segunda-feira, 31 de agosto de 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

Resenha Crítica elaborada como trabalho de conclusão de curso da disciplina "História: Novos Agentes Sociais, Etnia e Gênero"

A autora

Maria Izilda Santos de Matos possui graduação em História pela Universidade de São Paulo (1978) e doutorado em História pela Universidade de São Paulo (1991), tem pós doutorado Université Lumiere Lyon 2/França (1997). Atualmente é professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, colaboradora da Universidade Estadual do Ceará e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Participou de vários outros projetos de pesquisa, é pesquisadora 1do CNPq. Em 1994 recebeu o prêmio SESI-CNI de Teses Universitárias, com o trabalho Trama e Poder, em que estuda as indústrias paulistas, entre 1890-1934. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil, atuando principalmente nos seguintes temas: historia, música, gênero, historia das mulheres e cidade. Entre suas obras destacam-se: Melodia e Sintonia: o masculino, o feminino e suas relações em Lupicínio Rodrigues. RJ, 2ª ed., Bertrand Brasil, 1999. Dolores Duran: Experiências Boêmias em Copacabana nos anos 50. RJ: Bertrand Brasil,2.ed,2002. O imaginário em debate. SP, Olho d'água, 1998. A Cidade em debate. SP, Olho D'água, 1999. Por uma história das mulheres, SP, EDUSC, 2000. Meu lar é o botequim, SP, Cia Editora Nacional, 2.ed., 2002. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho, SP, EDUSC, 2002. Ancora de Emoções, Bauru, EDUSC, 2005. Gênero e Terceiro Setor. Ed. Catavento, 2005. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo de Adoniran Barbosa. Bauru, EDUSC, 2008. História e Deslocamentos: os portugueses. Bauru/Porto, EDUSC/CEPESE, 2008[1].

A obra

“Âncora de Emoções” é uma obra que cruza dois universos: o do pensamento e discurso médicos dos fins do século XIX e início do XX, e o dos compositores de músicas populares do Brasil das décadas de 1930, 1940 e 1950. O objetivo desse encontro é estabelecer discussões sobre a questão dos gêneros, suas relações e conflitos. A análise desses dois campos, aparentemente irreconciliáveis, nos permite encontrar surpreendentes similaridades, assimilações e paralelismos. Parte do discurso médico foi absorvida e reproduzida nas noções de masculino e feminino expressas nas letras das canções, mesmo nas produzidas por artistas do sexo feminino, como Dolores Duran, o que mostra a penetração que tais idéias tinham na sociedade.
Além disso, a obra traz um conjunto de reflexões sobre os novos campos de análise histórica, bem como das novas técnicas de investigação, novas abordagens, novas metodologias e conceitos.


Outras histórias

A produção historiográfica se modifica ao longo do tempo, caminhando lado a lado com as transformações mais gerais ocorridas na sociedade e, principalmente, na forma de pensar e entender o Universo. O século XX foi pródigo em revoluções de paradigmas, levando a um profundo processo de reconstrução e revisão de mentalidades. A História, como “filha de seu tempo”, não passou incólume.
Apesar de algumas obras já contrariarem essa generalização, a produção historiográfica anterior ao século XX resumia-se a algo produzido dentro de uma determinada perspectiva, qual seja, a do homem de elite europeu. Tudo o que diferia desse escopo era visto como distorção, como exceção. Com o advento de novas correntes de análise, outras possibilidades passaram a fazer parte do trabalho do historiador. Descobriu-se a historicidade de todas as coisas humanas, de sentimentos a sensações, de pensamentos a técnicas. Dentro desse grande movimento, abriu-se espaço para os estudos voltados às minorias, às mentalidades, e, finalmente, análises visando as relações entre homens e mulheres ao longo do tempo, delimitando o campo de gênero. Os historiadores abriram os olhos para agentes históricos que estavam relegados à obscuridade nos escritos, mas que tinham importância capital na realidade, e assim a produção historiográfica ganhou profundidade e consistência.

Música: caixa de ressonância das sensibilidades

A produção musical de um determinado período, se analisada da maneira correta, pode servir como uma poderosa fonte de conhecimentos acerca de aspectos pouco abordados em outros tipos de documentos: a sensibilidade, a emoção, os padrões morais. É o público quem determina o que é sucesso ou não. É ele que mostra desejo por certas temáticas e rejeita outras. Dessa forma, muito se pode conhecer da sensibilidade de uma época através da análise das canções que estavam na “boca do povo”.

