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terça-feira, 12 de maio de 2009
VISÕES DA AMÉRICA DO SUL

“A voz do professor adquiria um ar estranhamente inspirado sempre que falava a respeito de seus índios, a antes rebelde raça aimará, famosa por deter os exércitos incas durante séculos, e mudava para um desânimo profundo quando falava da condição atual dos índios, brutalizados pela civilização moderna. Ou quando falava dos mestiços impuros, seus terríveis inimigos, que se vingam dos aimarás por sua própria posição ambígua, nem peixe nem ave.
Ele nos falou da necessidade de montar escolas para ajudar as pessoas a valorizar seu próprio mundo e capacitá-las a desempenhar um papel digno dentro dele; da importância de se reformar completamente o atual sistema de educação, que, nas raras ocasiões em que oferece aos índios alguma educação (educação, claro está, de acordo com os critérios dos brancos), os preenche apenas com vergonha e ressentimento, deixando-os incapazes de ajudar seus irmãos índios e em uma tremenda desvantagem na sociedade branca, que lhes é hostil e não os quer aceitar.
O destino dessa gente infeliz é vegetar em algum serviço burocrático obscuro e morrer esperando que, graças ao poder milagroso de uma gota de sangue espanhol em suas veias, um ou outro de seus filhos possa, de alguma maneira, chegar ao objetivo aspirado por eles até o fim de seus dias. Enquanto falava, seu punho compulsivamente apertado denunciava o espírito de um homem atormentado por seu próprio infortúnio e por aquele mesmo desejo que ele atribuía a seu exemplo hipotético.
Não era ele, na verdade, o típico produto de uma educação que prejudica a pessoa que a recebe, apenas para demonstrar o poder mágico daquela preciosa ‘gota de sangue’, mesmo que esta tenha vindo de alguma pobre mulher mestiça vendida a um cacique local ou tenha sido resultado do estupro de uma serviçal índia pelo senhor espanhol bêbado?”
"De moto pela América do Sul - Diário de Viagem" Ernesto Guevara de la Sierna
domingo, 10 de maio de 2009
Dica de Filme: A Língua das Borboletas

Dirigido por José Luiz Cuerda, o filme espanhol trata do pouco abordado tema "Guerra Civil Espanhola". A história se passa num pequeno vilarejo da Galícia, às vesperas da guerra. O clima é de liberdade, já que a república está no poder e, pela primeira vez, os espanhóis tem voz ativa nos destinos do país.
Neste cenário nos são apresentados os protagonistas: Moncho, um menino de 7 anos que é filho de um alfaiate republicano, e seu professor Dom Gregório, um livre-pensador anti-autoritário. Destaca-se também a mãe do menino, personagem que está na fronteira entre aderir ao republicanismo, cujos princípios lhe agradam, ou prudentemente se agarrar à onda autoritária, para proteger a família da sanha reacionária.
Do ponto de vista da história, o filme é valioso ao mostrar o contexto pré-guerra civil. Percebemos as contradições entre os que estavam descontentes com o que consideravam "liberdade excessiva", e que seriam os pricipais fomentadores das forças de Franco, e os que abraçaram a República com todas as suas forças. O fillme desenha essa cisão em andamento, que desembocaria na sangrenta guerra fratricida.
Mas o filme vai além, e faz algo muito difícil, raramente atingido por filmes do gênero: consegue tratar com profundidade e coerência tanto o contexto histórico quanto a vida pessoal e familiar (digamos, a microhistória) dos que ali estavam presentes. O diretor nunca deixa de contemplar essas dimensões, talvez porque, intencionalmente, não as trata como duas coisas, mas as vê como intimamente ligadas: são as vidas individuais, escolhas, sentimentos e ações das pessoas que determinam a "história grande", e, em contrapartida, são por ela influenciadas.
