para aplainar a estrada e as chuvas que eram muito pesadas tornaram a estrada intransitável. Para nós daqui era necessário dar a volta por Iguape para levar a mercadoria até Biguá. Era duro, muito mais longe, tínhamos que passar por duas balsas. A mercadoria passava por Pariquera-Açu, Registro, pra depois chegar no destino. Era uma viagem que correspondia a duas até São Paulo, em distância. A japonesada não conseguiu mais aguentar a situação e foi tudo embora, pra outras regiões. A gente ficou de teimoso, porque até agora não ganhamos nada.
Pergunta: A dificuldade continua até hoje?
Coiti: Hoje tá ainda mais difícil. O preço que pagam pelos produtos vem caindo, e o custo dos insumos vai aumentando. Apesar disso, me casei em 1970, e tive dois filhos, que conseguiram estudar. Tenho um filho que se formou em Engenharia Florestal. Na época em que eles estavam estudando nos mudamos para Miracatu, mas eu vinha todos os dias trabalhar aqui no sítio.
Hoje nós trabalhamos todos os dias, eu e minha mulher, e não conseguimos nos sustentar quase. Teve uma época, lá pelos anos oitenta, que vieram pra cá os plantadores de chuchu da região de Guarulhos, os Canelas, os Batistas, os Joanim, e o chuchu deu dinheiro, muito dinheiro. Os meeiros de chuchu compravam carro zero quilômetro! Mas aí todos começaram a plantar chuchu e o preço caiu muito. A maioria dos grandes produtores foi embora, e os que sobraram estão cambaleando aqui.
Acho que muito dessa decadência veio da falta de corrigir o solo, do cultivo repetido na mesma área, que acabou levando a uma queda na produção. Muitos foram para outros locais com solo mais fértil, como Atibaia.
O cultivo de banana está ameaçado também. Nos anos oitenta e noventa, praticamente só havia banana aqui no litoral. Hoje já plantam em Santa Catarina, Minas Gerais, Nordeste... E tem a sigatoca negra, que veio lá do Equador. A pulverização agora é uma necessidade.
Muita gente está abandonando o chuchu e a banana e tentando outras coisas, como o Antúrio.
Pergunta: O senhor pensa em ir embora daqui?
Coiti: Já faz cinquenta anos que estamos aqui, mas às vezes a gente pensa sim. Está cada vez mais difícil nos manter aqui, e meu filho vive dizendo pra eu vender este sítio e ir embora, morar perto dele.

JOSÉ DAVID DO ESPÍRITO SANTO

Já publiquei esse material antes, em outro blog, mas acho que ele merece estar aqui... De tudo o que faço profissionalmente, essa é a parte que mais me dá prazer: ouvir as pessoas. Melhor que ler uma análise erudita, melhor que saborear uma fonte histórica documental. Conversar com os que viveram e sentiram as coisas é o que dá carne e sangue à História. Aqueles fatos relatados com precisão, mas com aridez, nos livros, ganham cor, cheiro, som, ao serem proferidos pelas vozes de suas testemunhas. Pobres historiadores "científicos", que desprezam os relatos por considerá-los "subjetivos". Deixam de ter contato com o que há de mais rico, complexo e revelador...


Entrevista com JOSÉ DAVID DO ESPÍRITO SANTO, 83 anos, um dos mais antigos moradores da nossa região, realizada no dia 30 de junho de 2006, pelos alunos da 8º série “B”.


Jornal do Jofre: Seu José, conte para nós como era a vida no bairro, no passado.

José David: Ah, era muito difícil, muito mesmo. Para chegar até a cidade, fazer nossos negócios, demorava 3 dias. Eu lutava, tinha um patrão lá na cidade que comprava minha produção. Ele mandava uma “lancha” pelo rio Peroupava, que buscava nossas coisas aqui. No começo nós sofremos muito aqui.

JJ: O transporte era feito pelo rio?

JD: Tudo de canoa.

JJ: E qual era o principal produto da região?

JD: Nós vivíamos de arroz, nossa produção era o arroz. Nós íamos na cidade, fazia compra com os negociantes, fiado, aí plantava o arroz, colhia, batia. Depois de cinco ou seis meses, o arroz tava pronto, e aí o negociante mandava a lancha e os sacos para transportar o produto, e nós acertávamos as contas. Nossos mantimentos nós comprávamos em grandes fardos, pra durar o ano inteiro. Mas comprávamos apenas o que não era produzido aqui: café, sal, querosene e sabão, tudo em grande volume. As outras coisas nós produzíamos aqui mesmo: criação, farinha, feijão, milho.