Mulheres e o discurso médico

Nos fins do século XIX e início do XX o Brasil passava por grandes transformações. Em processos que ocorriam concomitantemente, a República se instalava, a urbanização e a industrialização avançavam; a ciência ganhou espaço, e a medicina ganhou lugar de destaque. Socialmente, a burguesia ascendia e buscava normatizar a sociedade de acordo com seus ideais. Nessa trajetória, certos comportamentos foram condenados, outros foram elevados ao patamar de modelos.
O discurso médico da época, apesar de apresentar divergências e contradições, era relativamente convergente em alguns pontos, especialmente na delimitação das condutas ideais para homens e mulheres.
No que se refere ao feminino, os médicos estabeleceram dois arquétipos diametralmente opostos. De um lado, apresentavam o modelo mãe-esposa: frágil, assexuada, confinada ao mundo doméstico, com funções meramente reprodutivas. A esta se contrapunha a degenerada, mulher pública, sexuada, identificada com a prostituição. Os médicos buscavam conformar as mulheres com o primeiro modelo, apresentando argumentos “científicos” para tal imposição.
Do ponto de vista das enfermidades, os médicos desenvolveram um tratamento distinto para homens e mulheres. O útero era visto como a raiz de todos os males, e qualquer desequilíbrio nesse órgão levaria a patologias em outras áreas do corpo. Muitas vezes, os tratamentos tinham caráter punitivo, com o fim de penalizar a transgressão dos modelos e padrões impostos.

Perfil masculino: definição pelo discurso médico

Assim como definiu padrões positivos e negativos para a feminilidade, o discurso médico delimitou modelos também para o homem. O homem ideal era o marido-provedor, que deveria estar sempre apto para o trabalho, evitando hábitos e ambientes que dissipassem suas energias.
O alcoolismo era visto como fator esvaziante do poder do homem, capaz de impedi-lo de cumprir suas obrigações. O combate a esse mal e a tudo que a ele se associa (vida noturna, jogos, boemia), toma espaço central no discurso médico sobre a masculinidade.

A historicidade das sensibilidades

Com a abertura propiciada pela expansão do campo historiográfico, lançou-se luz sobre um aspecto pouco estudado até então, as sensibilidades. Percebeu-se que comportamentos, valores e sentimentos são elementos contruídos socialmente e que, portanto, variam ao longo do tempo. São, dessa forma, passíveis de análises históricas.

Copacabana nos anos 1950: território da boemia

Nos anos 1950, graças a obras de urbanização, a remota praia de Copacabana foi integrada à cidade do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, o bairro tornou-se o ponto mais badalado da noite carioca. Avenidas foram traçadas ao longo da linha da praia, as famosas calçadas de pedra portuguesa facilitaram o caminhar dos pedestres. Um número crescente de automóveis passou a circular pela região.
Apesar da tomada de importância da sociabilidade de praia, onde corpos eram exibidos e admirados, a essência do bairro aparecia mais nitidamente no território da noite. Antônio Maria, cronista desse processo, descreveu a profusão de tipos que se cruzavam nas boates, cabarés, cassinos e casas de espetáculo: políticos, artistas, malandros, boêmios profissionais, homens de negócio. Nesses cenários, emergem novas relações entre os gêneros.
Apesar de ainda resistir o velho “espírito de bairro”, calcado na pequena solidariedade e na plena vigilância, surgia um modelo “moderno” de conviver em sociedade, uma certa impessoalidade nas relações, um certo individualismo privativista.
Copacabana acabou por sofrer um inchaço na sua vida boêmia a partir do governo do Marechal Dutra, quando as autoridades passaram a atacar redutos da malandragem em outras áreas da cidade, como a Lapa e a Praça Onze. Desalojados de seus locus costumeiros, esses boêmios se “transferiram” para Copacabana, o último bastião da vida noturna carioca.

Dolores Duran: intérprete das sensibilidades femininas

Autodidata, oriunda das camadas menos privilegiadas, Adiléia Silva da Rocha ficaria conhecida na noite carioca como Dolores Duran, a artista que deu voz à alma feminina. Após os anos iniciais como intérprete, Duran deu início, nos anos 50, a uma fase em que assumiu sua veia compositora. Nesse momento, afloraram em suas letras os sentimentos próprios das mulheres da época, uma vívida contradição entre os valores modernos em ascensão e os arcaísmos persistentes na relação entre os gêneros.
Com seu discurso coloquial, Dolores captava os “instantâneos do dia-a-dia”, flagrando “dor, saudades, remorsos e outros sentimentos”. O amor, na visão da artista, é algo doloroso, que condena aquele que o sente a sofrimentos agudos. A ausência, o abandono e a solidão são elementos onipresentes no seu temário. O sentimento de culpa é assumido pela entidade feminina nas canções, o que mostra a internalização, por parte das mulheres, da culpabilidade feminina imposta pelo discurso masculino.

