quarta-feira, 17 de setembro de 2014
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
Clássico
Pai de Níquel Náusea, Fernando Gonsales diz não ler quadrinhos
CESAR SOTO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Com 29 anos de carreira como cartunista, Fernando Gonsales, 53, criador da tirinha "Níquel Náusea", publicada diariamente na Folha, não anda lendo quadrinhos.
Homenageado pelo HQMix, maior
prêmio das HQs nacionais, Gonsales afirma, meio sem jeito, que
ultimamente tem "lido mais livros de iniciação científica".
"Não tenho um objetivo com isso, ajuda um pouco nas tiras", diz. "É um
assunto que me interessa, em especial evolução e comportamento." A
despeito da formação como biólogo e veterinário e dos hábitos de
leitura, ele sobrevive somente como cartunista.
A homenagem está presente no troféu deste ano. O prêmio que será
entregue aos escolhidos desta 26ª edição tem a forma de seu personagem
mais famoso, o rato Níquel Náusea, ao lado da barata Fliti, presa por
uma ratoeira.
Raquel Cunha/Folhapress | ||
Fernando Gonsales e o troféu criado com personagens de 'Níquel Náusea' |
"Para falar a verdade, eu pedia para adiarem ao máximo. Eu acho mais legal quando o homenageado é um autor morto, né?", ri.
Gonsales, tem de consultar suas anotações para lembrar quantas vezes ganhou o prêmio. "Acho que foram umas 25 vezes", diz.
Na folha sulfite que serve de lembrete, ele marca categoria, ano e, caso
não tenha sido escolhido pela tirinha, quem levou a melhor —Laerte é
seu maior "concorrente", de acordo com as anotações.
A lista entrega uma verdade um pouco mais humilde. Desde a primeira
edição, em 1988, foram, na verdade, 22 troféus —o primeiro deles em
1989, quatro anos após iniciar sua carreira como cartunista na Folha, com a tira que é publicada até hoje.
O cartunista conta que observou uma evolução na personalidade de Níquel
ao longo das décadas, o que acompanha seu próprio amadurecimento. "O
personagem sempre reflete a forma como você é", afirma. "No começo, ele
era mais irado. Agora, é mais galhofeiro."
A própria tirinha evoluiu também. Se no começo ele afirma que se
obrigava a manter Níquel como a estrela de ao menos 60% delas, com o
tempo foi diminuindo a presença do rato.
"Na prática, eu não tenho feito mais tiras do Níquel", conta. "Tento me
manter mais nos animais, para manter o tema, mas chega uma hora que
esgota. Dá mais vontade de fazer outras coisas."
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Baudelaire, Os Faróis, tradução Delfino Guimarães
Rubens, rio do olvido, jardim da preguiça,
Divã de carne tenra onde amar é proibido,
Mas onde a vida flui e eternamente viça,
Como o ar no céu e o mar dentro do mar contido;
Da Vinci, espelho tão sombrio quão profundo,
Onde anjos cândidos, sorrindo com carinho
Submersos em mistério, irradiam-se ao fundo
Dos gelos e pinhais que lhes selam o ninho;
Rembrandt, triste hospital repleto de lamentos,
Por um só crucifixo imenso decorado,
Onde a oração é um pranto em meio aos excrementos,
E por um sol de inverno súbito cruzado;
Miguel Ângelo, espaço ambíguo em que vagueiam
Cristo e Hércules, e onde se erguem dos ossários
Fantasmas colossais que à tíbia luz se arqueiam
E cujos dedos hirtos rasgam seus sudários;
Impudências de fauno, iras de boxeador,
Tu que de graça aureolaste os desgraçados,
Coração orgulhoso, homem fraco e sem cor,
Puget, imperador soturno dos forçados;
Watteau, um carnaval de corações ilustres,
Quais borboletas a pulsar por entre os lírios,
Cenários leves inflamados pelos lustres
Que à insânia incitam este baile de delírios;
Goya, lúgubre sonho de obscuras vertigens,
De fetos cuja carne cresta os sabás,
De velhas ao espelho e seminuas virgens,
Que a meia ajustam e seduzem Satanás;
Delacroix, lago onde anjos maus banham-se em sangue,
Na orla de um bosque cujas cores não se apagam
E onde entranhas fanfarras, sob um céu exangue,
Como um sopro de Weber entre os ramos vagam;
Essas blasfêmias e lamentos indistintos,
Esses Te Deum, essas desgraças, esses ais
São como um eco a percorrerem mil labirintos,
E um ópio sacrossanto aos corações mortais!
É um grito expresso por milhões de sentinelas,
Uma ordem dada por milhões de porta-vozes;
É um farol a clarear milhões de cidadelas,
Um caçador a uivar entre animais ferozes!
Sem dúvida, Senhor, jamais o homem vos dera
Testemunho melhor de sua dignidade
Do que esse atroz soluço que erra de era em era
E vem morrer aos pés de vossa eternidade!
Divã de carne tenra onde amar é proibido,
Mas onde a vida flui e eternamente viça,
Como o ar no céu e o mar dentro do mar contido;
Da Vinci, espelho tão sombrio quão profundo,
Onde anjos cândidos, sorrindo com carinho
Submersos em mistério, irradiam-se ao fundo
Dos gelos e pinhais que lhes selam o ninho;
Rembrandt, triste hospital repleto de lamentos,
Por um só crucifixo imenso decorado,
Onde a oração é um pranto em meio aos excrementos,
E por um sol de inverno súbito cruzado;
Miguel Ângelo, espaço ambíguo em que vagueiam
Cristo e Hércules, e onde se erguem dos ossários
Fantasmas colossais que à tíbia luz se arqueiam
E cujos dedos hirtos rasgam seus sudários;
Impudências de fauno, iras de boxeador,
Tu que de graça aureolaste os desgraçados,
Coração orgulhoso, homem fraco e sem cor,
Puget, imperador soturno dos forçados;
Watteau, um carnaval de corações ilustres,
Quais borboletas a pulsar por entre os lírios,
Cenários leves inflamados pelos lustres
Que à insânia incitam este baile de delírios;
Goya, lúgubre sonho de obscuras vertigens,
De fetos cuja carne cresta os sabás,
De velhas ao espelho e seminuas virgens,
Que a meia ajustam e seduzem Satanás;
Delacroix, lago onde anjos maus banham-se em sangue,
Na orla de um bosque cujas cores não se apagam
E onde entranhas fanfarras, sob um céu exangue,
Como um sopro de Weber entre os ramos vagam;
Essas blasfêmias e lamentos indistintos,
Esses Te Deum, essas desgraças, esses ais
São como um eco a percorrerem mil labirintos,
E um ópio sacrossanto aos corações mortais!
É um grito expresso por milhões de sentinelas,
Uma ordem dada por milhões de porta-vozes;
É um farol a clarear milhões de cidadelas,
Um caçador a uivar entre animais ferozes!
Sem dúvida, Senhor, jamais o homem vos dera
Testemunho melhor de sua dignidade
Do que esse atroz soluço que erra de era em era
E vem morrer aos pés de vossa eternidade!