sexta-feira, 15 de maio de 2009
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Sobre a História Oral
"Antes do século XX, o enfoque da História era essencialmente político: uma documentação da luta pelo poder, onde pouca atenção mereceram as vidas das pessoas comuns. O tempo histórico dividia-se segundo reinados e dinastias. Isso acontecia porque os historiadores, eles mesmos pertencentes às classes que administravam e governavam, consideravam que isto era o que mais importava. A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho, traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Propicia o contato entre pessoas de diferentes classes sociais e diferentes gerações."
Paul Thompson - A Voz do Passado - História Oral
Elite Intelectual Brasileira...
“Aos olhos da população, a imagem do Estado passou a ser a de um monstro perigosíssimo porém meio cego, a de um tirano violento mas meio caduco, de quem se podia rir pelas costas. Os intelectuais, por sua vez, eram poucos; a consciência deles ficava, inevitavelmente, dividida. Liam com simpatia, às vezes com entusiasmo, as doutrinas liberais elaboradas na Europa; no entanto, viviam em ambientes familiares mais ou menos privilegiados, frequentemente servidos por escravos. Eram obrigados a conciliar a adesão a uma ideologia avançada com a aceitação quotidiana de instituições espantosamente retrógradas. Da perspectiva em que se achavam colocados, os intelectuais ficavam praticamente impossibilitados de compreender a fundo as contradições da sociedade em que viviam.”
BARÃO DE ITARARÉ - O HUMORISTA DA DEMOCRACIA - Leandro Konder
Charles Mingus

“Watts tinha sua própria hierarquia social, como qualquer comunidade americana média de negros que trabalhavam[...]. Alguns dos rapazes, três, quatro ou cinco anos mais velhos escolhiam Charles como o excluído dos excluídos porque era uma espécie de mestiço, mais claro que alguns, mas não claro o suficiente para pertencer ao grupo dos negros bonitos e elegantes.[...] Não havia realmente cor de pele como a dele. Então deixou de queimar os cabelos com o pente-quente de alisar da sua mãe e passou a molhá-los para que ficassem enroscados com o ar autêntico, natural e digno, crespo e lanoso. Ninguém o aceitou, cabelos crespos ou não.
O ódio negro que pairava no ar contra o branco era canalizado para ele, um mestiço de merda, falso e amarelado. Outros podiam dar uma de bamba e se chamar de crioulo filho-da-mãe ou negro cabeça de palha de aço, mas não engoliam nenhuma conversa tipo “meu irmão” da parte dele, coisa que descobriu de maneira cruel numa festa quando entrou e cumprimentou Snookum Young com um “Olá, negão!”, e se viu com uma navalha tentando retalhar o seu rosto. Podia ter sido o dia de sua morte. Ficou tão cauteloso que depois disso chamava o quadro-negro de quadro-de-giz.
Sempre que olhava para o espelho e perguntava “O que sou?”, achava que podia ver um número de traços: índio, africano, mexicano, asiático, e uma certa quantidade de branco de uma fonte sobre a qual seu pai se vangloriara. Queria ser uma coisa ou outra, mas era um pouco de tudo, inteiramente nada, de raça alguma, de nenhum, país, bandeira ou amizade.
Então Charles passou a usar cabelos alisados e a circular com outros mestiços, os poucos japoneses, mexicanos, judeus e gregos que havia no Jordan.[...] Eu entendi o que ele estava tentando fazer. Conheci outras poucas pessoas que viviam naquela ilha sem cor.”
“O jazz não foi feito para dar milhões a ninguém, mas é aí que mora o problema. Aqueles que escolheram praticá-lo da maneira mais pura estão na rua da amargura comigo e com Bird, e estamos na chuva para nos encharcar. Eu me dava muito melhor quando ninguém conhecia o meu nome, só os músicos. Pode apostar que deixa de ser jazz quando o submundo entra na jogada e o administra exclusivamente para fazer grana e até tira da jogada os agentes de cor. Calam a tua boca, enganam você na contabilidade das vendas de discos e, se você não chiar, dizem ao mundo que é um verdadeiro gênio. Mas se não se dobrar a eles, vão espalhar que você é um encrenqueiro, como fizeram comigo. E então, se um dono de clube honesto quiser contratá-lo para fazer umas apresentações, vão dizer que você não está disponível, ou que não atrai platéia, ou que vai arrasar o clube como se fosse um gorila. E você não vai ficar sabendo de nada disso, a não ser por acaso.”
SAINDO DA SARJETA - AUTOBIOGRAFIA DE CHARLES MINGUS
Kurt Vonnegut e a História: um jeito diferente de encarar as coisas...