JJ: O senhor freqüentou escola?

JD: Eu fiquei só onze meses na escola, não cheguei a inteirar um ano. A escola era no posto do Itacurumim, no Peroupava.

JJ: E como era o dinheiro naquela época?

JD: Era a época do “réis”, 20 réis, 50 réis, mil réis... Eu ainda tenho guardado lá em casa umas notas dessas antigas.

JJ: Como era o cultivo do arroz?

JD: Plantava-se em outubro, novembro e dezembro. Lá pra abril, maio, nós colhíamos e quando chegava junho a gente batia. O arroz era batido no sistema de “puxirão”: as pessoas da vizinhança eram chamadas para pisar o arroz, que era espalhado pelo chão da casa, e sempre tinha um sentado com o tambor, tocando pra turma manter o ritmo. Até meia-noite batia o arroz, depois da meia-noite o pessoal dançava (risos). Depois de limpo o arroz, a gente avisava o patrão para mandar os sacos, e depois a lancha vinha buscar.

JJ: O senhor se lembra de quando foi que abriram essa estrada aqui (Rodovia Casimiro Teixeira)?

JD: Foi por volta de 1961, 62, que fizeram a primeira estrada, que era ainda de barro. Só tinha uma pessoa que passava por aqui, um japonês apelidado de “Segunda-feira”, que tinha um caminhão e levava nossas coisas pra Iguape. Lembro que ele tinha que colocar correntes nos pneus pra conseguir passar.

JJ: O que o senhor acha da vida nos dias de hoje.

JD: Hoje ta tudo muito fácil, mas mesmo assim ninguém tem nada. Antigamente, ninguém tinha dinheiro, dinheiro não existia. O sujeito que tinha 40 mil réis era considerado rico. A gente não via dinheiro, mas tinha fartura. Hoje ta tudo muito fácil. Aqui da casa da minha filha eu posso ir em Iguape, buscar a mistura do almoço, e ainda voltar em tempo de almoçar. Mesmo assim, ninguém tem nada...

JJ: Por que as coisas estão assim?

JD: Porque os homens trocaram o sistema de trabalhar. Hoje um homem sozinho trabalha por 50, por 100, usando o maquinário. Muita gente ficou sem emprego, e agora um rouba e mata o outro porque não tem meio de viver. Naquela época ninguém se preocupava com nada, as portas vivam abertas, uma tranqüilidade só. Hoje por causa de 5 reais batem em você.

JJ: O senhor se casou, teve filhos?

JD: Fui casado, mas já faz trinta anos que sou viúvo. Tive 5 filhos, 2 homens e 3 mulheres, mas os meus filhos já morreram. Um foi atropelado, com 49 anos, aqui nessa estrada, e o outro morreu afogado numa represa. Moro com uma de minhas filhas aqui perto da escola, e as outras duas vivem em São Vicente.

JJ: Como era a religião no passado?

JD: Naquela época só tinha o Catolicismo. Nos sítios tinha as capelas, pra rezar, e sempre se faziam novenas. Uma vez por ano nós íamos para a Festa de Agosto. Era bonita essa época. A gente levava tudo de canoa pra lá: lenha, farinha, tudo que era de mistura, matava uma criaçãozinha, pra não gastar dinheiro com comida. O dinheirinho que a gente levava era pra comprar alguma coisinha dos turcos, que naquela época só tinha turcos vendendo coisas na feira. A luz acabava cedo. Por volta das 11:30h o gerador desligava e ficava tudo escuro.

JJ: E quando alguém ficava doente?

JD: As pessoas mais velhas conheciam coisas do mato, ervas. A gente os chamava de curador, porque eles sabiam as plantas certas pra fazer remédio.

JJ: O senhor sabe a origem do nome Coveiro?

JD: Muita gente acha que é por causa de um cemitério que tem lá, mas antes de existir o cemitério já se chamava assim. Esse nome é porque existia ali um rio muito cheio de peixes, e o pessoal colocava muitos covos nele. Essa é a origem do nome.

JJ: E como era a política antigamente?

JD: Tinha duas bandas, o PSP e o PDC. No dia da eleição, cada um mandava uma lancha buscar a turma aqui. Lá na cidade eles davam lanche pro pessoal, matavam dois ou três bois. Mas se você subia numa lancha, estava comprometido: tinha que votar na turma dela (risos).

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Surgimento dos humanos

Mais material didático, retirado da Folha de São Paulo de hoje (01/05/2009 - Ciência).