Poética, reveladora, e com um final impactante, a obra merece ser vista por professores de História, estudantes e por todos os que gostem de bom cinema.
sexta-feira, 8 de maio de 2009
LEADBELLY

"A voz que canta neste álbum possui os poderes mais elementares – emoção e humor – e o home à qual pertence foi intimamente familiarizado com as paixões que referiu-se em sua canções. Huddie Ledbetter, conhecido como Leadbelly, nasceu em Louisiana, nos anos de 1880. Morreu em 6 de Dezembro de 1949 no Hospital Bellevue, de Nova Iorque, do mesmo mal que matou Lou Gehring [esclerose lateral amiotrófica]. Durante os 60 anos de intervalo, levou uma vida repleta de violência, depravação, crime, cobiça e numerosos caminhos próximos da morte.
Leadbelly nasceu numa fazenda de seu pai, próximo a Mooringsport, na Louisiana. De acordo com suas próprias palavras, ele foi “um rapaz mau e terrível”. Com 15 anos foi acusado pela filha de um vizinho de ser pai de sua criança. Um ano mais tarde, quando a mesma moça, ainda solteira, engravidou novamente, a ira moral da comunidade forçou Leadbelly a fugir. Com a guitarra sobre o ombro e um Colt preso sob seu braço, Leadbelly foi para a cidade. Tentou Shreveport por algum tempo e depois foi para Dallas. Leadbelly conheceu um padrão de vida agradável. Nos outonos e verões trabalhou nas terras das fazendas ao leste de Dallas, arando e colhendo algodão. Durante os invernos levava uma vida tranqüila, cantando e tocando em salões de baile e casas suspeitas; mas havia a falta de sorte. Seus modos insolentes, seu temperamento agitado e sua maneira de tratar as mulheres deram-lhe inimigos. Numa ocasião, um rival pegou-o desprevenido e rachou sua cabeça com uma garrafa. Outra vez, cantava e dançava num salão, quando um assaltante enfiou uma faca em sua garganta, puxou a metade da lâmina e girou-a em torno do seu pescoço antes que Leadbelly o jogasse longe. Como resultado, uma cicatriz marcou, como um colar, em torno do seu pescoço, pelo resto de sua vida.
As mulheres apareciam em outro tipo de confusões. Como raramente encontrava resistência por parte delas, tornou-se arrogante e exigente ao mesmo tempo. Certa vez, em Marshall, uma delas repeliu-o e ele violentou-a. Por causa disso foi condenado a um ano na cadeia de Harrison County, mas, depois de três dias, pulou uma cerca e correu para a liberdade através de um campo de plantação.
Em outra ocasião, Leadbelly viajava com dois companheiros por um rio. A noite estava escura e eles estavam armados. Um dos rapazes começou a gracejar com o outro, dizendo que Leadbelly havia visto algo de sua garota. O companheiro, vexado, puxou sua arma ameaçadoramente, mas, antes que pudesse usá-la, Leadbelly atirou na sua cabeça. Desta vez pegou uma sentença de trinta anos, e falharam todos seus esforços para escapar. Também falhou uma tentativa de afogar-se num lago. Com o correr do tempo e bom comportamento, conseguiu tornar-se o chefe do melhor grupo dos trabalhadores da penitenciária.
Tornou-se, igualmente, o artista favorito dentre os presos. Nesta época, Leadbelly já tinha uma vasta coleção de blues, canções diversas, work songs, baladas e spirituals, que juntaram-se ao seu repertório de blues de prisão.
Tocando sua guitarra de 12 cordas e cantando com sua voz intensa e áspera, transformou este repertório em algo para ser ouvido. Uma ocasião, visitou a prisão o governador do Texas, Pat M. Neff, do qual diziam jamais ter perdoado qualquer homem. Leadbelly dançou, cantou e tocou para Neff, sua esposa e comitiva. O governador disse: “Leadbelly, vou libertá-lo algum dia, mas terá que ficar e tocar para mim”. Um ou dois dias antes de terminar seu mandato Neff enviou ordens para Leadbelly ser libertado; ele ficara preso 6 anos, sete meses e oito dias.