Perfis de gênero em Lupicínio Rodrigues

Um dos poucos artistas fora do eixo Rio-São Paulo a se tornar popular neste período, o gaúcho Lupicínio Rodrigues compunha fortemente influenciado pelo contexto boêmio, pela cultura portenha, pelo tango e pelo bolero. Suas letras acertavam em cheio o gosto popular. Contava o que vivia, e por isso acabou por traduzir com propriedade as características do cotidiano boêmio, suas “experiências, situações e emoções”.
A mulher encontra-se no centro das preocupações na obra de Lupicínio. Segundo ele, somente as que o fizeram sofrer lhe traziam dinheiro, uma vez que inspiravam canções pungentes e repletas de emoção. Dessa forma, é a mulher infiel, perversa e traidora que transparece em seu discurso. Predicados positivos em relação às mulheres aparecem de raro em raro, mais como um modelo a ser seguido. Para ele, a mulher ideal é honesta, casta, fiel, sincera e obediente.
Em parte, a visão de Lupicínio Rodrigues incorpora o discurso médico, reforçando a dicitomia entre a mulher pública-sexuada e a privada-assexuada.
O homem, em geral, é retratado como sincero e amoroso. Nas relações entre os gêneros, o homem é superior; é racinal e corajoso, e o sentimentalismo lhe é vetado. Em contraste com a algoz feminina, é vítima de seus sentimentos.

O Ébrio: Vicente Celestino e o perfil do etilista

Filho de imigrantes italianos, Vicente Celestino sempre apresentou pendores artísticos. Em sua extensa carreira, desempenhou as mais variadas funções artísticas, destacando-se como cantor, compositor e ator. O auge de seu sucesso ocorreu nas décadas de 1930, 1940 e 1950. O surgimento de novas correntes culturais, mais modernas, colocou-o num relativo ostracismo, juntamente com outros artistas de sua geração.
Num cenário urbano marcado pela industrialização e pelo trabalho, ganhou destaque nas produções cultirais a ênfase nos locais de descontração e lazer, uma busca pela fuga das pressões do dia-a-dia.
No temário de Vicente Celestino, o ébrio é uma constante. Em geral, trata-se do homem que sofreu por amor, foi traído pela mulher amada e refugiou-se na bebida. À mulher, mais uma vez, é reservado o papel de “semente do mal”, propensa à infidelidade e ao delito amoroso.
Às vezes o ébrio aparece como um pobre coitado, inofensivo e inerte, como em “O Ébrio”, grande sucesso de 1936. Em outros casos, é furioso e homicida, que em crise de ciúme alcoólico faz “justiça com as próprias mãos” e dá cabo à vida da infiel, como na canção “Matei”, de 1940.

Contribuições da Obra: considerações críticas

A obra de Maria Izilda Santos de Matos contribui para ampliar em muito as reflexões sobre diversas discussões historiográficas. Em primeiro lugar, estabelece uma clara delimitação das novas formas de se abordar os problemas históricos. Reafirma a emergência de novos campos de investigação, especialmente o de gênero, categoria de análise que tem permitido uma revisão da historiografia tradicional com grande benefício para um entendimento mais fiel da trajetória humana.
Mais que isso, a obra apresenta um método bastante inovador de análise, buscando em fontes pouco ortodoxas respostas para questionamentos complexos. Compreender o processo histórico acerca das sensibilidades e dos sentimentos é um desafio para qualquer historiador, e a autora demonstra sagacidade ao se valer das letras das canções populares para encontrar pistas sobre esse problema. Com relação ao discurso médico, a autora consegue obter um retrato da mentalidade da época a respeito dos papéis ideais determinados para os gêneros. Demonstra como a “ciência” é posta a serviço dos interesses de determinados grupos, que através dela almejam impor seus modelos para a sociedade em geral. Mostra ainda a maneira pela qual o gênero masculino busca justificativas “racionais” que deem embasamento a sua dominação sobre as mulheres.
Em suma, a obra nos permite aprofundar as discussões sobre essas questões extremamente pertinentes, tão caras aos estudos mais modernos da historiografia.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de Emoções – Corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru, SP: Edusc, 2005.