Atlas genético da África mostra origem do homem

Estudo de 121 populações africanas sugere que todas descendem de 14 gruposVarredura também indica que humanos modernos surgiram entre Angola e Namíbia há 200 mil anos e depois colonizaram o globo

Diversidade genética entre africanos é a mais alta do planeta


RICARDO BONALUME NETODA REPORTAGEM LOCAL


Levou uma década, mas uma equipe internacional de pesquisadores coletou amostras de material genético de 2.432 africanos de 113 populações (outras oito já haviam sido estudadas), muitas delas em locais de difícil acesso. O resultado é o mais completo atlas da diversidade genética no continente onde surgiu a humanidade.O estudo confirma muito do que se sabe sobre migrações e distribuição de idiomas, embora traga algumas surpresas. Apesar de existirem mais de 2.000 grupos etnolinguísticos diferentes na África, representando um terço das línguas faladas na Terra, elas podem ser divididas em quatro grandes famílias. São a Níger-Cordofão (Sudão), Nilo-Saariana, Afro-asiática e Khoisan.Mas, principalmente, a pesquisa é uma ferramenta com potencial de esclarecer os fatores de risco genéticos para várias doenças, além de servir para planejar ensaios clínicos mais representativos.Variação genética significa também diferenças na resistência a doenças como câncer, Aids ou malária.Os cientistas compararam os padrões de variação de 1.327 trechos do código genético de 3.000 africanos. A pesquisa está publicada hoje no periódico científico "Science". Foram estudadas 121 populações africanas, 4 de afroamericanos e 60 de outras partes do mundo.Apesar de hoje existirem grupos de caçadores-coletores espalhados pelo continente, a pesquisa mostrou que todos têm ancestrais comuns. De acordo com a coordenadora da pesquisa, Sarah Tishkoff, da Universidade da Pensilvânia, essa foi uma das maiores surpresas do estudo.Estes grupos teriam uma população ancestral que começou a divergir 35 mil anos atrás.Os dados indicam que os africanos de hoje têm origem em 14 grupos populacionais no passado. O ser humano moderno surgiu na África há 200 mil anos e migrou para o resto do globo nos últimos 100 mil anos.Por estarem mais tempo em um continente, com populações de relativamente grandes tamanhos e adaptadas a diferentes nichos ecológicos, os africanos possuem uma maior variabilidade genética."Nosso objetivo era coletar DNA de uma gama significativa de populações etnicamente e geograficamente variadas na África para que pudéssemos estudar a variação genética para beneficiar os africanos, ao permitir que eles conheçam a história da suas populações e servir de base para pesquisa biomédica", afirmou Tishkoff em entrevista coletiva.A dificuldade de acesso e de preservação do material era um dos motivos pelos quais a África era pouco representada nos estudos genéticos. "Muitas vezes pode ser um desafio conseguir amostras de DNA de pessoas vivendo em lugares geograficamente remotos e às vezes perigosos", disse Tishkoff.A pesquisa envolveu muitas vezes viagens de vários dias em veículos com tração 4 X 4. "Tínhamos de trazer todo nosso equipamento, incluindo centrífugas portáteis que precisávamos ligar na bateria do carro, pois frequentemente não havia eletricidade", disse ela.Os dados da variação genética confirmam ainda que o "berço" da espécie humana está no sul do continente. A análise indicou também que a migração do homem moderno se originou no sudoeste africano, perto da fronteira na costa entre Namíbia e Angola.Já o local de "saída" da África teria sido próximo do centro do mar Vermelho."A história de todo mundo é parte da história africana, porque todos vieram da África", disse outro autor do estudo, Muntaser Ibrahim, da Universidade de Cartum, Sudão.

Dica de Leitura - ESTIGMAS


Confesso que fui preconceituoso quanto a este livro... Já o havia visto e folheado várias vezes em sebos e livrarias, mas o estilo dos desenhos me fazia concluir que era uma obra "de vanguarda", indigesta exceto para os adoradores de extravagâncias. Até que um dia levei um espécime para casa e vi o quanto estava errado.

É a história de um beberrão desajustado que, após um sonho cheio de revelações, vê surgirem nas palmas de suas mãos duas chagas que sangram e nunca cicatrizam. A saga desse homem é narrada de forma impressionante, num roteiro belíssimo de autoria de Claudio Piersanti. A arte de Lorenzo Mattotti, que a princípio me era tão estranha, revelou-se o par perfeito para a história torta do "dharma bum".