Dez anos depois Leadbelly foi preso novamente. Desta vez recebeu uma sentença de dez anos na Fazenda Estadual da Louisiana, em Angola, por esfaquear seis homens numa briga de rua (eles queriam tomar-lhe a sua vasilha de refeições para colocarem uísque nela).
Foi nessa ocasião que o conhecido pesquisador folclórico John Lomax, compromissado em gravar canções e diversos cantores para a Biblioteca do Congresso Americano, encontrou-o. Lomax e seu filho Alan trouxeram uma gravação de Leadbelly feita em alumínio, cantando num lado um pedido de perdão e, no outro, “Goodnight Irene” para o governador da Louisiana, O. K. Allen. Logo após, Leadbelly estava livre.
A conduta de Leadbelly na prisão foi exemplar. Os Lomax levaram-no em suas expedições para cantar nas prisões, pelo sul do país. Ele provou ser um companheiro e assistente digno de confiança, gentil e útil, exceto por seus desaparecimentos imprevisíveis, quando saía em busca de uísque e mulheres. De tempos em tempos, John Lomax realizava conferências em Harvard e outros honoráveis estabelecimentos de ensino; o canto e a execução de Leadbelly tornaram-se parte das mesmas. Os bacharelandos sentavam-se fascinados quando ele os advertia num aparte: “Jamais matem mulheres, ou isso será o seu fim”. Os Lomax levaram Leadbelly para Nova Iorque. A imprensa começou a escrever sobre ele, e o resto é história. Nos seus últimos anos, um homem alto e musculoso, de semblante temível e cabelos brancos, apresentou-se em concertos nos Estados Unidos e em Paris.
Em Hollywood, Leadbelly gravou essas doze faixas para a Capitol; cantou e tocou sua guitarra de doze cordas em Goodnight Irene, Take this Hammer, Ella Speed e outras de suas canções famosas. Ele também foi persuadido a gravar duas faixas do seu piano influenciado pelo ragtime, hoje duas raridades.
Poucos anos depois Leadbelly morria. A voz parou, o coração parou, as aflições, a agitação e o humor chegaram a um fim. Deixou como legado sua rara herança de excelentes gravações, entre elas estas 12 faixas importantes. "
Leadbelly nasceu numa fazenda de seu pai, próximo a Mooringsport, na Louisiana. De acordo com suas próprias palavras, ele foi “um rapaz mau e terrível”. Com 15 anos foi acusado pela filha de um vizinho de ser pai de sua criança. Um ano mais tarde, quando a mesma moça, ainda solteira, engravidou novamente, a ira moral da comunidade forçou Leadbelly a fugir. Com a guitarra sobre o ombro e um Colt preso sob seu braço, Leadbelly foi para a cidade. Tentou Shreveport por algum tempo e depois foi para Dallas. Leadbelly conheceu um padrão de vida agradável. Nos outonos e verões trabalhou nas terras das fazendas ao leste de Dallas, arando e colhendo algodão. Durante os invernos levava uma vida tranqüila, cantando e tocando em salões de baile e casas suspeitas; mas havia a falta de sorte. Seus modos insolentes, seu temperamento agitado e sua maneira de tratar as mulheres deram-lhe inimigos. Numa ocasião, um rival pegou-o desprevenido e rachou sua cabeça com uma garrafa. Outra vez, cantava e dançava num salão, quando um assaltante enfiou uma faca em sua garganta, puxou a metade da lâmina e girou-a em torno do seu pescoço antes que Leadbelly o jogasse longe. Como resultado, uma cicatriz marcou, como um colar, em torno do seu pescoço, pelo resto de sua vida.
As mulheres apareciam em outro tipo de confusões. Como raramente encontrava resistência por parte delas, tornou-se arrogante e exigente ao mesmo tempo. Certa vez, em Marshall, uma delas repeliu-o e ele violentou-a. Por causa disso foi condenado a um ano na cadeia de Harrison County, mas, depois de três dias, pulou uma cerca e correu para a liberdade através de um campo de plantação.
