sexta-feira, 6 de maio de 2016

A lição de Ahasuerus



“Oh sim, é muito bom andar pra cima e pra baixo pelo mundo quando se é jovem. A mente não está desgastada e o coração é fresco. O sono chega em qualquer poltrona, toda comida é digerível e todos os lábios merecem um beijo. Você é leve, oh, leve como uma pena e não arrasta nenhum traste de hábitos ou preconceitos junto a si. Infelizmente não se pode ter eternamente vinte ou mesmo trinta anos. O corpo se esgota, mesmo que a alma permaneça jovem. Chega então um tempo em que um colchão duro afasta o sono e em que o estômago se torna caprichoso. E então você anseia por descanso e conforto, mas é tarde demais. Você sente a necessidade de se estabelecer mas perdeu o hábito. Os horizontes distantes continuam acenando seus milhares de sinais e você se torna infeliz por não poder resistir à essa persuasão. Se você tiver deixado amizades duradouras em qualquer lugar, ainda pior, pois o coração humano não suporta a ideia de uma separação definitiva e se consome no desejo de um reencontro. Cada bela memória de suas viagens se converte em nostalgia que o corrói e atormenta. Além disso, você é um estrangeiro em toda parte, sobretudo em sua terra natal. Você não encontra lugar entre os homens e suas circunstâncias. Seus amigos de infância e de juventude, seus colegas de escola, todos eles permaneceram em suas casas e empenharam-se em ganhar a vida honestamente, enquanto você virou o mundo incessantemente em busca da falsa imagem de algum ideal. Eles são agora pessoas respeitáveis com títulos e condecorações; eles são os pilares da sociedade e da lei e da ordem estabelecida. Quanto a você, é um escolho em seus caminhos e um intruso detestado, e os horizontes limitados deles se encolhem de vergonha diante de seus alargados panoramas. A mente deles, percorrendo pacificamente as veredas já batidas, temem o seu criticismo. Os envergonha que entre eles se encontre alguém que acredita que em outra parte se pode encontrar um sistema melhor de organização, uma lei que melhor os ampare; que as suas condições podem ser aperfeiçoadas e que os exemplos de outros podem instruí-los. Eles o punirão com o ódio e o escárnio por seus pensamentos e julgamentos, mesmo por aqueles que você não expressar. Você não acredita, jovem, que é preferível assentar profundamente as raízes no solo, como uma árvore, e entreter relações amistosas com as árvores vizinhas, e ver o sol se levantar todos os dias no mesmo lugar, ao invés de voejar como um pássaro, de galho em galho, cruzando folgadamente pelo céu azul? Aquele que tem a paixão pela vagabundagem deve morrer jovem, enquanto o cálice das delícias ainda espuma até o cimo, e ainda não se encontra esvaziado. ”

Ahasuerus – (Max Nordau, From Kremlin to Alhambra, 1878)

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