[1]Fonte: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4723167J4 acessado em 23 de junho de 2009, às 20:43h.

Matéria publicada na Folha de São Paulo de hoje, no caderno Cotidiano.

"Mestres se veem na berlinda diante de novo ambiente escolar "

Como a tecnologia, a violência e as doenças do aprendizado mudam as salas de aulas, trazendo desafios e provocando a discussão sobre o papel do professor
OCIMARA BALMANT
LETÍCIA DE CASTRO
DA REVISTA DA FOLHA

Em uma escola na periferia da zona sul de São Paulo, mais de 2.000 alunos gritam ao mesmo tempo que querem ser dispensados para assistir ao jogo de futebol. Não são atendidos e colocam fogo em carteiras.
No colégio de classe média na zona norte, um aluno de 12 anos diz à professora que é ele quem paga o salário dela e que deve fazer tudo o que ele quer.
Perto do parque Ibirapuera, a professora é avisada pela coordenadora de que um dos seus alunos foi mal na prova, mas não pode ser reprovado porque há um laudo atestando que sofre de déficit de atenção.
Os episódios ilustram alguns dos desafios que os docentes enfrentam nas salas de aula. Há problemas antigos, como a violência, e outros bem atuais, como a concorrência com equipamentos eletrônicos ou as doenças do aprendizado.
Geração on-line
A lousa está repleta depois da aula de português. O adolescente não copia uma sentença: basta pegar o celular e registrar tudo com a câmera. O episódio foi no colégio Santa Maria, zona sul. Não houve broncas."A tecnologia é matéria-prima, objeto de estudo. Não posso dizer que não presta ou proibir", explica Elizabeth Fantauzzi, 47, responsável por disciplinas como web design e fotografia digital.
A praga do laudo
Depois de uma discussão com um aluno, a professora Silvia Barbára, 49, coloca o estudante de 16 anos para fora da sala de aula. Ele sai, mas a xinga de "puta". A coordenadora da escola explica que o mau comportamento se deve a uma troca de medicamentos. A professora vive esbarrando em diagnósticos de déficit de atenção.
Segundo a psicóloga da Unicamp Cecília Collares, que estuda a "patologização da educação", o fenômeno causa reação em cadeia. Os pais reagem como se fosse uma fatalidade, a escola se isenta, e o professor se vê desvalorizado.
Discriminação e violência
B.C., 49, professor da rede estadual há 29 anos ficou uma semana na UTI depois de ter a diabetes descontrolada. O motivo: preconceito. Uma dupla de alunas pediu o afastamento do professor homossexual.
Para a educadora da Unicamp Angela Soligo, casos de agressão física e de depredação são decorrentes do processo de sucateamento a que a escola pública foi submetida.
Outra questão é a falta de diálogo e a incapacidade da escola de assimilar a nova cultura juvenil. Soligo defende que poder público, professores, gestores, alunos e pais se envolvam para discutir o problema.
Onde está a família?
Diante de uma turma com dificuldade de aprendizado, a professora Margarida Costa, da Escola Municipal Oliveira Viana, no Jardim Ângela, avisa: quem não terminar não vai brincar no intervalo. Ninguém terminou o exercício a tempo.
A classe inteira optou por ficar sob a tutela de um adulto no recreio. "A carência de atenção é tão grande que a possibilidade de usufruir de um tempo ao lado do professor deixou a turminha de crianças animada", explica Margarida.
Na escola da periferia da zona sul, a estratégia que a diretora, Jucileide Mauger, encontrou foi ampliar o diálogo com os alunos e abrir-se para a comunidade. Abrir espaço para a família participar das decisões é um dos segredos, no Jardim Angela ou no Alto de Pinheiros. No Oliveira Viana, pais de alunos ocuparam as salas de aula para um encontro de casais. No colégio Vera Cruz, há desde 2005 a Organização de Pais Solidários, com palestras sobre drogas, infância e sociedade.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Coisas de velho...