Em outra ocasião, Leadbelly viajava com dois companheiros por um rio. A noite estava escura e eles estavam armados. Um dos rapazes começou a gracejar com o outro, dizendo que Leadbelly havia visto algo de sua garota. O companheiro, vexado, puxou sua arma ameaçadoramente, mas, antes que pudesse usá-la, Leadbelly atirou na sua cabeça. Desta vez pegou uma sentença de trinta anos, e falharam todos seus esforços para escapar. Também falhou uma tentativa de afogar-se num lago. Com o correr do tempo e bom comportamento, conseguiu tornar-se o chefe do melhor grupo dos trabalhadores da penitenciária.
Tornou-se, igualmente, o artista favorito dentre os presos. Nesta época, Leadbelly já tinha uma vasta coleção de blues, canções diversas, work songs, baladas e spirituals, que juntaram-se ao seu repertório de blues de prisão.
Tocando sua guitarra de 12 cordas e cantando com sua voz intensa e áspera, transformou este repertório em algo para ser ouvido. Uma ocasião, visitou a prisão o governador do Texas, Pat M. Neff, do qual diziam jamais ter perdoado qualquer homem. Leadbelly dançou, cantou e tocou para Neff, sua esposa e comitiva. O governador disse: “Leadbelly, vou libertá-lo algum dia, mas terá que ficar e tocar para mim”. Um ou dois dias antes de terminar seu mandato Neff enviou ordens para Leadbelly ser libertado; ele ficara preso 6 anos, sete meses e oito dias.
Dez anos depois Leadbelly foi preso novamente. Desta vez recebeu uma sentença de dez anos na Fazenda Estadual da Louisiana, em Angola, por esfaquear seis homens numa briga de rua (eles queriam tomar-lhe a sua vasilha de refeições para colocarem uísque nela).
Foi nessa ocasião que o conhecido pesquisador folclórico John Lomax, compromissado em gravar canções e diversos cantores para a Biblioteca do Congresso Americano, encontrou-o. Lomax e seu filho Alan trouxeram uma gravação de Leadbelly feita em alumínio, cantando num lado um pedido de perdão e, no outro, “Goodnight Irene” para o governador da Louisiana, O. K. Allen. Logo após, Leadbelly estava livre.
A conduta de Leadbelly na prisão foi exemplar. Os Lomax levaram-no em suas expedições para cantar nas prisões, pelo sul do país. Ele provou ser um companheiro e assistente digno de confiança, gentil e útil, exceto por seus desaparecimentos imprevisíveis, quando saía em busca de uísque e mulheres. De tempos em tempos, John Lomax realizava conferências em Harvard e outros honoráveis estabelecimentos de ensino; o canto e a execução de Leadbelly tornaram-se parte das mesmas. Os bacharelandos sentavam-se fascinados quando ele os advertia num aparte: “Jamais matem mulheres, ou isso será o seu fim”. Os Lomax levaram Leadbelly para Nova Iorque. A imprensa começou a escrever sobre ele, e o resto é história. Nos seus últimos anos, um homem alto e musculoso, de semblante temível e cabelos brancos, apresentou-se em concertos nos Estados Unidos e em Paris.
Em Hollywood, Leadbelly gravou essas doze faixas para a Capitol; cantou e tocou sua guitarra de doze cordas em Goodnight Irene, Take this Hammer, Ella Speed e outras de suas canções famosas. Ele também foi persuadido a gravar duas faixas do seu piano influenciado pelo ragtime, hoje duas raridades.
Poucos anos depois Leadbelly morria. A voz parou, o coração parou, as aflições, a agitação e o humor chegaram a um fim. Deixou como legado sua rara herança de excelentes gravações, entre elas estas 12 faixas importantes. "
Texto encontrado na contracapa do álbum (LP) Capitol Jazz Classics Vol. 7, lançado no Brasil pela EMI em 1975. Não há referências à autoria do mesmo.

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