Muitas vezes um literato ou escritor consegue relatar um acontecimento histórico com mais clareza e verdade que os próprios historiadores. Um exemplo é a irônica descrição que Kurt Vonnegut fez do processo de “colonização” da América pelos europeus, transcrito abaixo:
“Professores de crianças escreviam a seguinte data nos quadros-negros ano após ano, dizendo que os alunos a memorizassem com orgulho e alegria: 1492.
Os professores diziam que naquele ano o continente em que vivam havia sido descoberto pelos seres humanos. Na verdade, milhões de seres humanos já estavam vivendo vidas plenas e inventivas no continente em 1492. Esse foi simplesmente o ano em que piratas dos mares começaram a enganá-los, roubá-los e matá-los.
E havia outra tolice ruim que se ensinava às crianças: que os piratas dos mares acabaram criando um governo que se tornou um farol de liberdade a seres humanos de todos os lugares. Havia retratos e estátuas desse suposto farol imaginário para que as crianças vissem. Era como uma casquinha de sorvete pegando fogo. Na verdade, os piratas do mar que tinham mais a ver com a criação do novo governo possuíam escravos humanos. Eles usavam seres humanos como maquinário e, mesmo depois que a escravatura foi abolida, por ser tão constrangedora, eles e seus descendentes seguiram vendo os seres humanos comuns como máquinas. Os piratas do mar eram brancos. As pessoas que já viviam no continente quando os piratas chegaram eram cor de cobre. Quando a escravidão foi introduzida no continente, os escravos eram negros.
Cor era tudo.
Eis como os piratas conseguiram tomar tudo o que quiseram de todas as pessoas: eles tinham os melhores barcos do mundo, eram mais malvados do que qualquer um e tinham a pólvora, que era uma mistura de potássio, carvão e enxofre. Encostavam fogo nesse pó aparentemente inofensivo e ele violentamente se transformava em gás. Esse gás soprava projéteis de dentro de tubos de metal em velocidades incríveis. Os projéteis atravessavam a carne e os ossos com muita facilidade; assim, os piratas podiam destruir os fios, as tripas e os canos de um ser humano teimoso, mesmo quando ele estivesse muito, muito longe.
A principal arma dos piratas do mar, no entanto, era a capacidade de surpreender. Ninguém era capaz de acreditar, até que fosse tarde demais, o quanto eles eram cruéis e gananciosos.”
CAFÉ-DA-MANHÃ DOS CAMPEÕES - Kurt Vonnegut
terça-feira, 12 de maio de 2009
VISÕES DA AMÉRICA DO SUL

“A voz do professor adquiria um ar estranhamente inspirado sempre que falava a respeito de seus índios, a antes rebelde raça aimará, famosa por deter os exércitos incas durante séculos, e mudava para um desânimo profundo quando falava da condição atual dos índios, brutalizados pela civilização moderna. Ou quando falava dos mestiços impuros, seus terríveis inimigos, que se vingam dos aimarás por sua própria posição ambígua, nem peixe nem ave.
Ele nos falou da necessidade de montar escolas para ajudar as pessoas a valorizar seu próprio mundo e capacitá-las a desempenhar um papel digno dentro dele; da importância de se reformar completamente o atual sistema de educação, que, nas raras ocasiões em que oferece aos índios alguma educação (educação, claro está, de acordo com os critérios dos brancos), os preenche apenas com vergonha e ressentimento, deixando-os incapazes de ajudar seus irmãos índios e em uma tremenda desvantagem na sociedade branca, que lhes é hostil e não os quer aceitar.
O destino dessa gente infeliz é vegetar em algum serviço burocrático obscuro e morrer esperando que, graças ao poder milagroso de uma gota de sangue espanhol em suas veias, um ou outro de seus filhos possa, de alguma maneira, chegar ao objetivo aspirado por eles até o fim de seus dias. Enquanto falava, seu punho compulsivamente apertado denunciava o espírito de um homem atormentado por seu próprio infortúnio e por aquele mesmo desejo que ele atribuía a seu exemplo hipotético.
Não era ele, na verdade, o típico produto de uma educação que prejudica a pessoa que a recebe, apenas para demonstrar o poder mágico daquela preciosa ‘gota de sangue’, mesmo que esta tenha vindo de alguma pobre mulher mestiça vendida a um cacique local ou tenha sido resultado do estupro de uma serviçal índia pelo senhor espanhol bêbado?”
"De moto pela América do Sul - Diário de Viagem" Ernesto Guevara de la Sierna
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