Segunda feira, às 20 horas, um comerciante foi morto numa tentativa de assalto. Como Iguape é uma cidade pequena, o ocorrido ganhou ares de assunto da semana. É realmente incomum este tipo de coisa por aqui. Desde 2006, é a segunda vez que acontece uma morte violenta relacionada a roubo. Na manhã do dia do crime estive na loja do comerciante e conversei com ele sobre uns reparos que pretendia fazer no banheiro de casa.
Hoje espalhou-se a notícia da prisão dos autores do crime: quatro adolescentes oriundos de uma cidade vizinha.
Lembrei disso hoje, quando conversávamos na sala dos professores, sobre a apatia geral que percebemos nos alunos. Uma professora, que também dá aulas para crianças do ensino básico, relatou que essa condição se manifesta desde cedo. Alunos de oito anos apresentam grande desdém pela escola, preguiça, falta de vontade, o que é incomum, já que nesta fase da vida a curiosidade natural deveria guiar as mentes, e a energia da infância proporcionaria uma conduta ativa. Adolescentes, passando por grandes mudanças hormonais, tendem a ser mais sazonais, menos ativos em determinados momentos.
Comentei os resultados fracos dos alunos dos terceiros anos no simulado que realizei na semana passada, e ouvi que “era de se esperar”, uma vez que eles não demonstram nenhuma vontade de aprender. Em geral, os professores acabam culpando os alunos pelo fracasso escolar.
Mais tarde, li na revistá Época dessa semana uma matéria intitulada “E escola que nossos jovens merecem”, onde cinco adolescentes foram acompanhados em seu dia-a-dia e registraram suas impressões sobre a vida escolar, entre outras coisas. A matéria trazia diversas estatísticas que “comprovam” o fracasso do Ensino Médio no Brasil, destacando aspectos como o alto índice de evasão e reprovação no ciclo. O teor geral da matéria, bem como dos relatos dos alunos, é de que a escola e os professores é que são os culpados pelo caos na educação escolar. O que é oferecido por ambos seria antiquado, desinteressante, pouco sedutor. O sistema, como disse uma das pessoas entrevistadas, foi elaborado para atender às demandas da sociedade de vinte anos atrás, e foi incapaz de se adequar à nova realidade...
No meio desse tiroteio, fico sempre confuso. Aliás, muito confuso. Sou eu que estou errando, como professor, falhando na tarefa de despertar o interesse dos jovens? Ou são eles que não querem saber de nada mesmo, não importando o quanto me esforce? Concordo que o que se oferece para os jovens hoje é algo que destoa de seus desejos. Talvez possa ser classificado como “antiquado”. Por outro lado, não posso deixar de sentir a apatia dos estudantes, o descaso com a escola, a ausência de um ”sentido de escola” por parte deles. Para a maioria, a escola é apenas um lugar pra onde se vai encontrar os amigos, se divertir, sem compromisso nenhum com qualquer tipo de projeto.
Ninguém está oferecendo a eles um projeto... Nem os pais, nem nós professores. O que se oferece é a ilusão do mundo cintilante que aparece na TV, nos clipes, nas letras das músicas, nas revistas de celebridades. Ou a lógica do microcosmo religioso emitida dos púlpitos ocupados por estelionatários profissionais, pessoas com alergia de trabalho honesto.
Acho que a crise é muito maior do que supõe os que contrapõe alunos e professores. As mudanças que o mundo vem sofrendo nos últimos anos destruiram modelos de conduta, tanto do indivíduo para consigo mesmo quanto nas relações entre as pessoas. Romperam formas tradicionais de lidar com os jovens que, mesmo inadequadas ou injustas, funcionavam...
Lembrei do crime porque, às vezes, convivendo com os jovens, me bate uma incerteza grande, um medo do futuro... Não sei se isso é “coisa de velho”. Sei que os mais velhos reclamam dos jovens desde a antiguidade, fato registrado em textos que sobreviveram aos milênios. Mas quando os vejo pelas ruas, estropiando a língua portuguesa, expondo formas pouco ortodoxas de comportamento, me sinto acuado. Sinto que algo se perdeu. Espero estar errado. Espero estar sofrendo da mania dos velhos de criticarem a juventude...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Chegando ao final (?)


Os estudantes ainda estão ocupados em preencher suas tabelas. Já têm mais segurança no uso dos computadores e na localização da informações. Alguns foram além do esperado, produzindo tabelas especiais ampliadas e coloridas, outros usaram seus conhecimentos em informática para fazer suas tabelas no editor de textos. Agora que o trabalho se aproxima do fim, brota a dúvida sobre como aproveitar os esforços feitos e criar um fechamento que dê sentido a tudo o que foi desenvolvido. É um momento crucial, que pode tanto salvar quanto perder tudo que fizemos.

