sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Ortega y Gasset

"Eu não sabia que dentro de uma catedral gótica habita sempre um torvelinho, isto é, que apenas pus os pés no interior fui arrebatado do meu próprio peso sobre a terra - esta boa terra onde tudo é firme e claro e pode-se apalpar as coisas e se vê onde começam e onde acabam (...) Homem sem imaginação, que não gosta de andar em trato com criaturas de condição equívoca, movediça e vertiginosa, tive um movimento instintivo, desfiz o passo dado, fechei a porta atrás de mim e voltei a encontrar-me sentado fora, olhando a terra, a doce terra quieta e áurea do sol, que resiste às plantas dos pés, que não vai e vem, que está aí e não faz gesto nem diz nada. E então recordei que, obedecendo um instante, não mais, à loucura de toda aquela inquieta população interior do templo, havia olhado para cima, lá, no altíssimo, curioso de conhecer o acontecimento supremo que me era enunciado, e havia visto os nervos dos pilares se lançarem até o sublime com uma  decisão de suicidas, e, no caminho, travarem-se com outros, atravessá-los, enlaçá-los e continuarem mais adiante sem repouso, despreocupadamente, para cima, para cima, sem acabarem nunca de concretizar-se; para cima, para cima, até se perderem numa confusão última que se assemelhava a um nada onde tudo se achava fermentado. A isto atribuo ter perdido a serenidade".
Ortega y Gasset
("El Arte de Este Mundo y del Otro", 1911)

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