Nessas horas percebo as lacunas de minha formação com mais força, e fica claro o grau de dificuldade envolvido na atividade pedagógica. Afinal, em que esse trabalho contribuiu para a formação desses jovens? Que elementos foram somados a suas essências em formação? Preciso encontrar uma forma de avaliar que etapas foram proveitosas e quais foram inúteis...

Na quinta-feira irei encerrar, com os segundos anos, o trabalho com as tabelas e, se houver tempo, iniciarei o uso dos textos. Não fui capaz de reproduzir os capítulos do livro ainda, como queria. Apenas a introdução está disponível, e é por aí que começarei. Uma cópia para cada aluno foi disponibilizada, graças aos esforços da coordenadora pedagógica, que driblou a pane do computador da sala dos professores e imprimiu o texto na secretaria (mas isso é segredo...)

Tentarei fazer uma leitura em conjunto, extraindo de cada parágrafo ideias, conceitos e informações. Um dos alunos espontaneamente se dispôs a digitalizar o resto do livro...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A religião nas salas de aula


O Ensino Religioso é ministrado aos alunos das oitavas séries das escolas estaduais de São Paulo. A carga horária é pequena, apenas uma aula de 50 minutos por semana. A disciplina é optativa. Religião na escola pode ser perigoso... Li esses tempos uma reportagem sobre o assunto, que trazia um levantamento do ensino de religião no Brasil, e relatava-se ali alguns absurdos, como o caso da professora que convertia os alunos para sua religião, comemorando o fato como “salvação” das crianças. O proselitismo é praxe e muitos estudantes, oriundos de famílias que seguem as religiões afro-brasileiras, se sentem discriminados e diminuídos, ao ponto de esconderem suas crenças para evitar a perseguição. Nesse caso, as aulas de Ensino Religioso acabam acirrando os problemas que deveriam atenuar.
Por se tratar de um ambiente frequentado por pessoas de diversas origens e culturas, as escolas deveriam ser ambientes laicos onde todas as diferenças fossem aceitas e respeitadas.
Na escola onde trabalho, o número de adeptos das religiões protestantes de origem pentecostal é alto, superando a média nacional. Como se trata de uma área rural, tem as mesmas características, para os fins de religião, que as periferias das grandes cidades. A presença dos templos pentecostais é maciça, ainda que sejam acanhados e simples. Percebe-se que, em muitos casos, o momento do culto e as atividades ligadas à religião são as únicas opções de sociabilização e entretenimento.
Para esse público, o importante é relativizar as crenças, deixar claro que existem muitas “verdades” quando se trata da religião. Combater o fundamentalismo é quase obrigatório. Para levantar essas questões, desenvolvi um currículo que aborda a história e as doutrinas das religiões de povos de todo o mundo. Sempre começo com as religiões orientais, mais exóticas para eles. Mais tarde, gasto um tempo longo tratando do islamismo, religião tão cercada de preconceitos.
No segundo semestre, passo a abordar as religiões presentes no Brasil. Costumo começar apresentando uma tabela com os dados colhidos pelo IBGE nos recenseamentos. É uma oportunidade para enxergar a diversidade religiosa do país. Fazemos também uma análise comparativa das estatísticas sobre religião no Brasil ao longo das últimas décadas, atividade que evidencia o crescimento das religiões pentecostais e neopentecostais, bem como do ateísmo, concomitantemente ao declínio do catolicismo.
Nesse semestre, atado à ideia de diminuir as aulas expositivas, retomei os trabalhos no Ensino Religioso propondo aos alunos que realizem uma pesquisa sobre dez das mais expressivas religiões brasileiras, oferecendo a eles alguns itens que devem ser respondidos ao longo do trabalho. Como sempre, reservo um espaço para abordar as religiões afro-brasileiras, que são as mais aviltadas em nosso país. Sinto que mesmo entre os professores, que deveriam reprimir qualquer traço de preconceito, ocorre uma aversão declarada às tradições afro-brasileiras...
Estamos na fase de coleta das informações, e como sempre, não posso contar com o funcionamento completo da sala de informática. Apenas um dos cinco grupos conseguiu acessar um site antes da pane costumeira. C’est la vie...
No início, após realizar a pesquisa que constatou que metade dos alunos vinha de famílias filiadas ao protestantismo, acreditei que iria enfrentar problemas por desenvolver essa abordagem multirreligiosa. Nos quatro anos em que venho ministrando a disciplina nesta escola ainda não tive nenhum atrito... E, ao que parece, as aulas tem contribuído para abrandar preconceitos e desmontar dogmas.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Trabalhando em silêncio...

Nas aulas de P.D., dei início ao assunto sugerido pelos gestores do programa: a Índia. Decidi abandonar as aulas expositivas, que parecem ter pouca eficiência. Li o texto do material didático e percebi que grande parte dele trata da história da Índia, ressaltando a sucessão de alterações que o território sofreu ao longo do tempo em função de dominações de diversos povos a que foi submetido. Arianos, persas, budistas, muçulmanos, europeus mercantilistas e neocolonialistas, todos deixaram suas marcas...
Escolhi iniciar a abordagem solicitando aos alunos que fizessem uma linha do tempo, a partir da leitura individual que fizeram do texto, retirando dele informações para compor uma sequência cronológica de acontecimentos. A atividade foi aceita e realizada por todos com dedicação.

Reformas...


É importante ressaltar que nossa escola está sofrendo uma reforma, e quando digo sofrendo quero me referir ao sentido literal da palavra. Os espaços estão tomados por materiais de construção e objetos removidos de seus locais originais. Os ruídos típicos de uma obra tomam conta do ambiente: o som de pás e enxadas misturando o cimento, o ensurdecedor impacto de marretas destruindo pisos e paredes. Os operários transitam pelos corredores com seus carrinhos de mão, cantando e assoviando melodias populares. Um deles tem um belo timbre de tenor e se dedica a hinos de louvor a Jesus... Começa a ocorrer uma interação social entre os estudantes e os trabalhadores da construção civil.
Devo acrescentar ainda, mesmo sob o risco de ser hostilizado por alguns de meus colegas, que os altos índices de faltas e afastamentos tem contribuído para a degeneração do ambiente escolar. Nesta semana, só para exemplificar, têm ocorrido faltas todos os dias, e é comum que dois ou mais professores ausentem-se simultaneamente. A consequência é a presença constante de alunos fora das salas de aula, circulando pelos corredores com seus pequenos aparelhos sonoros, conversando e rindo em altos brados. Estudo exige concentração, serenidade, paciência, e essas coisas são amigas do silêncio.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A incapacidade dos professores...

Lembrei de uma reportagem da Folha de São Paulo que trazia uma "pesquisa" mostrando que as salas de informática das escolas estão subutilizadas em função da incapacidade dos professores, que não saberiam empregá-las no seu trabalho... Parece piada! Uma sala de informática usada por centenas de pessoas que recebe apenas duas ou três manutenções anuais nunca vai estar em condições de servir como ferramenta no processo de ensino.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Executando os trabalhos


Continuando o trabalho com o 1ºB hoje. Tivemos duas aulas. A primeira foi consumida na elaboração da tabela nas folhas de sulfite. Estou descobrindo as lacunas de formação desses alunos. A idéia de organizar os dados em uma tabela surgiu na sala, por sugestão de um dos alunos. Antes de impor o uso da tabela, perguntei a eles qual seria a melhor forma de organizar os dados. Dois deles responderam. Um aventou a possibilidade de usar o formato de um questionário, e quando objetei dizendo que isso tomaria muito tempo e espaço, um outro veio com a ideia da tabela.

Foi interessante vê-los trabalhando com as réguas. Muitos não sabem como usa-las adequadamente, calcular os centímetros. Se não houver orientação, fazem o serviço a mão livre, sem qualquer cuidado. Tive que trabalhar alguns conceitos de Matemática... Calculamos na lousa o espaço que deveria ser reservado a cada linha e a cada coluna, de maneira a ocupar de maneira simétrica o espaço da folha e traçar o número necessário de quadros para conter as informações.


Na sala de informática, mais dificuldades. Apenas cinco computadores estão funcionando, um deles com falhas graves que obrigam o usuário a fechar o editor de textos a cada 90 segundos. Enervante... Não temos internet, então trouxe de casa, copiados num pen drive, os textos que servirão de fonte. É claro que eles não contemplam toda a necessidade da pesquisa, mas foi o qu pude arranjar. Vinte e nove alunos tentaram se organizar ao redor de 5 PC's. O que acaba acontecendo é que os dois mais bem posicionados localizam e anotam os dados, enquanto os demais copiam...

terça-feira, 18 de agosto de 2009

De volta às aulas: descrição dos trabalhos

De maneira pouco planejada, decidi trabalhar um tema único em várias salas nas primeiras semanas de aula, neste retorno. Vou seguir esta diretriz antes de voltar ao Caderno do Aluno e seguir o currículo imposto pelo Estado. O tema escolhi no domingo, véspera da volta às aulas, quando li o caderno especial da Folha de São Paulo com perguntas e respostas sobre o vírus H1N1. Me lembrei do livro de Jeanette Farrell (“A Assustadora História das Pestes & Epidemias”), que li este ano, e que trata de 7 doenças infecto-contagiosas que assolaram os humanos no passado. A obra tem caráter interdisciplinar, conjugando conceitos da biologia com narrativa da história.
Para por a ideia em prática, usei meu velho método: o improviso. Defino um tema, mas não traço estratégias: na hora da aula penso no que fazer, sigo meu faro. Geralmente dá certo, mas o processo é falho porque me impede de fazer reflexões mais profundas e planejamentos mais eficientes. No entanto, sinto que quando planejo demais erro a mão...
Iniciei o trabalho de maneira semelhante com todas as turmas (7º e 8º do E.F., 1º e 2º anos do E.M.): comecei reunindo os estudantes em círculo, abrindo espaço para que expusessem o que já sabem sobre o assunto. Nesses momentos, sempre fico com a impressão de monopolizar demais a fala, fato que se agrava com a inibição natural deles. Apresentei o caderno do jornal, li alguns dados que eram pertinentes aos assuntos que surgiam. Em seguida, apresentei o livro de Farrell, destacando a ideia de que as epidemias sempre ocorreram, de que foram piores no passado porque não se conhecia suas causas.
Essa exposição inicial teve resultado variável, de acordo com as turmas. Em algumas senti que foi proveitosa, que houve participação e interesse. Infelizmente em outras notei que muitos não conseguiam acompanhar a discussão, por falta de interesse ou de capacidade mínima de compreensão. Como sempre, algumas pessoas estão mais interessadas em aproveitar as deixas pra fazer piadas (sem graça) do que em manter um diálogo coletivo...
A partir daí, minha estratégia variou de acordo com a série. Para as sétimas, oitavas e para o primeiro ano do E.M., sugeri uma pesquisa sobre as doenças citadas na obra de Farrell mais a Gripe Espanhola. Pus na lousa alguns ítens que deveriam ser elucidados no decorrer da pesquisa: agente causador, forma de contágio, história (doença no tempo e no espaço, trajetória da relação da doença entre os humanos, trajetória dos esforços de compreensão e combate a essas doenças), formas de prevenção e tratamento, existência ou não de vacina e os aspectos atuais dessas epidemias. Sugeri que organizassem esses dados numa tabela.
Imaginei realizar esta pesquisa na Internet, mas os computadores estão inoperantes. Recorri aos livros didáticos, onde pudemos encontrar informações básicas e insuficientes sobre quatro dessas epidemias.
Foi marcante perceber que a maioria dos estudantes, mesmo os do Ensino Médio, não dominam conceitos básicos. Não sabem como funciona o sistema imunológico, e portanto não compreendem o mecanismo de uma vacina. Tem um vocabulário muito pobre, e desconhecem o significado de termos simples, como “prevenir”. Não sabem o que é um vírus, o que é uma célula. É impressionante...
Selecionei os livros e entreguei aos alunos, sem dar indicações de onde encontrar os temas. A ideia era dar a eles a oportunidade de aprender a realizar uma pesquisa num livro. Sugeri que usassem o índice, mas dessa forma eles não foram capazes de encontrar nada. As turmas passaram 50 minutos folheando os livros sem nada encontrar. Logo abandonavam os índices e passavam a buscar a esmo, página por página, os textos. Olham as páginas em busca de partes dos termos, como “espanhola”, de gripe espanhola. Em geral, não encontravam nada. Tentei ajudar infomando as épocas das epidemias, o que não foi de grande utilidade. Quando um deles acidentalmente encontra informações úteis, compartilha com os colegas o número da página e logo todos estão com os livros abertos no mesmo lugar... Uma vez encontrada a fonte, não demonstram grandes dificuldade em responder aos ítens. No final, sempre procuram comparar suas respostas com a dos colegas e, em alguns casos, me procuram para confirmar se acertaram ou não.
Tiveram dificuldade também em construir a tabela nas folhas de papel sulfite que forneci. Alguns gastaram 50 minutos só nessa tarefa.
Nos 2º E.M. decidi reproduzir o texto e entregar cada capítulo a um grupo, para que leiam. Ainda não consegui imaginar uma forma proveitosa extrair contribuições...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

e.e. cummings


nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas

(Tradução: Augusto de Campos)